Reforma Eleitoral

Diário Carioca
Reforma Eleitoral - Antonio Augusto/Ascom/TSE/Agência Brasil.

A reforma eleitoral é um assunto controverso e muitas vezes polarizado, pois as mudanças podem afetar diretamente os partidos políticos e os interesses dos políticos que já estão no poder. No entanto, muitas vezes é necessário reformar o sistema eleitoral para garantir a representatividade adequada dos eleitores e a manutenção da democracia.

Sei que o sistema eleitoral brasileiro precisa de profundas mudanças. Atrevo-me a dizer, correndo o risco do exagero, que talvez merecesse ser totalmente reescrito para os tempos atuais. Minha resumida lista de temas, não exaustivos, passa pelo voto distrital, extinção do Senado, redução de siglas partidárias, fim do parlamentar suplente, proibição de retorno ao cargo parlamentar se for galgado a cargo no executivo, limite de 3 mandatos consecutivos para exercício do mesmo cargo parlamentar, desligamento definitivo do cargo para funcionário público que deseja se candidatar e o fim do voto obrigatório. Mas, como o país vem conseguindo conviver com as regras democráticas atuais, apesar dos solavancos que têm abalado as suas instituições desde 2014, culminando com o evento de 8 de janeiro deste ano, mais prudente que se faça uma reforma paulatina.

Certas medidas são mais complicadas para serem implementadas. A mudança do regime presidencialista para o parlamentarismo, por exemplo, necessitaria um debate profundo. Mas outras medidas poderiam ter um tramite mais célere e gerariam avanços importantes na dinâmica eleitoral do país.

Sei que alguns estudos sociológicos defendem a obrigatoriedade do voto no estágio atual da nossa juvenil democracia, mas esta regra já está há muito ultrapassada, seja nos países desenvolvidos, ou no próprio Brasil. Aqui como no exterior as pessoas estão comparecendo as seções eleitorais mais por vontade, ou benefício próprio, do que por obrigação. A multa pelo não comparecimento não é elevada e sempre há a possibilidade de justificar sua ausência da cidade. O direito de escolher o parlamentar sucede ao direito de querer votar. A lei nos obriga a comparecer a urna de votação, mas permite anular o voto. É um contrassenso. Imagino que com o fim do voto obrigatório as enfadonhas companhas eleitorais seriam mais atraentes, pois primeiro se deverá convencer o eleitor a comparecer a urna e depois em quem votar.

A limitação de mandatos sucessivos, em três na minha proposta, também viria em boa hora. Se é fato que qualquer sistema exige tempo para amadurecer, também é fato que a bancada parlamentar precisa ser oxigenada de tempos em tempos. Novas cabeças e ideias precisam ser incorporadas ao cenário atual. Quanto mais tempo um parlamentar se apodera no cargo, mais raízes cria e mais acostumado às mazelas do sistema ele fica. Nas últimas eleições vários candidatos deixaram de ser reeleitos, o que poderia significar uma adaptação do eleitor a novos tempos. Na realidade, boa parte deste insucesso se deu a planejamentos malfeitos de campanhas e a traições partidária internas. É um ciclo vicioso. Quanto mais tempo alguém passa no exercício do mandato, com poderio de verba publica para atender as necessidades do seu eleitorado, mas fácil vai se tornando a sua reeleição. O sistema parece ter sido criado para tornar o exercício parlamentar cargo vitalício.

Outra medida saudável é a obrigação de desligamento definitivo do cargo público para se candidatar a determinada eleição. Juízes, promotores, procuradores, policiais etc. não podem, no exercício da função publica, serem candidatos a cargo parlamentar e se não eleitos retornarem a suas atividades anteriores. A quarentena não é suficiente, pois a natureza das funções é incompatível. Imagine policiais filmando as operações para fins de campanha, ou juízes decidindo querelas importantes, em função da maior aceitação do seu eleitorado. A função publica passa a ser uma alavanca eleitoral.

O voto distrital, sistema em que cada parlamentar representa um conjunto fixo de cidadãos, encoraja uma maior conexão com o eleitor e fortalece a responsabilização, a prestação de contas e a cobrança sobre o eleito. Além de uma campanha mais barata, dado que o candidato só precisa percorrer seu distrito eleitoral, este sistema aproxima o candidato do eleitor. O candidato com mais votos no seu distrito será eleito. Já no sistema atual, proporcional, pela sua natureza complexa de distribuição de votos privilegiando a formação de bases partidárias, em detrimento da contagem absoluta de votos pessoais, tende a dificultar o acompanhamento do resultado das eleições. O eleitor não tem clareza para quais candidatos o seu voto é computado e quem foram os eleitos.

Eleição pelo apelido também deveria ser aperfeiçoado. Um candidato sério precisa se apresentar pelo nome e sobrenome. Zé da pipoca, tiozão da esquina, Maria dos salgados não poderiam constar nas campanhas e nas urnas de votação. Mesmo que a pessoa querer associar na campanha seu nome ao apelido, o nome completo facilita ao eleitor pesquisar o seu candidato. As campanhas acabam virando alvo de chacotas e pouca atenção se dá para entender quem é o candidato e quais suas propostas.

Reeleição para cargos de presidente da república também deveria acabar. Fernando Henrique Cardoso acabou sucumbindo ao canto da sereia e trocou o mandato único de 5 anos por uma emenda constitucional que possibilitava a reeleição. Sabe-se que se arrependeu desta decisão. Os dados mostram o quão difícil é perder uma reeleição pelo uso desenfreado da máquina governamental em ano de eleição. Esta última, como vimos, passou de qualquer limite imaginável de gastos desenfreados com objetivo eleitoreiro. E nada impede que tenha aberto precedente perigoso para eleições futuras. Nos dois últimos anos de governo passa-se a governar no modo campanha, em detrimento do equilíbrio financeiro do país.

Outra questão irritante, para dizer o mínimo, se dá pela possibilidade de se largar mandato antes do seu fim para concorrer a cargos eletivos mais elevados. Usa-se a eleição de um cargo, prefeito, por exemplo, para em 2 anos largar o cargo e concorrer a outro de maior envergadura como o de governador. Perde-se o compromisso com a eleição originária para se focar na nova eleição, em benefício daquele que decidiu abdicar do cargo. Por que não estabelecer uma quarentena de 4 anos para aquele que abdica da função para o qual foi eleito?

Está claro que o país precisa se atualizar nas suas regras eleitorais. Se não há ambiente político maduro para uma ampla reforma, que se implementem medidas modernas a cada ano para aos poucos aperfeiçoar o sistema eleitoral. O que não se justifica é a inercia.


Maurício Ferro é advogado, formado pela PUC DO RIO DE JANEIRO, com mestrado e especializações realizadas em universidades como a London School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de trabalhos publicados nas áreas comercial e de mercado de capitais, e com atuação no Conselho de Administração de grandes empresas, fundamentou sua carreira jurídica e executiva com foco do Direito Empresarial

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