Findou-se, não faz muito, a eleição mais acirrrada desde 1989. Não foi apenas uma eleição, mas um grande teste de resistência para nossas instituições e, no limite, para a própria democracia. Até aqui ambas — instituições e democracia — conseguiram resistir às variadas investidas sofridas.
Efeito concreto da política é a busca e a manutenção do poder. Em 2018, Bolsonaro buscou e ganhou. Em 2022, não manteve o poder e Lula retornará em 2023. Desta forma, há uma lógica intrínseca de esvaziamento do poder de Bolsonaro e todas as atenções, internas e externas, se voltam para Lula, cuja energia está concentrada na construção de uma equipe de transição objetivando o novo ministério que o auxiliará em sua gestão.
Horas após o resultado das urnas, os chefes dos demais Poderes, imbuídos de suas posições institucionais, cumprimentaram o presidente eleito. Presidente da Câmara, Arthur Lira; Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco e Presidente do TSE, Alexandre de Moraes e demais atores políticos relevantes cumpriram o rito democrático reconhecendo a decisão soberana do povo. Tais gestos são, em política, simbólicos. Na política o discurso simboliza e, muitas vezes, o silêncio chega a ser mais eloquente do que a fala.
Lula sabe que sua volta ao topo da república encontra um contexto econômico, social e político distinto de quando terminou seu segundo mandato, em 2010. Como visto nestas primeiras semanas, suas declarações e suas ações serão acompanhadas de perto, pela oposição, mídia e até seus eleitores não convictos. Por isso, há que se esperar um enorme cuidado no que tange à relação com o novo Congresso Nacional — bicameral, conjugação do Senado da República e da Câmara dos Deputados — e os desdobramentos na governabilidade.
Lula, experiente, sabe, por exemplo, ser péssimo ter o Presidente da Câmara como inimigo, no caso, Lira. Dilma Rousseff teve em Eduardo Cunha seu algoz; Bolsonaro, ao contrário, teve em Lira um porto seguro. Foi nessa perspectiva que Lula afirmou que não interferirá na eleição da Câmara, na qual Lira tentará a reeleição. Provavelmente, Lira foi o presidente da Câmara com maior poder no período da Nova República, especialmente, por segurar os pedidos de abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro e, ainda, pela força do “orçamento secreto”.
A eleição para o Legislativo trouxe à tona um conjunto de deputados e senadores mais conservadores e isso, por si só, pode significar maior dificuldade nas votações importantes para o Governo Lula; ademais, há bolsonaristas da ala ideológica que foram eleitos e usarão a tribuna para fazer oposição ferrenha. Contudo, como dito acima, na lógica da política, os olhares e desejos dos atores políticos se voltam para aquele que ocupará o poder. Assim, vários partidos que, hoje, estão com Bolsonaro já sinalizaram apoio ao novo governo.
O Centrão que garantiu a governabilidade até aqui não terá problema nenhum em migrar, desde que seus interesses sejam atendidos. Interesses que, institucionalmente, são legítimos no universo da política. Todavia, Lula já se serviu de um “presidencialismo de cooptação” que se expressou no mensalão e caso opte, novamente, por esse caminho terá problemas enormes. Fora o conjunto do Centrão, aproximaram-se de Lula o PSD e o MDB, além de uma certa paz com o alquebrado PSDB. O cenário de um Congresso virulento contra Lula foi, nestas semanas, perdendo espaço para uma composição mais pragmática e alianças ainda em construção.
No momento, a equipe de transição preocupa-se com a governabilidade de um lado e garantia de recursos para o novo Bolsa Família fora do Teto de Gastos do outro. Veremos como será 2023 e as consequência das escolhas ainda deste ano.
Rodrigo Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia pela Unesp.