Jornalismo em quadrinhos: os fatos pelo traço de um ilustrador

Jaqueline Ribeiro
A sala de espera da Europa

No primeiro dia do novo ano, o norte do Japão sentiu um terremoto que provocou mortes, alerta de tsunami nos países vizinhos e o deslocamento de quase 100 mil pessoas. Terremotos não são tão raros assim. No ano passado mesmo, quem não se lembra daquele que aconteceu na Turquia? Não deixam de ser tragédias, mas não são incomuns… e menos incomuns ainda são os deslocamentos (forçados ou não) das pessoas sejam por causas naturais ou humanas, como conflitos de qualquer ordem ou guerras. Ucrânia, Gaza ou outra localidade em conflito, o noticiário desde há muito não nos deixa esquecer que há gente em fuga à procura de paz.

Uma das responsáveis por nos manter informados é a fotografia que, desde o seu surgimento, inseriu-se na sociedade como um recurso útil a qualquer que fosse o seu público e respectivo interesse. Susan Sontag, a famosa ensaísta americana, em mais de um livro dedicou-se a pensar o lugar e as funções da fotografia. Por exemplo, como a fotografia pode servir para determinados fins (fotos dos horrores da guerra podem servir para campanhas de paz) e para os fins exatamente contrários (fotos dos horrores provocados por inimigos podem servir para instigar para a guerra). 

Segundo Sontag, em Diante da dor dos outros (2003), foi justamente no início da década de 40, em meio à 2ª Guerra, que o fotojornalismo conquistou o devido reconhecimento. Nos conflitos seguintes, a foto acabou dividindo o monopólio com um outro tipo de câmera, a de televisão. Mas e quando as câmeras não são permitidas? Eis que entra em cena o trabalho de Aimée de Jongh para retratar como é A sala de espera da Europa (2022).

Aimée de Jongh é uma ilustradora holandesa que, em 2017, foi chamada para retratar um lugar onde as câmeras não tinham vez: o acampamento Kara Tepe na ilha de Lesbos, na Grécia. De caráter provisório (ao menos teoricamente), o acampamento recebia refugiados em vulnerabilidade (crianças, grávidas, idosos, pessoas com deficiência, traumatizadas ou homossexuais) que estavam à espera da permissão para entrarem no continente. 

Com seu traço delicado, somos apresentados à rotina de quem morava em contêineres, as iso-boxes, e usavam da improvisação para se alimentar e viver com mais de mil pessoas ao redor, seus traumas e a incerteza perturbadora acerca do futuro sobre suas cabeças…e mesmo assim em melhor situação do que aqueles que estavam em Moria, o acampamento anterior, que recebia muito mais pessoas em espaços ainda menores, família inteiras em barracos que inundavam.

Um trecho especialmente impactante é relativo às crianças refugiadas. Conforme foi caminhando pelo acampamento, a ilustradora foi sendo acompanhada por uma quantidade cada vez maior de crianças que, além de desejarem interagir, pediam colo. A orientação? Negar. Segundo a voluntária que a guiava explicou, algumas crianças desenvolviam o Transtorno de Apego Reativo e se tornavam “super grudentas” com estranhos. Se os visitantes atendessem aos pedidos delas, as crianças poderiam ter uma visão distorcida do mundo lá fora – o que provavelmente acabaria por frustrá-las mais tarde. 

Apesar de tomarmos conhecimento de situações de crianças em zonas de conflito ao redor do mundo, por meio da HQ, ficamos mais próximos, inseridos ali, nos vemos no lugar da ilustradora, na situação de negar o que é quase inegável: um colo para uma criança. Longe de ser o pioneiro no gênero de jornalismo em quadrinhos, A sala de espera da Europa, apesar de curto, consegue atingir seus objetivos com êxito, registra, informa e enternece, uma ótima contribuição para entender a situação dos refugiados no mundo.  
Até a data de publicação desta coluna, A sala de espera da Europa: uma história de refugiados estava disponível gratuitamente para Kindle na Amazon

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Jaqueline Ribeiro é bacharela em Comunicação/Jornalismo pela UEMG-Frutal, interessada por tudo o que conta histórias, escreve sobre livros, filmes e discos