No século VI antes de Cristo, um sábio chinês chamado Confúcio sintetizou pensamentos de sábios que lhe precederam e trouxe ideias que até então nunca haviam sido faladas e muito menos escritas na história. Confúcio defendia, já à época, alguns valores que são caros no mundo atual, como o ensino público para todos que quisessem aprender, uma revolução visto que na época apenas as elites tinham acesso à cultura e estudo. Confúcio ia além do estudo, falava sobre o homem completo, aquele que deveria respeitar os pais e mestres, os deveres de cidadania com o império, o conhecimento da arte das carruagens e sua condução, caligrafia, (vez que a escrita chinesa é iconográfica), matemática, música, piedade, compaixão, humildade e valores éticos. Mais que isso, ensinou seus valores a discípulos e pediu que eles levassem suas palavras para os mais distantes lugares do império Chines. Não por outro motivo até hoje seu aniversário, dia 28 de setembro, é o “Dia do Professor” na China e na Indo China.
Praticamente quatro séculos depois da existência de Confúcio, em 221 AC., o então imperador da dinastia Qin unificou a China ao conseguir controlar as inundações e secas dos dois rios que atravessam o país, o Amarelo e o Yang-Tse. A partir dessa unificação, mais de 50 etnias e feudos passaram a estar sob seu comando e a China passou a integrar Hong Kong, Macau e Taiwan. O poder político do imperador foi além e ele padronizou a caligrafia, o sistema métrico e o sistema do tempo. Assim, a China se tornou um único grande Império já então populoso para aquele tempo.
Séculos depois, mais precisamente 1620 da nossa era, com o florescimento das ideias imperialistas europeias, os Holandeses invadem a ilha de Taiwan. Após algumas décadas, Taiwan é reconquistada pelos Chineses. A história segue assim até a Guerra do Ópio, em 1842, na qual o predomínio militar inglês com a tecnologia de navios propelidos a vapor, contra a velha esquadra chinesa movida a vela, impõe acachapante derrota ao Império Chines. Os ingleses sacam todas as riquezas chinesas que podem, acumuladas há séculos por diversas dinastias, e ainda como troféu ficam com o domínio de Hong Kong por 99 anos.
Percebendo a fragilidade do Império Chines, o Japão ataca a China com a aspiração de ter parte do seu país no continente e assim começa uma rivalidade praticamente incessante. A China não se deixa ocupar, mas perde Taiwan para os japoneses. A China então passa por convulsões internas, impulsionadas pela fome que lhe assolava, o que resulta na queda do sistema Imperial. Em 1911, transforma-se em uma república e volta e tentar tomar Taiwan, o que vai acontecer apenas após a rendição dos japoneses na 2ª. Guerra Mundial, em 1945.
A revolução comunista e as transformações que criam uma nova potência
A China, fragilizada por mais de um século de conflitos ininterruptos, continua em turbulência política, com seu povo morrendo pela fome. A situação leva à eclosão da revolução comunista, vencida pelo líder Mao Tse Tong contra o republicano general Chang Kai Cheq, que por sua vez, vai se refugiar em Taiwan, levando consigo todas as riquezas que pode (muitas delas expostas no museu Nacional de Taiwan). Sua esperança era reagrupar forças para voltar ao continente e derrotar os comunistas. Mao, por sua vez, afirmou, já em 1949, que iria reconquistar a ilha, derrotar de forma definitiva o general inimigo e trazer os tesouros que haviam sido roubados do povo. Ou seja, as duas partes nunca falaram em estado independente em Taiwan, ambos falavam em reunificação, apenas sob óticas distintas. Ou seja, um problema eminentemente doméstico!
É natural, ao longo da história, que a maior potência, os Estados Unidos, entre em choque com a maior potência emergente, no caso a China. Ainda mais por estar claro que a China ultrapassará os Estados Unidos segundo todos os padrões. Porém, o conflito militar de duas potencias nucleares para o mundo não é um jogo de perdedores. Taiwan para os Chineses é algo que lhes pertence, uma questão de orgulho. Ambos têm a mesma cultura, a mesma língua, escrita, culinária, ou seja, os mesmos valores socioculturais. Visitando a ilha hoje, vê-se os mesmos templos taoístas, confucionistas e budistas da parte continental. A ilha parece uma China um pouco mais atrasada e mais pobre mesmo, com seus aeroportos mais antigos e infraestrutura velha, mesmo com toda a sua indústria de chips e semicondutores. Aliás, a China continental fornece a matéria prima necessária para a parte insular e ainda consume avidamente seus produtos acabados, para seus computadores, carros, aviões, navios e assim vai. Por exemplo, a China fabrica atualmente 44% dos navios comerciais do mundo em demanda inacabada da marinha mercante e precisa desses componentes.
