Herói grego e internacionalista que desafiou ocupação nazista morre aos 97 anos

Diário Carioca

Considerado um herói na Grécia e em outras partes do mundo por sua luta em defesa dos povos, Manolis Glezos faleceu, na última segunda-feira (30), aos 97 anos em um hospital em Atenas, por falência cardíaca. Um marco de sua trajetória política foi o ato de coragem que teve ao desafiar a ocupação nazista em seu país e escalar os muros da Acrópole para arrancar a suástica (símbolo do nazismo) e substituí-la pela bandeira grega. A ação ocorreu em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial.

O ato de Glezos foi o primeiro nitidamente de resistência aos nazistas, que ocuparam a Grécia entre 1941 e 1944. Em função de tal ação, foi condenado à morte, em julgamento à revelia. Foi preso diversas vezes até o momento que conquistou sua liberdade.

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Como homenagem ao líder popular grego, o Brasil de Fato publica um texto de Costas Isihos, membro do secretariado político e chefe do departamento de política externa do Syriza, coligação de esquerda da Grécia. 

Confira o texto abaixo:

Manolis não está mais conosco. Ele lutou a vida inteira, e até os últimos dias contra enfermidade que o abateu. Foi um rebelde a vida inteira, mas ainda muito jovem virou um símbolo por sua participação na resistência grega contra a ocupação nazista.

Um companheiro raro, um incansável lutador e um trabalhador das palavras, dedicou toda a sua vida às lutas do nosso povo grego e de outros povos. Conheceu os grandes nomes do século XX, como Fidel Castro, Che Guevara, Hugo Chávez, os líderes soviéticos, Mao Tsé-Tung, Pablo Picasso e uma lista interminável de políticos, intelectuais, artistas, escritores, artes.

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Foi agraciado com o Prêmio Lenin. Recebeu as principais honrarias de dezenas de países, universidade e instituições. Doutor honorário em universidades em cinco continentes. No Vietnã, França, Nicarágua, Argentina, Chile, África do Sul. Dezenas de universidades lhe concederam um doutorado honoris causa em Geologia. Nos anos de exílio e isolamento, leu e escreveu inúmeros artigos sobre a ciência da geologia.

Tornou-se cidadão oficial do Polisario, no Saara Ocidental, encontrando líderes da Europa, África, Ásia, América Central e América Latina. Sua jornada é cheia de experiências que poucas pessoas puderam a vivenciar.

Aqueles de nós que o conheceram sabem de seu caráter acessível a todos. Um rebelde em tempos de opressão, irredutível na defesa do ideal socialista, daqueles que não se ajoelharam, que não se renderam, que tinham a aparência limpa, um coração aberto, quente e forte, e ideias claras como o céu de Apirathos, sua terra natal.

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Um breve resumo

Manolis Glezos é um herói grego da resistência antinazista e político, com uma jornada de vida pública que remonta aos anos da ditadura de Metaxas até os dias atuais. Na noite de 30 de maio a 31 de maio de 1941, com o companheiro Apostolo Santa, ele baixou a bandeira nazista com a suástica hasteada na Acrópole, ganhando admiração mundial. Uma figura de destaque na esquerda, foi perseguido repetidamente por sua atividade política e permaneceu prisioneiro (prisão e exílio) por 16 anos ao longo de sua vida.

Manolis Glezos nasceu em Apeiranthos (em Aphrathos, de acordo com a população local), em Naxos, em 9 de setembro de 1922. Seu pai, Nikolaos Glezos (1892-1924), era funcionário público e jornalista, e sua mãe, Andromachi Nafpliotu (1894-1967), era de Paros. Ele passou a infância em sua aldeia, onde terminou a escola primária. Em 1935, foi para Atenas com sua família onde completou seus estudos no ensino médio enquanto trabalhava como farmacêutico. Em 1940, chegou à Universidade de Economia e Negócios de Atenas.

Como estudante, ainda no ensino médio, formou um grupo antifascista, em 1939, voltado à libertação do arquipélago do Dodecaneso dos italianos e derrubar a ditadura de Metaxas. Assim que a guerra greco-italiana eclodiu, em 28 de outubro de 1940, se candidatou como voluntário, mas não foi aceito, por ser menor de idade. Trabalhou, no entanto, como voluntário no Ministério das Finanças na função de coletor de fundos.

Durante o período de ocupação nazista (1941-1944), desenvolveu intensa ação de libertação nas fileiras das organizações da Liga da Juventude Comunista Grega (OKNE), da Liga Jovem da Frente de Libertação Nacional (EAM) e da Organização Jovem da União Pan-Helênica (EPON), resultando em prisão e perseguição.

Na noite de 30 de maio a 31 de maio de 1941, ele e seu camarada Apostolo Santa baixaram a bandeira nazista hasteada na Acrópole e foram sentenciados à morte, à revelia. Em 24 de março de 1942, ele foi preso junto a Apostolo Santa pelas tropas alemãs, por um mês, nas prisões de Averoff, onde foi torturado desumanamente, resultando em tuberculose grave. Em 21 de abril de 1943, foi preso pelas tropas italianas de ocupação e permaneceu na prisão por outros três meses. Em 7 de fevereiro de 1944, foi preso novamente por aliados das autoridades de ocupação e permaneceu na prisão por sete meses e meio, de onde escapou em 21 de setembro de 1944. Durante a ocupação, trabalhou como oficial na Cruz Vermelha Grega (1941-1943) e no Município de Atenas (1943-1945).

