Realismo fantástico: de Edgar Rice Burroughs a Joseph Conrad, passando por Fernando Canto

Ray Cunha
A Casa Amarela - Capa

Outro dia passei no Sebo do Ed, na Quadra II do Setor Comercial Sul, e vi lá um velho volume de capa dura do Círculo do Livro de TARZAN, O MAGNÍFICO (1939), de Edgar Rice Burroughs. Comprei-o e já o li. Já o havia lido creio que há mais de meio século. Tarzan foi para mim como Harry Potter, de J. K. Rowlling, para a geração da minha filha, Iasmim, timoneiro em mares nunca dantes navegados.

Conheci Tarzan quando tinha uns quatro anos de idade, no quarto do meu irmão mais velho, Paulo Cunha, onde havia tudo quanto se possa imaginar de revistas e livros, e eu ficava horas, o que desse, folheando revistas como a Seleções Reader’s Digest e de quadrinhos, entre as quais Tarzan. Fascinado por aquele mundo que descobri no Quartinho, tinha urgência em decifrar as palavras que acompanhavam as fotografias e ilustrações, o que aprendi aos cinco anos, com ajuda da minha mãe, Marina Cunha.

Tarzan influiu tanto na minha vida que aos 12 anos queria ser aventureiro, explorador, biólogo, ou Jim das Selvas (Jungle Jim), que nasceu como tira de jornal, em 7 de janeiro de 1934, nos Estados Unidos, escrita por Don Moore e desenhada por Alex Raymond, e depois desenhada por John Mayo e Paul Norris, até 1954. Jim das Selvas era uma espécie de Tarzan mais refinado. Acabei ponto comida na mesa como jornalista, como Edgar Rice Burroughs, antes de se tornar best-seller. Burroughs era de Chicago, onde nasceu em 1 de setembro de 1875, e morreu em Los Angeles, em 19 de março de 1950, novo, aos 74 anos.

Papai, João Raimundo Cunha, era leitor inveterado, mas pensava que Tarzan fosse real, tal a força que tem essa personagem de ficção, puro realismo fantástico. Ele surgiu na imaginação de Burroughs na revista pulp All-Story Magazine, em 1912, e em livro, em 1914. Burroughs escreveu 26 títulos tendo Tarzan como protagonista.

Tarzan é uma das personagens de ficção mais inverossímeis e mais fascinantes de toda a literatura universal. Burroughs não entendia nada da África. Nunca fora lá, e a visão que se tinha do continente nos Estados Unidos na primeira metade do século XX era paupérrima, com poucas informações, de modo que o autor cria uma África especial para Tarzan, cheia de civilizações perdidas e fascinantes. Foram feitos vários filmes com Tarzan, mas o do cinema jamais chegou aos pés do literário, pois a ficção literária é a arte com maior número de recursos e tem o poder de criar personagens sofisticadíssimas. 

Um casal de aristocratas ingleses, na África, tem um filho, que fica órfão e é adotado por um gorila fêmea, na tradição mitológica de Rômulo e Remo, criados por lobos e que fundaram Roma. Os macacos chamam para a criança, que virá a se chamar John Clayton III, Lorde Greystoke, de Tarzan, que, na língua criada por Burroughs, significa “pele branca”. A educação que Tarzan recebe dos macacos traz duas vantagens: habilidades físicas superiores e comunicação com os animais.

Tarzan é alto, atlético, bronzeado, de olhos cinzentos, longos cabelos negros e traços bem feitos. Anda de tanga. É também ético e leal, absolutamente firme em suas decisões e generoso. Não tem medo de nada, mas é inteligente. E fica claro que sua inteligência, refinadíssima, só pode vir do mundo espiritual, pois ele é autodidata e fala inúmeras línguas. Sim, só pode ser isso.

Realismo mágico? Se algum crítico literário ler este artigo vai revirar os olhos. Mas vamos lá. O que é realismo mágico? Trata-se de uma corrente artística da primeira metade do século XX, também conhecida como realismo fantástico. Notam-se elementos dessa corrente em todos os povos. Mas como movimento artístico se desenvolveu nas décadas de 1960 e 1970, na Ibero-América, fazendo crer que o fantástico é real. Ou que o real é fantástico? Nele, a física é outra e os planos material e espiritual se comunicam. Os médiuns que gostam de literatura compreendem isso perfeitamente. A propósito, há também o realismo fantástico de Edgar Allan Poe.

Gabriel García Márquez e seu 100 Anos de Solidão são arquetípicos. No Brasil, destacam-se os baianos Jorge Amado e Dias Gomes. No Amapá, a região brasileira mais à boca da América Central e do Caribe, temos Fernando Canto. Também do Amapá, este escrevinhador publicou A CASA AMARELA. Em um dos quartos dessa casa, o Quartinho, escritores mortos como Ernest Hemingway e Antoine de Saint-Exupéry se reúnem para bater papo e beber, e uma seringueira tem reações humanas, sacudindo os galhos, sem vento algum, e vertendo látex, quando o herói da história é assassinado.

A expressão “realismo mágico”, ou maravilhoso, aparece pela primeira vez em 1925, pelo crítico de arte alemão Franz Roh, incorporada, em 1948, pelo venezuelano Arturo Uslar Pietri. O mágico é alemão; o maravilhoso, espanhol. O maravilhoso Mundo Novo. O Trópico – que os europeus jamais entenderam. O choque entre colonizadores ibéricos e o Novo Mundo, especialmente a Amazônia; no caso de Tarzan, entre colonizadores europeus e a África. O Coração das Trevas, de Joseph Conrad.

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Por Ray Cunha
Escritor, jornalista e terapeuta em Medicina Tradicional Chinesa.