Celso Amorim sobre crise no Haiti: “uma tragédia anunciada”

Denise Assis
Haiti e Celso Amorim, assessor especial do governo Lula para Assuntos Internacionais (Foto: Ralph Tedy Erol / Reuters I Editora 247)

O assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, falou ao 247 sobre a renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry, do Haiti, ao cargo, feita por telefone durante reunião dos países da Comunidade do Caribe, a Caricom, nesta segunda-feira, (11/03). O aviso chegou em plena reunião do bloco na Jamaica.

Amorim disse ver com muito pesar a situação naquele país, pois o Brasil se empenhou muito numa ajuda ao Haiti. No seu entender, a comunidade internacional abandonou o país à própria sorte após o terremoto de 12 de janeiro de 2010, quando foi totalmente devastado e ainda não havia conseguido se recompor minimamente, antes dos problemas estarem estruturados. “Nós ajudamos, inclusive, com presença militar (Minustah)”, lembra.

“Na ocasião, um grupo de países se comprometeu a enviar ajuda financeira para a construção de uma usina hidrelétrica, a fim de dar suporte ao soerguimento do Haiti do ponto de vista estrutural. O Brasil contribuiu com 40 milhões de dólares com esta finalidade, mas os outros que haviam se comprometido, não mandaram”.

Para Amorim, a solução não é simples, pois a política é complicada em toda parte, “mas lá é especialmente complicado, porque é um país muito pobre e curiosamente com uma legislação pouco adaptada à realidade local, ainda, com uma constante ameaça de bandos armados. Muitos grupos internos políticos que se chocam e, sobretudo isto, sem perspectiva de desenvolvimento”, aponta.

O assessor recorda que o governo Lula tentou ajudar e “chegou em dado momento a ser o maior contribuinte depois do terremoto. Foi o que mais rápido mandou a maior quantidade de recursos por uma conta do Banco Mundial, na expectativa de trabalhar num projeto estruturante, que era uma hidrelétrica, mas outros países não puseram, então nós acabamos utilizando os recursos de outra maneira. Eram projetos bons, mas que se encerravam em si mesmos, não tinham capacidade de produzir resultados. Eram projetos como merenda escolar, coisas desse tipo que não ajudavam a reestruturar o país”.

No ministério da Defesa – – Amorim foi titular da pasta de 2011 a 2015 -, diz que o Brasil tentou criar “um pouco de engenharia, que seria uma boa maneira de começar, mas tudo isso dependia também de uma contribuição, de presença da comunidade internacional. E a verdade é que a comunidade internacional, como eu disse anteriormente, abandonou o Haiti antes de que o esforço pedido por nós, a Minustah, pudesse ter sido consolidado”, reforça.

O assessor especial lembra que atualmente o Haiti tem um forte domínio de vários clãs de drogas. “Você tem um problema de segurança muito maior do que era quando nós estivemos lá. Graças ao empenho do Brasil, à resolução da ONU, há uma referência da importância do desenvolvimento econômico, mas no momento, até para você ter um projeto de desenvolvimento tem que oferecer o mínimo de segurança, e não é fácil”, analisa.

O ex-primeiro ministro Henry, de 74 anos, se encontra em Porto Rico, por não conseguir retornar ao Haiti após ir ao Quênia para negociar detalhes do envio da missão de segurança aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e que será liderada pelo país africano. Mas até mesmo quanto a essa ajuda há dúvida, revela Amorim. “O país que havia se oferecido era o Quênia, mas há problemas internos no Quênia, dúvidas se as tropas poderão ir ou não… Tem uma possibilidade de ser o Benin, enfim, o Brasil não tem hoje o envolvimento que teve no passado”, diz.

Perguntado se a questão não mereceria uma atenção especial da América Latina, Amorim explica que “nunca pode ser iniciativa apenas da América Latina para você atuar dentro do mandato das Nações Unidas”. Segundo ele, “você precisa ter uma participação política e financeira, também, e a América Latina é pobre. Quando no terremoto o Brasil colocou 40 milhões de dólares, para nós isso é muito, para o nosso padrão de cooperação, mas foi na expectativa de que os países desenvolvidos aportassem. E não aconteceu”, lamenta.

Em sua opinião, na época “houve uma certa exploração política em torno do terremoto, como é que se faria a reconstrução…” Aponta também que “a eleição que se seguiu ao terremoto foi altamente discutível, não vou entrar em detalhes. E aí as coisas foram se tornando mais difíceis”.

Amorim recorda que “o Haiti já estava debilitado do ponto de vista de força militar, mas você tem que reconstituir alguma coisa, como a Polícia. Chegou a haver algum trabalho, mas se não é contínuo, se não há um compromisso firme com o desenvolvimento, com o crescimento do Haiti, as coisas não funcionam”, atesta.

“Acho tudo muito difícil, não sei. Terá que ser feito alguma coisa, com a participação da ONU e a participação latino-americana, como foi a Minustah, que não foi só uma ajuda do Brasil, como muitos pensam. Foi uma reunião de vários países”.  Ela considera que “o Brasil poderá ajudar de alguma forma, mas mais nessa dimensão de desenvolvimento, do que militarmente, do ponto de vista da segurança, pois já demos uma contribuição muito grande nesse sentido”.

A coalizão de gangues que controla cerca de 80% da capital haitiana, liderada pelo ex-policial Jimmy Cherizier, também conhecido como “Barbecue”, escalou os atos de violência na capital nos últimos dias, exigindo a renúncia do primeiro-ministro.

Lembrado do papel da França como país colonizador do Haiti, e questionado se isso não coloca no país europeu um nível maior de responsabilidade, Amorim é cuidadoso na resposta:

“Não vou ficar colocando culpa. A França sabe que tem uma responsabilidade. É um assunto que pode vir a ser tratado na visita do presidente Macron, (Emmanuel Macron) não sei, mas é possível. Teve um assessor internacional dele aqui, falamos no assunto, mas tem que descobrir como”.

Para Celso Amorim, agora é hora de se criar um apoio estrutural, com mecanismos de governança para o Haiti, com a instalação de um corpo técnico para buscar saídas. “O que acontece? Eu conheci muitos haitianos de muito boa formação, mas quando eles têm essa formação completada, em geral no exterior, não voltam para o Haiti.”

Na visão de Amorim, é necessário um trabalho que incentive a permanência daqueles bem formados, em condições de contribuir com o próprio país. “Para isso tem que haver um projeto contínuo de desenvolvimento em que estejamos empenhados. Não é uma questão que você resolve naquela hora, porque há um drama como o atual, ou um processo de imigração que incomoda alguns países e depois abandona. Não dá. Tem que ser uma coisa estrutural de muita responsabilidade”, antevê.

Demonstrando preocupação e até uma ponta de indignação, volta a censurar os países desenvolvidos, com mais condições de ajuda: “não vou ficar apontando o dedo para ninguém, mas claro que alguns países desenvolvidos são os que poderiam contribuir mais, mas dentro de uma visão desenvolvimentista e não apenas securitária”, conclui.

Artigo originalmente publicado em Jornalistas Pela Democracia

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Jornalista. Passou pelos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora-pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" e "Imaculada", membro do Jornalistas pela Democracia