No Maranhão, movimentos sociais, organizações de direitos humanos e da igreja católica apresentaram uma proposta popular de Lei de Terras ao governador Flávio Dino (PCdoB), no dia 5 de abril.
A Lei de Terras é um instrumento nacional que garante a posse sobre a propriedade privada. A legislação foi criada em 1850, junto da promulgação do fim do tráfico negreiro no país, por fazendeiros e latifundiários que buscavam impedir que negros pudessem também se tornar donos de terras.
Se por um lado, a Lei garante o direito de terras das comunidades e povos tradicionais, por outro lado sofre interferências que facilitam a grilagem e posse ilegal por latifundiários e multinacionais.
O Maranhão irá rediscutir a legislação a nível estadual. A proposta apresentada pelos movimentos sociais é um contraponto ao texto base apresentado pelo Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma), órgão responsável pela formulação e execução da política fundiária do estado, em agosto de 2020.
Jonas Borges, um dos coordenadores estaduais do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), explica que a contraproposta foi elaborada considerando os riscos e pressões que as comunidades tradicionais sofrem por representantes dos interesses do agronegócio no estado.
“A proposta do Iterma representa interesses do agronegócio do Maranhão. Por isso, as organizações entenderam a necessidade de se articular. Nos organizamos desde dezembro do ano passado, discutimos uma contraproposta para dialogar com o governo do estado e com o legislativo. Uma proposta de lei de terras em que pudessem estar contemplados os interesses dos trabalhadores do campo e da cidade”.
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Para Ângela Silva, presidenta da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Maranhão (FETAEMA), o modelo de construção coletivo da proposta é pioneiro no Brasil e pode ser um marco histórico para o Maranhão.
“A proposta popular de Lei de Terras visa garantir o acesso à terra de forma prioritária aos povos e comunidades tradicionais do Maranhão”, afirma.
Ângela Silva explica que a lei propõe mecanismos de proteção e preservação dos biomas, cria procedimentos de regularização de comunidades quilombolas, das quebradeiras de coco babaçu, dos territórios indígenas, entre outras áreas.
Além disso, o texto apresentado pelos movimentos estabelece mecanismos de combate à grilagem de terra e de conflitos agrários no Maranhão, estado com o maior índice de violência no campo do país, ao lado do Pará.
“Os conflitos agrários se intensificaram nas últimas décadas em razão da expansão da fronteira agrícola para a Amazônia e Cerrado, que tem sido palco de assassinatos de lideranças rurais e indígenas”, explica Silva.
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Outro item importante proposto é um mecanismo de transparência quanto à destinação das terras, que teria viabilidade por meio da criação de um Conselho Estadual da Terra, onde os movimentos do campo e da cidade possam participar ativamente.
Resistência
A proposta também visa garantir moradia a comunidades que sofrem com ações de despejo a favor de grandes empreendimentos que passaram a se instalar no Maranhão.
Um dos casos de grande repercussão foi o despejo e ameaças aos moradores da comunidade do Cajueiro, no zona rural de São Luís, capital do estado.
A área total tem aproximadamente 600 hectares, e cerca de 200 são reivindicados pela iniciativa privada para dar espaço a um megaempreendimento portuário chinês.
A coordenadora geral do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Maria Alaídes, assentada rural no interior do Maranhão, reforça que além de segurança, a aprovação da proposta garantiria qualidade de vida e o uso sustentável da terra.
“Com essa lei, nós queremos produzir, resistir, continuar. Ela prevê o reconhecimento dos territórios tradicionais, com titularização coletiva”.
A partir da entrega de proposta popular para a Lei de Terras, os movimentos seguem em diálogo com o governo do estado para definir o texto base, que será votado pelo Legislativo.
O Secretário de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP), Francisco Gonçalves, explica que as propostas dos movimentos serão levadas em consideração, e que não haverá retirada de direitos.
“Os movimentos rurais apresentaram ao governo do estado, como parte desse diálogo e consulta, uma proposta popular da lei de terras que está sendo estudada e discutida, como deve ser. Nenhuma mudança será feita para excluir direitos. Toda mudança deve ser feita no sentido de garantir terra, trabalho e comida na mesa”, pontua Gonçalves.