Após sua libertação, trabalhou para o jornal Rizospastis como escritor e, de 10 de agosto de 1947 até seu fechamento, tornou-se editor, editor-chefe e diretor. Em 3 de março de 1948, foi preso e levado a um total de 28 julgamentos por crimes de imprensa. Foi condenado a várias penas, incluindo uma pena de morte em outubro de 1948. Em 21 de março de 1949, foi condenado pela terceira vez à morte, por crime contra a Segurança do Estado. As sentenças de morte só não foram executadas por intensos protestos da opinião pública grega e internacional. Em 1950, as sentenças de morte foram convertidas em prisão perpétua e finalmente, em 16 de julho de 1954, ele foi libertado.

Nas eleições de 9 de setembro de 1951, embora preso, Manolis foi eleito deputado de Atenas pela Esquerda Democrática Unida. Ele então entrou em greve de fome exigindo a libertação dos dez membros eleitos da Esquerda Democrática Unida que estavam no exílio e na prisão. Parou a greve de fome no 12º dia, quando sete membros exilados foram trazidos de volta.

Após sua libertação, foi eleito membro do Comitê Diretor da Esquerda Democrática Unida e assumiu o cargo de secretário da organização. Em dezembro de 1956, assumiu a direção do jornal “Dawn”. Em 5 de dezembro de 1958, foi preso sob acusação de espionagem e condenado. Foi libertado em 15 de dezembro de 1962, após fortes reações da opinião pública grega e internacional. Nas eleições de 29 de outubro de 1961, foi eleito para a Câmara dos Deputados de Atenas, apesar de estar na prisão. Manolis Glezos recebeu o Prêmio Internacional da Paz de Lenin, em 1962, pela URSS. Charles de Gaulle, na época dos primeiros infortúnios de Glezos contra o judiciário, o descreveu como “o partisan número um da Europa”. Seu reconhecimento não conhecia fronteiras políticas entre amigos e oponentes políticos.

Imediatamente após o golpe militar de 21 de abril, ele foi preso juntamente com outros líderes políticos e detido em Goudi, Pikermi, Segurança Geral, Guar, Virgini Leros e, finalmente, Oropos, onde foi libertado em 1971. Ele foi condenado 28 vezes por sua atividade política, dentre as quais três vezes à morte e permaneceu na prisão por 11 anos e 5 meses e depois por mais 4 anos e seis meses. Ou seja, permaneceu prisioneiro (prisão e exílio) por 16 anos ao longo de sua vida.

Após o período conhecido com a Transição, trabalhou na reconstrução da Esquerda Democrática Unida, na qual atuou como secretário até 1985 e presidente de 1985 a 1989. Ele também trabalhou com o PASOK (Movimento Socialista Pan-Helênico) em três concursos eleitorais. Em 1981, foi eleito membro do Parlamento de Atenas, 1984 membro do Parlamento Europeu e 1985 membro do Parlamento do Pireu.

Nas eleições municipais e comunitárias de 1986, foi eleito prefeito de Apeiranthos, a cidade em que nasceu, e introduziu a instituição da democracia direta na tomada de decisões e na execução. Nas eleições municipais de 2002, liderou a coalizão “Cidadãos Ativos” da prefeitura ampliada de Atenas-Pireu, apoiada pela Coalizão e eleito conselheiro distrital, com sua frente vencendo 11% dos votos. Nas eleições municipais de 2010, como conselheiro municipal de Paros foi eleito para liderar o movimento “Movimento de Cidadãos Ativos”.

Voltou ao cenário político dominante em 2012, quando foi eleito para a eleição estadual pelo SYRIZA nas eleições duplas de 6 de maio e 17 de junho. Com o mesmo partido, elegeu-se para o Parlamento Europeu em 25 de maio de 2014 denunciando a questão das compensações de guerra devida pelos alemães para Europa e o mundo.

Teve como sua ultima participação nas eleições, em setembro de 2015, como primeira opção na lista de candidatos, pelo Partido Unidade Popular.

Até o fim, ele escreveu, conversou, discutiu, aconselhou amigos e camaradas. Alguns dias antes, havia recebido o embaixador da Federação Russa em Atenas, Andrei Maslov, que lhe entregou a maior medalha de heroísmo da Rússia por sua contribuição na batalha antifascista, em 9 de maio, por ocasião da celebração do 75º aniversário da vitória contra o nazismo.

Obrigado Manolis por nos aceitar como companheiros de viagem na bela jornada de sua vida na luta pela liberdade, progresso social e socialismo!

*Tradução da carta de Costas Isihos por Rodrigo do Val Ferreira e Anna Merko.

Edição: Vivian Fernandes


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