Sesc transforma Palácio Quitandinha em centro cultural

Diário Carioca

Inaugurado na década de 1940 para ser um hotel-cassino suntuoso, o Palácio Quitandinha, em Petrópolis, passa a abrigar a partir deste sábado (15) o Centro Cultural Sesc Quitandinha em seu térreo, com exposições e atividades culturais gratuitas para a população da cidade e. turistas

Exposição Um Oceano para Lavar as Mãosno Centro Cultural Sesc Quitandinha – Tomaz Silva/Agência Brasil

Com uma arquitetura marcada pela monumentalidade, o prédio é um icônico ponto turístico da cidade serrana, com fachada em estilo normando-francês, e o interior decorado com base em cenários da Hollywood antiga. O jardim do palácio, que conta com lago e amplo gramado, é um ponto tradicional de visitação e lazer para quem está na região.

Em uma cidade que costuma ser resumida a seu passado imperial e imigração europeia, o Sesc programa uma exposição de longa duração que propõe uma revisão da história do país e de Petrópolis. Doze artistas e dois curadores, cada um a sua maneira, abordam as relações atlânticas entre Brasil e África, o período das navegações e o sofrimento causado pelo tráfico de africanos escravizados.

O curador Marcelo Campos destaca que os artistas buscam reler a história de Petrópolis – Tomaz Silva/Agência Brasil

O título Um Oceano para Lavar as Mãos o convidar o público a pensar na diáspora negra causada pela escravidão, e o objetivo dos também artistas é reler a história de Petrópolis, cidade que antes de receber imigrantes alemães já era território de resistência quilombola. O próprio nome Quitandinha, lembra o curador Marcelo Campos, vem da palavra quitanda, que é de origem africana.

“Fazer cultura e arte no Brasil não pode nunca estar dissociado do elemento da responsabilidade social. Isso, para nós, é fundamental, para ter um espaço com uma horizontalidade que nem sempre aconteceu e trazer artistas negros, negras e negras para esse palácio em que sempre estivemos, mas talvez ocupássemos áreas invisibilizadas. Isso faz com que a gente entenda cultura e arte como lugar de responsabilidade em que a gente não pode mais recuar.”

Fazem parte da exposição 40 obras dos artistas Aline Motta, Arjan Martins, Ayrson Heráclito, Azizi Cypriano, Cipriano, Juliana dos Santos, Lidia Lisbôa, Moisés Patrício, Nádia Taquary, Rosana Paulino, Thiago Costa e Tiago Sant’ana.

Curadores e artistas da exposição Um Oceano para Lavar as Mãos – Tomaz Silva/Agência Brasil

Idealizador do Museu de Memória Negra de Petrópolis e coordenador de Promoção da Igualdade Racial da cidade, Filipe Graciano assina a curadoria da exposição com Marcelo Campos e conta que o oceano é o lugar do trauma da diáspora, mas também é lugar em que se banha buscando uma cura.

Filipe Graciano assina a curadoria da exposição junto com Marcelo Campos – Tomaz Silva/Agência Brasil

“A cura está no processo de reencontro com esse outro atlântico que é negro”, conta ele. “Falar da história de Petropólis necessariamente é se aproximar de um passado diaspórico que invisibiliza essas presenças negras. A gente reivindica essas memórias e essas presenças negras que se deram e se davam no presente. colonos [europeus], só que, antes, há 166 anos em que Petrópolis se fez pela mão de obra e intelectualidade africana. Essa exposição pensa e reinvidica o que foi feito por essas mãos que fizeram não só Petropólis, mas também o Brasil.”

Como parte dessa memória, a cidade ainda conservada o Quilombo da Tapera, no Vale das Videiras, reconhecida pela Fundação Palmares em 2011. Há registro também de outras comunidades quilombolas que existiriam em Petrópolis, como o Quilombo Manoel Congo, o Quilombo Maria Comprida e o Quilombo da Vargem Grande.

Um dos artistas convidados é Ayrson Heráclito que propõe com seu trabalho um “sacudimento”, um ritual de limpeza registrado em foto e vídeo para exorcizar as energias de dois portos vítimas do tráfico de africanos escravizados, a Casa da Torre, em Salvador, e a Casa dos Escravos, na Ilha de Goré, no Senegal.

“Trazer esse ritual para um palácio que, de certa forma, restringiu durante muito tempo a existência e a visibilidade da população negra em cargas de subserviência é muito importante, porque é uma forma de limpar. A gente precisa limpar esses fantasmas coloniais, porque limpando a gente consegue produzir processos de cura e de superação. É uma obra que reivindica e oferece uma saída para essa crise que fere a história moral do Brasil e do planeta.”

Ao longo do período de seis meses em que a exposição será construída no Quitandinha, o palácio receberá também uma programação paralela que vai complementar a discussão proposta. O Café Concerto do Centro Cultural Sesc Quitandinha, com capacidade para 270 pessoas, vai sediar uma programação de música e de cinema, toda ela assinada por curadores negros. Também haverá atividades literárias e oficinas.

Além da exposição, a programação de inauguração terá, neste sábado, mostrar gratuito da cantora Juçara Marçal, às 19h. A cantora apresentará o repertório de seu premiado álbum Delta Estácio Bluescom música eletrônica em diálogo com o pop e musica brasileira. No domingo (16), às 16h, o público infantil poderá conferir o espetáculo Lasanha e Ravioli em Cinderelaselecionado pelo Edital de Cultura Sesc RJ Pulsar.

Para o futuro, o Sesc planeja ainda a inauguração de um cinema no Salão Roosevelt e de um mercado gastronômico na imensa Cozinha, projetada para servir até 10 mil refeições em uma noite. O presidente do Sesc, Senac e Fecomércio, Antônio Florêncio, espera que o número de visitantes na exposição chegue a 300 mil ao longo de um ano. A proposta da atração de público também é fomentar o desenvolvimento turístico da cidade, para gerar emprego e renda.

Presidente do Sesc, Antônio Florêncio diz que o objetivo é atrair cada vez mais visitantes ao Centro Cultural Sesc Quitandinha – Tomaz Silva/Agência Brasil

“O Quitandinha é uma alegria não só do estado do Rio de Janeiro, mas do Brasil todo. A beleza do Quitandinha é inigualável, mas estava faltando vida nessa área. Optamos por fazer um centro cultural para que tenha atividades diariamente e possa atrair cada vez mais visitantes”, afirma ele, que adianta que o palácio será central no Festival Sesc de Inverno deste ano.

“O foco maior é o Quitandinha, não só em Petrópolis, mas em todo o festival de inverno, valorizando, mostrando e utilizando cada vez mais esse espaço.”

O novo momento do Palácio Quitandinha também vai contar com o Q Bistrô, um local dedicado à gastronomia tropical com cardápio assinado por Andressa Cabral, chefe de cozinha carioca formada pela Formação Alain Ducasse, escola internacional de gastronomia. O restaurante funcionará das 10h às 17h no espaço do antigo Bar Central, local que recebeu os primeiros visitantes do palácio quando ele ainda estava em construção no início dos anos 1940.

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