Por Cecília Moraes Santostaso – Quando eu era criança, os passeios ao centro da cidade de São Paulo eram um acontecimento familiar. Nessas ocasiões, era comum visitas às Lojas Americanas, normalmente para um lanche rápido, um sorvete ou um suco de uva de máquina.
Nos últimos dias, no entanto, as notícias sobre as Lojas Americanas surpreenderam o mercado e não têm relação com essas minhas lembranças ou com os itens que eram consumidos à época.
No dia 12 de janeiro, o Diretor Presidente, Sergio Rial, e o Diretor de Relações com Investidores, André Covre, das Lojas Americanas, fizeram um comunicado de fato relevante ao mercado (emitido no dia anterior). O documento dizia que haviam sido detectadas inconsistências em lançamentos contábeis redutores da conta de fornecedores em vários exercícios, incluindo 2022. Eles estimaram tais inconsistências em aproximadamente R$ 20 bilhões, mas não detalharam o efeito no resultado, no patrimônio líquido ou eventualmente no caixa da companhia.
O efeito no mercado foi imediato: as ações das Lojas Americanas caíram de R$12,00 a, aproximadamente, R$ 2,00, em 17/01, dia em que escrevo este texto. Além disso, as perdas foram sentidas nas cotas de fundos que investem não só nas ações da companhia, mas também em seus títulos de dívida (debêntures, por exemplo) ou ainda, nos fundos imobiliários que têm a empresa como locatária. Claro, que a notícia afetou ainda os seus credores, em especial os vários bancos que têm operações com a companhia.
Nos dias subsequentes, vimos Lojas Americanas, através de Tutela de Urgência, ter deferidos os pedidos de suspender os efeitos das cláusulas contratuais que imponham vencimento antecipados de suas dívidas (em torno de R$ 40 bilhões) e suspender a exigibilidade de todas as suas obrigações relativas a instrumentos financeiros. Ou seja, por um período, as cobranças de suas dívidas ficam suspensas, inclusive o pagamento de juros das debêntures, por exemplo. Bancos credores contestam tal Tutela de Urgência, mas sem sucesso até o momento.
Tais acontecimentos têm gerado discussões acirradas entre os profissionais das áreas de finanças, contabilidade, auditoria, etc. Mas, afinal, o que aconteceu efetivamente com as Lojas Americanas? Uma comissão foi constituída pela companhia para averiguar.
Por enquanto, o que temos são somente dúvidas e perguntas. Houve fraude? Qual a responsabilidade da administração da empresa? Houve erro contábil? Lembro aqui que as demonstrações financeiras são da empresa e não do contador. Existem valores de despesas financeiras que diminuem o valor do lucro da empresa de vários períodos, inclusive 2022, que não foram contabilizados adequadamente? Existem dívidas não contabilizadas adequadamente? Existem entradas (compras) registradas de forma inadequada? A classificação dos valores a pagar a fornecedores deveriam constar como dívidas bancárias porque existiam operações de risco sacado? Nessas operações, o banco adianta o pagamento de fornecedores e as Lojas Americanas passariam a dever para o banco.
Indo mais adiante: qual a responsabilidade dos auditores independentes? Se eles não identificam TODAS as fraudes e TODOS os erros tempestivamente para que eles existem? Cabe aqui dizer, qual seria a solução proposta? Não auditar? Claro que não. A chancela dos auditores é importante para atestar que as demonstrações financeiras das entidades representam (ou não) de forma adequada aquele negócio. Qual a responsabilidade dos contadores? O Conselho Federal de Contabilidade já se manifestou sobre a fiscalização de tais eventos. Os bancos credores reconheciam suas próprias operações de crédito como adequadamente retratadas nas Demonstrações Financeiras das Lojas Americanas?
Concluindo, o que temos, além da resposta imediata do mercado às poucas informações disponibilizadas pela empresa, são muitas dúvidas sobre o que aconteceu e quais serão os desdobramentos dessa história. E, claro, esperamos uma resposta à altura da CVM, no sentido de proteção dos investidores minoritários
Cecília Moraes Santostaso
Professora do Programa de Pós-Graduação em Controladoria e Finanças Empresariais da Universidade Presbiteriana Mackenzie e sócia da Praesum Contabilidade Internacional