Na próxima semana, a Escola As Pensadoras promove o curso “O que é Feminismo Decolonial?”, com a professora e doutora Susana de Castro Amaral Vieira. As aulas acontecerão nos dias 5, 6, 12, 13, 19 e 20 de maio, totalmente virtuais. O debate abordará a perspectiva de feminismo centrado na análise da situação americana, colonizada por diversos países europeus, com forte peso do colonialismo hispânico e português.
Você já se questionou ou parou para pensar por que estudamos e temos tanta referência sobre a história norte-americana e europeia? Também já refletiu por que tão pouco é falado sobre as culturas dos povos que viviam aqui na América Latina muito antes dela ser “descoberta”? Esse é o ponto de partida do feminismo decolonial, falar das mulheres e das histórias delas que viviam e vivem na parte sul do planeta.
:: Mulheres atentas e fortes: para que um outro Brasil seja possível ::
O feminismo nasceu como um movimento europeu-americano de libertação das mulheres da opressão patriarcal. Sua primeira onda foi provocada por mulheres brancas e de classe média, sendo assim um feminismo branco, eurocêntrico e norte-americano que não levava em consideração as particularidades de outras mulheres, como por exemplo, das negras, das classes trabalhadoras e das mulheres de países colonizados.
É assim que surgiu no início dos anos 2000, falado pela primeira vez pela pesquisadora feminista Maria Lugones, o termo Feminismo Decolonial, criticando a falta de interseccionalidade do feminismo, que levava em consideração apenas um tipo de mulher. O patriarcado não oprime todas as mulheres da mesma forma, raça, sexualidade e classe são forma de opressões que agravam as condições de outras mulheres, principalmente as de países colonizados.
:: Mulheres são as mais impactadas pelas desigualdades na América Latina ::
O feminismo decolonial também se contrapõe ao feminismo liberal, que não reflete sobre as condições dos trabalhadores. Ele expõe ainda as interseccionalidade vivida por outras mulheres, que são atingidas por outras opressões, associando-se com a quarta onda do feminismo.
Apesar de criticar o feminismo eurocêntrico, o FD é bem recebido por feministas e pesquisadoras europeias, que reconhecem a importância de debater sobre a decolonialidade e a colonialidade. Como conta a professora Susana de Castro Amaral Vieira. Para ela, o debate sobre o tema é essencial para avançarmos no combate as desigualdades de gênero. “Somente uma corrente feminista comprometida com o avanço de todas as lutas sociais pode efetivamente impactar na mudança social necessária para o fim da violência de gênero”, afirma a professora.
O curso buscará denunciar o modo particular em que o ocidentalismo e o colonialismo se impuseram na América do Sul e do Norte. Abordando como exemplos a marginalidade dos povos originários, escravidão dos africanos e surgimento de intelectualidades fincadas na diferença colonial. Desde este ponto de vista, o feminismo decolonial busca uma forma de recuperar o silenciamento e esquecimento que sofreram os saberes, epistemologias e cosmopercepções não ocidentais, recuperar as vozes e lutas não hegemônicas.
Valores
Os valores do curso são de R$ 85 para estudantes e R$ 130 para profissionais. As aulas são online pela plataforma Google Meet e acontecerão as sextas-feiras à noite e nos sábados pela manhã. Todos os participantes recebem certificação de 20h pela Escola As Pensadoras.
É possível acompanhar as aulas ao vivo, de forma síncrona, ou as gravações, de forma assíncrona, por até 12 meses, período em que as aulas ficam disponível após o fim do curso. Este curso faz parte do Aperfeiçoamento em Feminismos – 3º Ano. Para mais informações, acesse o site da Escola As Pensadoras.
Sobre a Ministrante
A ministrante das aulas, a professora Susana de Castro Amaral Vieira é pós-doutora em Filosofia pela CUNY Graduate Center, dos Estados Unidos, doutora na mesma temática pela Ludwig Maximilian Universität München. Sua graduação e mestrado foram também em Filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde é professora titular do Departamento de Filosofia e do Programa em Pós-graduação em Filosofia.
Parte de sua experiência e pesquisa na área é sobre estudos de gênero. Além de coordenar o laboratório Antígona de Filosofia e Gênero é autora dos livros Filosofia e Gênero (2014), Ontologia (2008) e As mulheres das tragédias gregas: poderosas? (2011).
