A mosca engolida pela nossa “Inteligência” sobre a tentativa de fuga de Bolsonaro via embaixada da Hungria é imperdoável e poderia ter nos custado um vexame internacional, se é que já não podemos considerar assim, o episódio. Jair Bolsonaro, a esta altura, poderia estar repetindo a famosa cena de novela, em que o personagem do ator Reginaldo Farias dava uma banana, a bordo de um jatinho, ao país, de onde fugia em companhia de milhões de dólares.
Ao melhor estilo “guerra-fria”, possivelmente um “espião” de dentro da embaixada daquele país, no Brasil, deve ter contrabandeado para o New York Times um conjunto de imagens extraídas das câmeras internas, do presidente brasileiro tentando “asilo”.
Pego de surpresa na operação Véritas – que deteve assessores muito próximos dele e deu uma batida em sua casa de praia, em Angra dos Reis, apreendendo celulares -, em 8 de fevereiro, bateu o pânico. Primeiro, tentou angariar apoio popular em uma live, convocando para a manifestação de 25 de fevereiro. Depois, vendo o caldo fervente lhe bater na bunda, partiu para pedir socorro ao primeiro-ministro de ultradireita, Viktor Orbán, da Hungria. Qualquer outra versão diferente disso faz parte do processo de embaralhamento da verdade, que o jornalista inglês, e estudioso dos novos comportamentos noticiosos, Matthew D’Dancona, chama de pós-verdade.
O mais surpreendente são as atitudes hesitantes, temerosas, cheias de dedo das autoridades, em bater o martelo, em público, e dizer o que realmente aconteceu ali. Só se dirige a uma embaixada, sem passaporte, na condição de investigado, quem está pretendendo buscar asilo. Traduzindo: fugir. (Só faltou pular o muro, como precisaram fazer os que, no desespero, em 1964, pós-golpe, lotaram a embaixada do Chile, tornando o ar quase irrespirável, dada as condições de higiene pela superlotação). José Serra relata bem isto. As embaixadas são consideradas intocáveis, pelo Direito Internacional. Um pedaço do país encravado aqui.
O caso recente mais rumoroso que vimos nesse sentido foi o do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya. Ele, sua família e colaboradores deixaram em 27 de janeiro de 2010 o prédio da embaixada brasileira, onde permaneceram refugiados por quatro meses, até conseguirem deixar Tegucigalpa, a capital de Honduras, país que governou.
Zelaya saiu do prédio em um carro, cercado por uma caravana de cerca de vinte outros veículos, e tomou um avião rumo à República Dominicana, na qualidade de convidados do presidente Leonel Fernandez.
Presidente deposto, deixou o país valendo-se de um salvo-conduto dado pelo seu substituto, Porfírio Novo. O presidente era acusado de violação à Constituição de Honduras (porque propôs a reeleição estando no cargo. Igualzinho a um que passou por aqui, mas ninguém acho nada demais), e corria risco de ser preso caso deixasse o prédio da embaixada.
No caso de Bolsonaro, os jornais da mídia tradicional deram manchetes discretas onde dizem: “Bolsonaro se abrigou em embaixada da Hungria após ser alvo da PF”. Não. Quem pede abrigo é “desabrigado”. Não é o caso. O mais próximo da realidade, seria: “Bolsonaro se refugia”… Naquele momento, sua notória intenção era fugir. Dormiu na embaixada dois dias. Só faltou levar o ursinho de pelúcia. Só não se sabe o que deu errado, no final, como tudo o que ele empreende.
Estivesse a nossa Inteligência atenta, e o teriam flagrado – e aí não haveria motivo para berreiro -, na porta da embaixada. Nos teriam livrado desses dias de expectativa, em que o vemos provocar o governo atual, ganhar espaço e animar a militância, com o assanhamento de agora. Com o tempo, o país que já não é dado à memória, vai naturalizando o 8 de janeiro. Daqui a pouco estão chamando os arrolados de “coitadinhos”. Daí para a anistia, é um pulo.