O filósofo inglês Thomas Hobbes, no século XVII, em sua teoria do contrato social, defende o uso da política como forma de evitar o Bellum omnium contra omnes, ou seja, uma guerra de todos contra todos, no seu aspecto mais primitivo. E a transição no Brasil adquiriu ares de uma guerra pela política.
Somos um país que tem uma transição entre governos federais institucionalizada, organizada, o que, em tese, garante menos solavancos na política e, consequentemente, na economia. Porém, no estágio atual da política nacional, os desafios vão além.
De um lado, assumindo o poder, temos uma coligação envolvendo dez partidos, entre eles alguns com fortes lideranças, como o PSB, de Geraldo Alckmin. Pela primeira vez depois da redemocratização temos um presidente com um vice com tamanha expressão política.
Nesse xadrez político, o PT apresenta correntes internas que podem trazer movimentos conflitantes. Especialmente quando se trata do reuso de figurinhas carimbadas e que já causaram sérios problemas ao partido. O PT tem sido um partido com uma política de disputa por cargos pouco flexível e já deu demonstrações de pouca generosidade nas negociações. Um exemplo disso tem sido os primeiros nomes indicados para os ministérios, sobretudo nos principais, como os da Fazenda e Planejamento, que talvez sejam recriados. Essa sede pelo poder pode frustrar partidos aliados e significar prejuízos nas necessárias relações com a Câmara dos Deputados e o Senado.
Muito se falou de que um dos grandes entraves para a transição no novo governo seriam as bancadas consideradas de tendência política à direita. De que teríamos um Congresso Nacional com posições ideológicas fortemente inclinadas à direita. Porém, é preciso considerar que apenas algo em torno de 25% dos deputados das bancadas, tanto à direita quanto à esquerda, são o que podemos chamar de ideológica. Os demais são fisiológicos e, geralmente, estão abertos à negociação com o partido no poder. E é desta relação que muitas vezes surgem as negociações pouco republicanas. São 32 partidos defendendo interesses diversos, mas que confluem em apenas um objetivo: poder.
Paralelamente, e não menos importante, há uma boa parcela da população que não aceita os resultados da eleição. Embora seja pequena, algo em torno de 20%, é o representativo suficiente para criar um clima de constante tensão, para não dizer até mesmo de violência, como nos protestos recentes.
Todo esse clima, como já analisava Hobbes há mais de 400 anos, necessita de um governo que seja forte, não no sentido autoritário, mas em suas concepções e propostas. Aqui está o desafio.
José Alves Trigo é professor de Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Análise do Discurso. Atuou como jornalista no Jornal Folha de S. Paulo e A Tribuna, de Santos