Como é a China hoje e o seu reflexo para o mundo
A China de hoje, e fui testemunha ocular disso, é um país de exuberância, moderna, limpa de uma assepsia não vista em nenhuma cidade americana ou europeia, desprovida de pobreza nas ruas, sem indigentes ou pedintes. O partido comunista havia declarado que acabaria com a fome e a indigência em 2020 e o fez sem estardalhaço em 2019. Hoje, os chineses têm comida, teto e aposentadoria para mais de 1,4 bilhão de pessoas. Isso realizado nos últimos 30 anos, não é nada pouco! Nenhum país da era moderna atingiu nada parecido. Nas diversas cidades que andei, verifiquei que são dotadas de infraestrutura de ponta, para condução do seu impressionante tráfego de veículos, nos seus aeroportos, portos, metros, trens, estradas. É notória a riqueza nas ruas, pelas lojas e negócios com todas as futilidades e firulas que a engenhosidade humana consegue produzir. Shangai é a cidade que mais tem lojas Prada e Breguets do mundo. Seja em números absolutos, seja em números relativos. As centenas de milhares de pessoas nas ruas caminham, fazem jogging ou simplesmente passeiam com semblante feliz e de regozijo. A China hoje é a grande indústria do planeta. Investe pesadamente em educação e pesquisa, seus cientistas estão voltando voluntariamente. Seu orçamento militar é estável e vinculado a percentual fixo do seu PIB.
Infelizmente, o mesmo não se passa nos Estados Unidos. Sua infraestrutura está ficando cada vez mais atrasada, vide suas estacoes de metrô, aeroportos, portos e estradas. A indigência e sujeira dignas de terceiro mundo estão presentes nas suas mais diversas cidades, com seus homeless people acampados nas ruas, como as de San Francisco, Los Angeles e Nova Iorque. O hiato entre ricos e pobres nunca esteve tão avassalador. As classes menos favorecidas e mesmo a classe média americana, outrora dominante e motivo de orgulho, é declinante e vem perdendo poder de compra há trinta anos pelo menos. Contrário senso, os chineses, nos últimos 30, anos estão em ascensão, mais alimentados, ricos como jamais foram nos últimos 3 mil anos de sua história. Portanto, dizer para um chines atual que o bom da vida é a ‘democracia americana” é motivo de chacota para dizer o mínimo. Claro que também há um hiato entre os milionários chineses, novos ricos, para o povo mais pobre, mas para quem lembra bem da fome e ainda a tem muito presente a democracia americana, nada lhes interessa ou lhe é sedutor, como pensam alguns arrogantes americanos.
A propaganda americana, no entanto, lhes pinta como ditadores implacáveis, não é isso que se sente. Trata-se de uma ditadura meritória pragmática confuciana, vide o que Deng Xiau Ping, disse com todas as letras nos anos 70: “não interessa se o gato é vermelho ou branco, o importante é comer ratos”. E seu comunismo afastou-se de qualquer dogmatismo e produziu um mercado capitalista de dar inveja a Milton Friedman. Sua maior cidade, com mais de 33 milhões de habitantes, está bombando e não para de crescer ordenadamente. Os chineses sabem que não podem ser implacáveis e sim devem ser flexíveis, afinal trata-se de um país com mais de 2200 anos de historia que assistiu dinastias e mais dinastias implacáveis desaparecerem. Isso não é pouco e tem que ser respeitado. Sente-se a densidade cultural deles visitando o país, seus palácios, jardins, praticas milenares de tai xi chuan, no Feng Shui, no Tao, nos Analectos de Confúcio mandamentais no ensino básico de hoje dados por nove anos a qualquer chines.
Já, por outro lado, os americanos têm um orçamento militar intocável, irracional, com dotações orçamentarias resolvidas nos escaninhos do seu Congresso. E, para justificar esse orçamento, precisa inventar inimigos reais, potenciais e imaginários, sem qualquer paralelo ou veiculação ao seu majestoso PIB ou ainda mesmo a necessidade. Não por acaso, desde 1945 nunca pararam de lutar mundo a fora. Com justificativas que parecem louváveis de proteção da liberdade ou salvação do planeta, que aqui no caso chegam a soar como filmes da Marvel. Ainda assim chamam os chineses de imperialistas. A última vez que os chineses se envolveram num conflito militar foi em 1979.
Penso eu que o americano médio nem sabe bem onde é Taiwan, assim como mal sabia onde era o Vietnam, mas o marketing de guerra venceu à época. Esse mesmo marketing começa a ser cozido novamente com Taiwan, é o que está cheirando. O nunca esquecido Bismark já dizia, se você estadista tem um problema interno “arrume um inimigo externo para unificar seu povo”.
Por fim, trago dados que testemunhei para sua reflexão e peço que, por favor, não confunda a questão da invasão da Ucrânia com Taiwan. A China não é a Rússia, ultrapassada, estancada no tempo, corrupta e improdutiva. Dou-lhe um argumento irrefutável para isso: certamente você tem em sua casa algo feito inteiramente ou parcialmente na China. Porém, certamente, você não tem nada russo.
E para nós brasileiros, que temos a China como nosso maior parceiro comercial, espero que os americanos não façam uma bobagem, que nos prejudicará pesadamente, assim como também prejudicará os próprios americanos, os inocentes úteis e o planeta.
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