É impressionante como rapidamente se reuniu gente e representatividade na lista de nomes que dois deputados de extrema-direita coletaram e que, na verdade, expressa a forte ligação do Brasil com o povo palestino. Os criadores da lista sugerem que todo mundo que se preocupa com a Palestina é apoiador de terrorismo. Na lógica dos propagandistas, virou festa agora: terroristas brotam em cada esquina do Brasil. E no Parlamento. E nas organizações sociais. E na mídia.
Calma, o 8 de janeiro já foi debelado. Os quartéis, desmontados. E os terroristas brasileiros já estão saindo dos tribunais para a prisão. Mas sobraram esses caçadores de bruxas que, não tendo Bolsonaro na Presidência, vão entregar suas delações macarthistas ao que acreditam ser seu chefe maior. Não sei o que diz a Justiça sobre esse delírio da direita – que rapidamente apagou o post com a lista, que já circulou -, mas penso que, só pela exposição caluniosa de brasileiros a um governo estrangeiro, ambos os autores deveriam ter seus mandatos cassados.
De todo modo, a lista tem efeito colateral. Expõe uma pequena parte da solidariedade ativa no Brasil. Vê-se que a lista é uma coleta de nomes de abaixo-assinados e manifestações pró-Palestina que serviços tacanhos de inteligência ficam copiando de manifestações públicas para mostrar serviço ao sionismo. Se alguém nos EUA se prestar a ler, será apenas para saber que sua participação no massacre palestino não é bem-vista nem aceita por aqui. Mas nem é preciso ler. Bastará uma foto do ato deste domingo e de outros pelo Brasil para que os sistemas de reconhecimento facial que monitoram movimentos sociais façam seu trabalho habitual.
O que unifica a relação de nomes é a denúncia da limpeza étnica do povo palestino, é o apelo para que a comunidade internacional intervenha para um cessar-fogo, é a dor pelas vítimas que tombam desprotegidas, sem teto, sem luz, sem água, sem comida, sem remédio, sem amparo… e ainda assim dignas, como a palestina Heba Abu Nada, poeta, escritora, e agora morta.
Ainda na véspera, a autora do romance “O oxigênio não é para os mortos” escrevia seu último verso enquanto nada mais podia fazer contra seu destino anunciado pela farra vingativa das bombas de Israel.
“A noite na cidade é escura, exceto pelo brilho dos mísseis; silenciosa, exceto pelo som dos bombardeios; aterrorizante, exceto pela promessa reconfortante da oração; negra, exceto pela luz dos mártires. Boa noite.”
Heba morreu na mesma “boa noite” sob os mísseis disparados pela mentira ocidental que justifica a violência de décadas do apartheid como “direito de defesa”. Mentira que ela enfrentou com a vida, a poesia, a teimosia e a dignidade.
O Hamas matou e sequestrou em Israel ao furar as cercas da prisão que é Gaza? Nós vimos com espanto as notícias na TV. Destruiu a autoconfiança de Israel em sua capacidade de manter toda população de Gaza bem vigiada e isolada, a ponto de permitir festas de jovens desprotegidos bem ao lado da terra convertida em prisão? Vimos também isso acontecer.
Mas o que estamos vendo agora é uma aliança covarde entre o governo extremista de Netanyahu e o império bélico militar de Joe Biden direcionando seus mísseis para alguns quilômetros de terra contra 2,5 milhões de palestinos exaustos e já semimortos, em uma clara e letal punição coletiva. Estamos vendo também o extremista Netanyahu dizer que a guerra será longa, sabendo que, quando a guerra acabar, sua sorte acaba também. E estamos vendo ainda a insistência para que a guerra se propague para a região, porque só assim será longa.
Acabar com a resistência física de um povo aquartelado, negando alimentos vitais, para eliminar vidas em massa mais facilmente é o pior que a humanidade já fez, especialmente quando as pessoas levadas à inanição estão todas cercadas em um só local exposto ao extermínio. Calar, cortando comunicações, matando jornalistas, suspendendo perfis para que os gritos não sejam ouvidos, deixa o mundo sem a chance de perguntar aos que vão morrer. Como é querer lutar contra um terror que chega de cima e pelo qual só se pode esperar?
Como diz o egípcio Bassem Youssef na entrevista ao apresentador britânico Piers Morgan, os palestinos estão acostumados a ser mortos e o mundo está acostumado a deixar que os matem. E, ainda assim, como ele reconhece, os palestinos insistem em não morrer, por mais que sejam mortos.
Heba, ao morrer e manter-se viva em suas palavras, explica esse mistério.
“Se morrermos, saibam que estamos satisfeitos e firmes e digam ao mundo, em nosso nome, que somos apenas pessoas do lado da verdade”.
Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do DC – Diário Carioca