Saúde e desigualdades em Niterói (RJ): propaganda e realidade

Diário Carioca
Niteroienses relatam problemas frequentes na saúde pública do município - Foto: divulgação

a

Sabemos que alterações nos contextos econômico, social, político, ambiental, cultural e comportamental afetam as condições de saúde de populações e indivíduos. Por outro lado, as desigualdades na saúde geram igualmente desiguais possibilidades de usufruir a vida, bem como diferentes chances de exposição aos fatores que determinam a saúde e a doença, o adoecimento e a morte.

Em Niterói, apesar da propaganda oficial da prefeitura, a saúde pública não vai nada bem. E isso não ocorre por acaso. A cidade, embora possua o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado do Rio de Janeiro, elevada renda per capita, alta escolaridade e ampliada cobertura de planos de saúde (em torno de 50%) há décadas negligencia o planejamento estratégico nesta área, com importante impacto na qualidade de vida de seus cidadãos.

A precária infraestrutura das unidades de saúde, com falta de computadores, internet e manutenção, a crônica falta de medicamentos e materiais médico-hospitalares e a marcação de consulta nas policlínicas em dia específico, submetendo os cidadãos a grandes filas de madrugada na porta das unidades e a realidade indecente da precarização do trabalho, com mais de 2 mil trabalhadoras e trabalhadores em Recibo de Pagamento Autônomo (RPA).

Esta negligência produz forte impacto na saúde e reforça o cenário de desigualdade. 

A taxa de gravidez na adolescência de meninas pretas é quatro vezes a taxa das meninas brancas; 81% das notificações de sífilis na gestação com baixa escolaridade são de mulheres pretas e pardas. Quanto à taxa de detecção, entre pretas foi de 161,3, enquanto entre as brancas foi de 16,8; desde 2019 o predomínio de raça/cor dos óbitos maternos foi de mulheres pardas e pretas. Destaca-se que a hipertensão continua sendo uma das principais causas de morte, mas, em vez de ter investimento assertivo, o município anunciou salas de aleitamento materno nas unidades da Atenção Primária à Saúde (APS) como solução para o problema. 

Vale lembrar ainda que o Comitê de Prevenção de Morte na cidade não deu parecer até hoje sobre o óbito fetal ocorrido na maternidade
municipal no início deste ano. 

Em relação às internações, entre pessoas brancas as doenças do aparelho digestivo são os principais motivos; já entre as pardas são  lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas.  

As taxas de detecção de HIV e sífilis para a população autodeclarada preta são cinco vezes as taxas para a população branca; 75% dos casos notificados de tuberculose ocorreram em indivíduos entre 20 e 59 anos, com predomínio do sexo masculino e autodeclarados pretos e pardos; apenas 7,9% dos casos totais tinham educação superior completa.

No último quadrimestre analisado no ranking de indicadores da Atenção Primária do Ministério da Saúde (Previne Brasil), Niterói ficou na 76ª posição do estado do Rio e na posição 5.156 no Brasil.

As coberturas vacinais também estão aquém do adequado, muito pela ineficiência da Vigilância em Saúde da cidade, que ratifica diversas barreiras de acesso. A começar pelo horário de funcionamento das salas de vacina, que fecham às 16h e não abrem aos sábados. Não à toa a cobertura de poliomielite está em torno de 50% e de DTPa em gestante em torno de 30% apenas no município.

Como podemos ver nestes dados e no sofrido cotidiano do niteroiense que busca cuidado na rede municipal, a saúde de Niterói vai mal, mas não é de agora. Este padrão das últimas duas décadas de descaso e falta de planejamento do governo municipal produziu o esvaziamento do sistema, antes considerado referência nacional, que se tornou ineficiente e ineficaz, incapaz de combater as desigualdades e, muitas vezes, as reforçando.

É possível haver uma “Cidade inteligente” sem combater as iniquidades que afetam a saúde de seu povo? 

Para a superação deste cenário, é preciso se voltar para o diagnóstico baseado em dados e lançar mão de estratégias assertivas, que coloquem os cidadãos e cidadãs no centro das decisões das políticas públicas. Ou seja, é necessário que Niterói seja governada para o povo, a partir do povo, e pelo povo. É preciso superar a visão de saúde como gasto, reafirmando saúde como direito integrado ao projeto de desenvolvimento de nossa cidade.

Em Niterói é urgente organizar e implementar um planejamento que avance na constituição de um sistema de saúde que seja capaz de se alinhar às diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Para isso, é fundamental: reorganizar, qualificar e universalizar o Programa Médico de Família, revendo seu plano de carreira e garantindo ingresso por concurso público; ampliar a oferta de atenção especializada nas policlínicas regionais, com acesso oportuno a exames complementares (laboratoriais e de imagem), garantindo regulação integrada, informatizada e transparente; investimento na qualificação e na ampliação na rede de saúde mental, garantindo CAPS 24h e o fim das internações psiquiátricas de longa permanência; forte investimento em modernização, qualificação e ampliação da rede hospitalar municipal, adequando-a ao perfil de morbimortalidade da população, ampliando acesso a leitos de terapia intensiva e cirurgias.

Outras medidas importantes são a reestruturação da Fundação Municipal de Saúde, qualificando a gestão de serviços, com revisão da carreira e realização de amplo concurso público; a ampliação e qualificação das ações de vigilância em saúde em seus componentes de vigilância epidemiológica, ambiental, sanitária e de imunização, criando carreira específica; o investimento na resiliência do sistema municipal de saúde para enfrentar emergências sanitárias, ampliando sua capacidade de produzir e analisar informações de saúde; e organização de Planos Integrados de Resposta às Emergências Sanitárias.

Sendo assim, afirmamos que é possível a construção de um governo para além do marketing e que coloque no centro da política pública o cuidado e o desenvolvimento de seu povo, bem como o combate às desigualdades. 

*Talíria Petrone é deputada federal pelo Psol-RJ e pré-candidata a prefeita de Niterói.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa  a linha do editorial  do jornal DC – Diário Carioca.

Artigo publicado orginalmente no Brasil de Fato RJ

TAGGED:
Share This Article
Follow:
Equipe de jornalistas, colaboradores e estagiários do Jornal DC - Diário Carioca