Eu recebo pacientes de todo canto do país. Muitos deles me perguntam: “o que eu faço para ser feliz?”.
Esses mesmos pacientes se questionam de um vazio no peito, algo que eles não podem completar, como se fosse uma falta que eles não sabem bem de onde vem e para onde vai. Reclamam que não são felizes porque não conseguem descobrir que vazio é este. Como se nada estivesse bom ou indo bem.
Alguns reclamam do trabalho, da ansiedade e estresse disso. Outros me falam sobre o quanto é ruim estar num relacionamento abusivo e mesmo assim não conseguir sair dele. Muitos outros retratam traumas da infância que os imobilizam no passado, sem ter uma perspectiva de futuro.
Do que será que estamos falando? De depressão?
Não só de depressão, mas de uma angústia muito forte, um estresse advindo do imediatismo e uma ansiedade que nos coloca, enquanto nação, na liderança do ranking dos países, da América Latina, com mais gente vivendo ansiosa. Mas, nunca dá para generalizar o sofrimento de uma pessoa.
E a felicidade? Ela seria a ausência de sofrimentos ou seria a presença de prazeres imediatos? Como conceituar um sentimento que é subjetivo a cada indivíduo? Se você for perguntar para um serial killer sobre o que é felicidade para ele, muito provavelmente ele vai dizer ser matar pessoas… O que é um prazer momentâneo para ele.
O que seria então esse estado de graça, essa busca incessante por uma parte que lhes falta?
No livro Mal-estar na Civilização, Freud nos diz que: “Aquilo que chamamos de ‘felicidade’ no sentido mais estrito, vem da satisfação repentina de necessidades altamente represadas, e por sua natureza é possível apenas como fenômeno episódico […] Logo, nossas possibilidades de felicidade são restringidas por nossa constituição […] assim como também o princípio do prazer se converteu no mais modesto princípio da realidade, sob a influência do mundo externo.”
Enquanto seres simbólicos que somos, de representação psíquica, estamos sempre construindo uma relação, o laço social. A busca de satisfação terá como meta o desejo, que buscará sempre alguma causa primeira. No indivíduo neurótico, haverá sempre o jogo entre o princípio do prazer e o princípio da realidade, sendo assim, o sujeito precisa encontrar saídas para os seus conflitos. Pode ser que no meio dessa jornada, essa pessoa sinta um mal-estar tão grande, que vai precisar de análise, por exemplo. Outras pessoas vão conviver muito bem com suas questões.
Então, o sujeito acaba descobrindo formas de lidar com essa falta e com esse jogo entre o princípio do prazer e o princípio da realidade, sublimando seus conflitos. Na relação com a arte, por exemplo, com música, escrita, fotografia, pintura, etc.
A felicidade não é ausência de sofrimento, mas sim a forma que se sustenta esse sofrimento, em busca de prazer. Portanto, o sofrimento precisa existir para haver a busca pelo prazer momentâneo, a felicidade.
A questão é que existe um imediatismo por felicidade vem da mídia e de seus produtos, atualmente. Somos constantemente bombardeados pelo ideal de família nuclear burguesa, de uma sociedade patriarcal, a felicidade pode ser entendida por ter muito dinheiro, uma casa grande, de muitos andares, um emprego maravilhoso, que pague bem, ter uma família com muitos filhos, viajar para o exterior, fazer intercâmbio, entre outros exemplos.
A questão é: esse modelo ideal de felicidade vem de você ou vem do que você consome nos mais derivados meios de comunicação? Será que você está sendo atingindo por um certo feed de uma atriz linda, sorridente, apresentando os melhores produtos do mercado? Isso seria felicidade para você? Pode ser que seja… E se for genuíno, que ótimo! A questão é que ainda, sim, os números de suicídio crescem, de ansiedade e estresse também aumentam. E tudo se repete, como num círculo vicioso em busca de uma felicidade idealizada.
O Brasil está vivendo uma espécie de 2ª pandemia, com uma multidão sofrendo com transtornos psíquicos, entre eles a depressão e a ansiedade. Segundo o Datasus, os suicídios sobem sem parar e estão matando mais que acidente de moto. Os motivos: pobreza, desigualdade, exposição a situações violentas e ineficiência de planos de prevenção, segundo a OMS, Organização Mundial de Saúde. Ou seja, todos enlaçados na sociedade.
Infelizmente, a saúde mental ainda é tida como besteira, para grande parcela da população. No sul do país, por exemplo, onde tem mais casos de suicídios, a situação é atrelada a uma cultura herdada da colonização alemã, que sente dificuldades de entender que cuidar da mente importa.
Não é ausência de sofrimento que causa a felicidade, mas sim como lida com suas questões angustiantes, tristes e estressantes. O ser humano vive em movimento e isso é bom. Se duvidar você já é feliz e não sabe! Não se trata de um estado de graça que nunca vai acabar, mas sim de momentos de prazer, oriundos na busca de satisfação.
Buscar ajuda em análise ou terapia é um passo para entender o que vem causando conflitos, situações difíceis e angústias, até para que se possa entender, enquanto sujeito subjetivo, o que lhe faz feliz. A fala traz para o real tudo aquilo que um indivíduo esconde de si mesmo, portanto, é essencial buscar um psicanalista como opção segura para falar sobre traumas, a vida em geral.
Ensinaram-nos buscar a felicidade a qualquer custo e não dar passagem para a tristeza ganhar vasão quando chega em nossas vidas. Aceitar que a vida tem momentos tristes e felizes é um primeiro passo para reparar nos momentos bons também, pois tendenciamos a valorizar somente o que nos acontece de mau.
E o que nos acontece de bom? Esquecemos rápido né?! Pois é… que possamos valorizar todos os momentos de nossas vidas