Em junho de 2022, reportagem da repórter Adriana Irion, de Zero Hora, mostrou que a prefeitura de Porto Alegre se preparava para pagar R$ 1,7 milhão a uma loja da rede Havan, com recursos do Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae).
A justificativa: a realização de “obra de utilidade pública e de grande importância para o escoamento das águas das chuvas”.
O dinheiro seria destinado ao plantio de mudas de árvores no entorno da loja, construída num centro comercial na zona norte da cidade, inaugurado em agosto de 2021. Seria aplicado no que chamam genericamente de mitigação de danos.
O plano da prefeitura, por acordo com a Havan, era inédito nessas circunstâncias. Transferir a uma empresa privada uma verba que geralmente é desembolsada pela própria empresa, para compensação de problemas ambientais decorrentes da própria obra ou para correção de algum aspecto urbanístico desse entorno.
Como a área de ‘escoamento de águas’ é do Dmae, o departamento estava liberando a dinheirama para a aquisição das mudas. O município pagaria uma empresa pela compensação que a empresa deveria bancar, como sempre acontece nesses casos.
O Ministério Público (MP) do Tribunal de Contas do Estado foi acionado pelo vereador Pedro Ruas (PSOL), e o TCE decidiu, ainda em junho, por liminar, que o pagamento não deveria ser feito.
O Dmae, então sob a direção de Alexandre Garcia, foi notificado, e a Procuradoria do Município informou que acataria a decisão, segundo o TCE. Uma auditoria do TCE, em setembro de 2022, recomendou a suspensão do pagamento.
Mas em janeiro de 2024, sob novo comando, de Maurício Loss, que substituiu Garcia, o Dmae informou, em recurso ao TCE, que pretendia cumprir o acordo com a Havan. Porque o novo gestor do departamento (Loss) não havia sido informado da suspensão do pagamento.
Mas o TCE contesta a alegação de desconhecimento, ressaltando (como está em entrevista a seguir), que o mesmo Loss havia informado que cumpriria a decisão.
O recurso tramita no TCE, mas o MP do tribunal já se manifestou de novo pela manutenção da suspensão do pagamento para a compra de mudas. Cada muda custaria R$ 100.
O que tudo isso significa? Que Luciano Hang, O autoproclamado véio da Havan, deve ter exigido o cumprimento do acordo município-empresa, para desembolso de R$ 1,7 milhão pela prefeitura.
Publico abaixo perguntas que encaminhei ao TCE, com as respostas na íntegra. Estamos diante da insistência da prefeitura em manter uma situação que, pela decisão do MP do TCE, pode configurar um escândalo.
O véio da Havan vai vencer o TCE e fazer com que a prefeitura pague a dinheirama para plantar mudas?
Compartilho, ao pé do texto, dois links sobre esse caso, e não acrescento a reportagem de Zero Hora porque é acessível apenas a assinantes.
Abaixo, na íntegra, as perguntas e as respostas encaminhadas pela área técnica do TCE:
Qual é a situação do caso do desembolso de R$ 1,7 milhão, pela prefeitura à loja da Havan, em instâncias do TCE?
TCE – O caso teve origem no Processo de Representação nº 021313-0200/22-5 (https://portal.tce.rs.gov.br/app/visdoc-angular/anonimo/open/PRE/1061720#id_arquivo=4400930). No julgamento deste, foi determinada a anulação do termo de compromisso assumido pelo DMAE, assim como abstenção de assumir qualquer ônus de atribuição do agente empreendedor.
Em decorrência da decisão original, o cumprimento desta pelo gestor à frente da autarquia em 2022 (Alexandre Garcia) foi analisada no documento 09099-299/23-1. No caso, a análise da Auditoria foi realizada na Informação 37/2023-SPA (Supervisão de Porto Alegre) e teve o encaminhamento de consideração nas contas ordinárias do gestor de 2022. Reportou-se, na ocasião, que não foi identificado o pagamento da quantia referente ao Termo de Compromisso, havendo inclusive manifestação da PGM (Procuradoria-Geral do Município) pela anulação do Termo e manifestação do gestor de 2023 (Maurício Loss) de que teria cumprido da decisão.
Ocorre que a decisão foi comunicada ao gestor do DMAE em 2022, sendo que o gestor de 2023 alega não ter sido notificado sobre a determinação de anulação feita no processo de origem (a Representação do Ministério Público de Contas-MPC). Com essa justificativa, houve a suspensão do trânsito em julgado da Representação e, em seguida, houve a interposição de recurso de embargos (1513-0200/24-5 https://portal.tce.rs.gov.br/app/visdoc-angular/anonimo/open/PRE/1395159#id_arquivo=5645846) em 12/01/2024 pelo novo gestor do DMAE, sendo requerido a manutenção do termo de compromisso assumido pelo DMAE. Na corrente data, 16/04/2024, o processo de embargos pende de julgamento, havendo, contudo, parecer do MPC pelo não provimento do recurso. Registra-se que o teor do documento 09099-299/23-1 passou a integrar também os autos do recurso de embargos por determinação da relatoria das contas ordinárias de 2022 do DMAE.
Importante o registro de que a manifestação do gestor de 2023, ao defender a manutenção do termo de compromisso, vai em sentido diverso ao afirmado à Auditoria de que teria havido o cumprimento da decisão (análise da Informação 37/2023-SPA).
O MP considerou, para eventual reversão de decisões, os argumentos do município? Alguma decisão do MP do TCE foi revisada em decorrência der acolhimento de argumentos do município? Quais?
TCE – Pela manifestação do MPC nos autos do Recurso de Embargos, assim como da instrução processual, não houve reversão no entendimento da decisão original por nenhuma dessas partes. No entanto, a matéria pende de julgamento, de modo que a decisão pode ainda trazer posicionamento diverso.
O TCE tomou a iniciativa de encaminhar esse caso ao conhecimento do MP criminal, no sentido de averiguar eventual indício de ilícito penal fora do alcance do MP do TCE?
TCE – Pela Auditoria, houve essa sugestão na Informação 37/2023-SPA, instruída no documento 09099-299/23-1, entranhado ao recurso de embargos (1513-0200/24-5).
Se a resposta for positiva, há acompanhamento do caso fora da esfera do TCE, no sentido da troca de informações que possam contribuir para o esclarecimento desse caso e a punição de eventuais responsáveis por delitos?
TCE – Pela área técnica, desconhece-se eventual colaboração ou atuação conjunta.
Pelos autos do processo de embargos, todavia, verifica-se a notícia da existência do processo 01304.001.464/2022 tramitando no Ministério Público Estadual envolvendo a matéria.
Se a reposta for negativa, se o TCE não encaminhou o caso a outras instâncias, solicito que tal decisão seja, se possível, explicada.
TCE – Essa resposta está fora da alçada de conhecimento do SPA, não obstante ser usual o encaminhamento apenas quando do trânsito em julgado do processo.
(Links de reportagens)