Confira abaixo uma entrevista com a professora Susana, com mais detalhes e informações sobre o feminismo decolonial:
Brasil de Fato RS – O que é feminismo decolonial?
Dra. Susana de Castro Amaral Vieira – Feminismo Decolonial (FD) é uma corrente do feminismo que acredita que a luta feminista é interseccional, portanto, uma luta contra todas as formas de opressão, de gênero, raça e classe. O FD entende que as raízes do patriarcalismo devem ser buscadas na origem do capitalismo e da dominação colonial nas Américas.
BdF RS – Qual a proposta e objetivo do feminismo decolonial?
Susana – O feminismo decolonial envolve mulheres de diversas regiões da América Latina e Caribe, todas querem que o relato de suas experiências seja escutado e discutido. O objetivo, portanto, é tornar público o debate sobre as condições históricas do nosso assujeitamento em todas as áreas, e assim pensar outras formas de luta e convivência, que sejam verdadeiramente emancipatórias.
BdF RS – Quem foram as primeiras feministas decoloniais?
Susana – A Gloria Anzaldúa, María Lugones, Yuderkys Espinoza; acredito que as reflexões de Lélia González, no Brasil, também a coloque no patamar de feminista decolonial.
BdF RS – Quando surgiu o termo? Quem criou?
Susana – Surgiu no início dos anos 2000 e quem o utilizou pela primeira vez, que eu saiba, foi María Lugones.
BdF RS – Quais países se destacam na pesquisa?
Susana – Argentina, Brasil, República Dominicana, Colômbia, México e Bolívia.
BdF RS – Importância do feminismo decolonial nos dias de hoje
Susana – O feminismo liberal por não refletir nas condições de exploração do trabalhador (a) e por não refletir sobre as opressões culturais e de raça teve muito pouco impacto na vida das mulheres trabalhadoras dos países latino-americanas. Nossos países são marcados por desigualdades estruturais. Assim, somente uma corrente feminista comprometida com o avanço de todas as lutas sociais pode efetivamente impactar na mudança social necessária para o fim da violência de gênero.
BdF RS – Quais questionamentos o feminismo decolonial trouxe?
Susana – Trouxe vários, eu destacaria dois: a reflexão sobre os limites do modelo oposicional de colocar as questões políticas (opressor versus oprimido) e a reflexão sobre a divisão de gênero como uma estrutura de dominação colonial.
BdF RS – Quais as reivindicações do feminismo decolonial?
Susana – Fim da violência de gênero, valorização das experiências das mulheres do sul global, aproximação do feminismo com os movimentos sociais, fim da exploração econômica das mulheres
BdF RS – O feminismo decolonial tem conseguido ser ouvido, ocupar espaços?
Susana – Parece-me que pouco a pouco o tema tem ocupado as discussões dos grupos feministas, mas evidentemente ele está longe de ter o destaque que mereceria.
BdF RS – Qual a recepção por parte das feministas europeias?
Susana – Ainda que divergindo de alguns aspectos do FD, as feministas materialistas francesas recepcionam muito bem o feminismo decolonial. E há na Europa de maneira geral um interesse crescente em discutir a decolonialidade e a colonialidade.
BdF RS – O que você irá apresentar nas suas aulas?
Susana – Vou começar apresentando a noção não biológica de mestiçagem de Gloria Anzaldúa. Trabalharei também com a noção de ‘el mundo al revés’ de Silvia Cusicanqui, e finalmente a importância da história afro-indígena no Brasil, a partir da obra de Manuela Carneiro da Cunha e Lélia González.
BdF RS – Qual a tendência dele para o futuro?
Susana – O feminismo decolonial não é moda. A reflexão proporcionada pelo FD incide sobre inúmeros aspectos da vida acadêmica, artística e política. Só para dar um exemplo, Gloria Anzaldúa propõe uma epistemologia da divergência que faça um contraponto a epistemologia corrente de caráter convergente. A primeira inclui diversas modalidades de saberes e crenças, a segunda exclui tudo o que não faz parte da metodologia racionalista ocidental. Além disso, propõe que a ambiguidade não seja banida dos trabalhos acadêmicos e que sejamos mais abertos ao inesperado.
:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira