Em parecer prévio apresentado hoje (10), o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas defendeu a aprovação, com ressalvas, das contas da Presidência da República do ano de 2019. Os demais ministros do TCU seguiram o voto do relator, em sessão realizada por videoconferência nesta quarta-feira, e também apresentaram sugestões de ajustes no texto e recomendações.
O parecer prévio final será encaminhado para julgamento no Congresso Nacional. Antes de apresentar seu relatório, Bruno Dantas pediu um minuto de silêncio em solidariedade às famílias das mais de 38 mil pessoas que já morreram de covid-19 no Brasil.
O presidente Jair Bolsonaro, ministros de Estado e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, acompanharam a sessão virtual, que também foi transmitida ao vivo nas redes sociais do TCU.
O ministro Bruno Dantas encontrou três irregularidades nas contas do governo do ano passado e fez recomendação ao Executivo, mas disse que os problemas apontados não impedem que o Congresso aprove, com ressalvas, as contas presidenciais. O ministro argumentou que as irregularidades não comprometem a totalidade da gestão em relação a execução do orçamento.
A primeira irregularidade apontada é referente a realização de despesas em valor superior aos créditos autorizados pelo parlamento para 2019. O ministro citou o remanejamento de R$ 1,48 bilhão de despesas com benefícios previdenciários e o compromisso de R$ 561,3 milhões com organismos internacionais. Bruno Dantas considerou que os recursos foram destinados a outras despesas sem a devida autorização do Congresso e a conduta se desvia das regras do teto de gastos.
De acordo com o ministro do TCU, também foram concedidas ou ampliadas de forma irregular renúncias fiscais no montante de R$ 182,86 milhões de reais, por meio de nove novas normas adotadas pelo governo em 2019. “Ainda que o valor total envolvido nas renúncias de receitas aprovadas em 2019 (R$ 182,86 milhões) tenha sido significativamente menor que o verificado em 2018 (R$ 13,2 bilhões), não posso deixar de registrar que há anos o TCU se depara com irregularidades dessa natureza”, disse Bruno Dantas.
A terceira irregularidade apresentada pelo relator foi a transferência de cerca de R$ 7,6 bilhões para empresa estatal Emgepron, que faz o gerenciamento de projetos navais. Segundo o ministro, esse investimento foi usado para terceirizar a compras de navios para a Marinha, como forma de driblar o teto de gastos.
“O dilema que se impõe é que, se outras estatais passarem a ser utilizadas com o mesmo propósito, instituindo mecanismo corriqueiro de terceirização de despesas da Administração Direta, teremos, na prática, a completa inefetividade do teto de gastos como medida de prevenção ao crescimento desordenado dos gastos do Estado.”
Relativização de regras
Bruno Dantas destacou que o governo federal precisa evitar a todo custo a relativização das regras fiscais, seja sob qual pretexto for, e recomendou a elaboração de um plano de gestão para dar transparência à dívida pública federal. Para ele, se as regras não se mostram viáveis, que sejam aprimoradas pelo processo legislativo apropriado.
“Esses criativos artifícios de fuga às regras podem parecer, à primeira vista, meras acomodações à realidade imposta pelas restrições normativas, mas, na prática, concorrem para a perda de credibilidade da única regra fiscal que hoje, a despeito de possíveis necessidades de revisões e aprimoramentos, é capaz de sinalizar para a solvência da dívida pública no longo prazo”, argumentou o ministro.
Política de comunicação
O ministro Bruno Dantas também recomendou que os gastos com publicidade e propaganda sejam detalhados com transparência na internet, com informações relativas a todos órgãos públicos contratantes, incluindo empresas estatais, e valores pagos mensalmente. Devem ainda ser mencionados nominalmente todos os sites, blogs, portais e congêneres que recebam recursos públicos, seja diretamente ou por terceirizados.
A preocupação do relator do TCU é que o “Orçamento público e o aparato estatal possam vir a ser utilizados como instrumentos de limitação à liberdade de expressão e de imprensa, por meio da distribuição de benefícios e empecilhos a veículos de comunicação em função do grau de alinhamento político-ideológico com o governo federal”.
Dantas disse que já apresentou ao TCU comunicação sobre a falta de transparência dos gastos com propaganda e publicidade do governo federal e considerou que outras questões vêm surgindo que tem levado o tribunal a averiguar questões relacionadas à legitimidade de atos do governo que poderiam, de alguma maneira, influenciar a pauta e o tom do noticiário.
Ele citou representações que questionam a ameaça do presidente Jair Bolsonaro em não renovar a concessaõ da Rede Globo, a exclusão do Jornal Folha de São Paulo, por suposta perseguição, da licitação realizada pela Secretaria de Comunicação (Secom) e também a determinação da Presidência da República para que fossem canceladas as assinaturas do mesmo jornal por todos os órgãos do governo federal.
“Numa segunda situação, o braço estatal em questão não seria mais o poder de aquisição em si, mas a distribuição de verbas de propaganda e publicidade segundo critérios pouco técnicos. Sob essa perspectiva, pode ser destacado o TC 008.196/2019-2 [representação feita pelo Ministério Público], que aborda possível favorecimento de grupos de mídia por preferências pessoais e/ou religiosas”, disse o ministro em seu relatório.
Dantas também ressaltou que devem ser verificados “possível desvio de finalidade no uso do aparato estatal para perseguir grupos ou personalidades que, no exercício da liberdade de expressão ou de imprensa, estejam supostamente em oposição ao governante”.
Ele citou o caso da possível irregularidade no âmbito do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que teria realizado análises financeiras de jornalista Glenn Greenwald com suposto intuito de intimidação e perseguição, e também no âmbito da Receita Federal relacionadas à fiscalização realizada em contratos do Grupo Globo.
Além desses casos, Bruno Dantas disse que foram identificadas situações em que se apontaram interferências indevidas da Secom ou de terceiros em propaganda e publicidade de empresas estatais. “As situações relatadas foram ou estão sendo objeto de análise, caso a caso, em cada um dos processos descritos. De qualquer forma, pela própria frequência com que a matéria tem sido levantada, acende-se um alerta sobre essas graves questões”, destacou.