Segundo turno: a eleição de Milei e o comércio com o Brasil

Fernando Ringel
Lula, Massa e Milei - Reprodução WEB - DC - Diário Carioca

A expectativa da extrema-direita era a vitória em primeiro turno, mas a decisão ficou para 19 de novembro. Era uma meta exigente, mas além do segundo lugar, a surpresa foi a liderança do atual ministro da Economia, Sergio Massa. 

Após o resultado oficial, os candidatos falaram para seus eleitores e ficou clara a diferença entre o público silencioso que ouviu Milei (29,98%), e a festa de quem comemora um gol no fim do jogo, para Massa (36,68%). 

Como a disputa não acabou, resta correr atrás dos votos dos candidatos derrotados. No caso de Massa, as opções óbvias são Juan Schiaretti (6,78%), governador de Córdoba, semelhante a Minas Gerais ou Rio de Janeiro, e Myriam Bregman (2,70%), esquerda na linha do PSOL. Com os dois, o peronista chega a 46,16%. 

A questão é que a terceira colocada, Patrícia Bullrich (23,83%), equivalente ao PSDB por aqui, é do grupo do ex-presidente Maurício Macri e declarou não apoiar Sergio Massa, acusando-o de ser parte do pior governo da história no país. A afirmação pode ser apenas um jogo de cena, afinal, um partido que não alcança a presidência pode conseguir ministérios, algo que, sendo da situação, Massa tem. 

Do outro lado, o que Milei pode oferecer para Bullrich se uma de suas promessas é exatamente diminuir o governo ao mínimo possível? Esses votos são vitais para o candidato de extrema-direita, mas como ele construiu os seus 29,98% atacando Bullrich, Massa e qualquer um que passasse pelo caminho, vai dialogar com quem? Aliás, se negociar com quem fez parte de outros governos, como vai manter o discurso antissistema? 

De acordo com o Clarin, maior jornal argentino, 74% dos eleitores foram às urnas, percentual maior do que registrado nas eleições primárias, quando Milei foi o vencedor. Para ele, talvez reste correr atrás dos votos nulos, brancos e ausentes.

Relações cortadas com o Vaticano? 

Dá-lhe meme e declarações aos berros, temperadas com um “carajo” aqui e ali, além de casos como o do economista Alberto Benegas Lynch, no encerramento da campanha de Milei, sugerindo cortar relações com o Vaticano porque o chefe da Igreja Católica seria… comunista. 

Enfim, tudo muito bom para ganhar espaço na mídia, chegando até em quem não se interessa pelo assunto, mas se até mesmo “Roma não foi feita em um dia”, quem tem muita pressa paga um preço por isso. No campo da política, os rivais sempre farão denúncias, e sendo sozinho, o único bom, “o que não se mistura”, como vai se defender? Como aprovar seus projetos? 

A tentativa para se diferenciar de todos o obriga a falar o que ninguém falaria e propor soluções que nem todos abraçam exatamente por serem impopulares. Pode ser um posicionamento pessoal como cidadão, mas como político, isso tem efeitos sobre a economia, sempre muito sensível. O New York Times, por exemplo, acusou o candidato de influenciar na queda acelerada da moeda local, ao defender a substituição do peso pelo dólar. Sendo assim, como manter o posicionamento e discurso após eleito, sem criar ainda mais problemas a um país cansado de crises? 

Para o economista liberal, Guy Sorman, autor de livros sobre a economia do Terceiro Mundo e ex-professor de Milei, “Se for eleito e tudo correr mal, vai correr mal porque ele é completamente louco, mas as pessoas dirão: ‘Isso era o liberalismo. Loucos destruindo ainda mais o país’.”

Pois é, nem tudo o que vai bem nas redes sociais é realmente viável: como um país em dificuldades suportaria remédios que tornariam a vida ainda mais dura para colher os frutos só no futuro? Esse é o sentimento por trás da vitória de Sergio Massa no primeiro turno. Apesar disso, além dos 30% de votos peronistas fieis, poucos realmente desejam esse resultado.

E o Brasil com isso?

Independente de quem seja o presidente por aqui, o Brasil tem interesse na recuperação da Argentina. Sendo o nosso terceiro maior parceiro econômico, quanto mais dinheiro eles tiverem, mais eles compram. Por isso, auxiliar os hermanos é também uma forma de expandir o mercado verde e amarelo. 

Nesse sentido, claramente o governo federal tem mais afinidade com Sergio Massa, que embora seja apontado aqui como candidato de esquerda, ele simplesmente não é privatista, ficando no limite com o centro.

Para Lula, seria mais fácil lidar com Massa, já que Milei defende o fim das relações comerciais com “comunistas”, seja a China, o segundo maior parceiro econômico deles, ou o Brasil. Pela manutenção do comércio com os vizinhos, a torcida do governo é pelos peronistas.

Todas essas perspectivas levam em conta a lógica, mas se a lógica fosse uma regra, como um candidato contra tudo e todos chegaria aonde Milei chegou? Já que a vida nem sempre faz sentido, fica a torcida do governo na terceira eleição mais importante para o Brasil: a primeira é a nossa, a segunda é a do presidente dos Estados Unidos e a terceira, a dos nossos hermanos.

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Fernando Ringel é Jornalista e mestre em comunicação