Lista de livros da Fuvest: se furacão tem nome de mulher, o apocalipse literário também terá

Jaqueline Ribeiro
Fuvest livros obrigatórios de mulheres entre 2026 e 2028

Como tem sido padrão, a Fuvest, organizadora do vestibular mais concorrido do país, divulga as obras que constarão no seu processo de seleção no triênio seguinte. No final de novembro, trouxe uma novidade: para o período de 2026-2028, serão cobradas exclusivamente obras de escritoras. Houve quem celebrasse como avanço, é verdade, mas foram um tanto ofuscados pelas variadas manifestações em contrário vindas de diferentes partes, motivadas por diferentes interesses. Destaco aqui a carta aberta dos professores e críticos, além da coluna do Antonio Prata.

A carta aberta, assinada por nomes de peso como Carlos Vogt e João Adolfo Hansen, aponta alguns problemas da iniciativa, como a exclusão da literatura produzida no Brasil colonial e a inserção de um livro não-literário. Além do compreensível apego ao cânone na figura do Machado de Assis, a carta revela uma preocupação com o que pode resultar daí. Segundo o documento, “a adoção de um único critério para a escolha dos livros desconsidera a especificidade da literatura, com risco de corroborar os novos tempos utilitaristas de desvalorização das linguagens artísticas e, sobretudo, o foco na figura do/a autor/a ou nas camadas mais superficiais do texto”.

Já Antonio Prata, cronista e roteirista, acusa a entidade de, com essa iniciativa, privar os jovens da leitura de autores e cita homens formidáveis, responsáveis por importantes contribuições para a humanidade, que não podem ser escanteados em nome da luta por igualdade. Diz ele: “Achar que pra cada Sócrates, Platão ou Aristóteles, para cada Hobbes, Rousseau e Locke, para cada Machado, Graciliano ou Rosa, existam obras equivalentes femininas até hoje ocultas, que brotarão ao se excluir as obras masculinas, é negar a existência e a eficácia do machismo”.

Se a preocupação é Machado de Assis, até eu posso decretar: sua exclusão só fará com que deixe de ser estudado em cursinhos voltados exclusivamente para esse vestibular. A importância da sua obra não será minimamente afetada, ainda continuará sendo o maior nome do realismo e toda sua bibliografia continuará acessível para quem quiser ler (online, inclusive). Além do mais, o período é curto se comparado ao tempo de uma vida (em 2029, inclusive, o Bruxo do Cosme Velho já estará de volta), imagine então se comparado à imortalidade que, antes de qualquer título, a arte lhe confere?

Li algumas ótimas ponderações como resposta a essas manifestações contrárias, mas o que me parece estar havendo é aquele velho conhecido ranço diante das iniciativas súbitas de corrigir problemas históricos. E falando francamente: poucas coisas são mais efetivas para unir tribos diferentes do que uma iniciativa impositiva dessas (talvez só o Norvana, como o tuite-meme clássico diz). 

Sabemos que ninguém é otimista o suficiente para acreditar que esses problemas vão ser solucionados definitivamente assim, porém se dependermos dos acadêmicos parece nítido que as mudanças vão demorar ainda mais – nesse passo, é possível até que a existência de vestibulares termine antes. A iniciativa, por mais súbita e atrapalhada que possa vir a ser, é um passo interessante. Quase distópica, se for ver. E só um passo. E só provisório, de curto prazo. Nos períodos seguintes, quem sabe não tenhamos uma lista apenas com autores indígenas ou literatura LGBTQIAPN+, para atender os signatários da carta tão preocupados com inclusão? É possível e é legítimo. Antes de tudo, talvez fosse bom lembrar o óbvio: apesar da inegável importância, o vestibular da Fuvest é só um vestibular. Há vida literária para além dele. Tem de haver.

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Jaqueline Ribeiro é bacharela em Comunicação/Jornalismo pela UEMG-Frutal, interessada por tudo o que conta histórias, escreve sobre livros, filmes e discos