“A Terra pode decidir nos incluir na lista de espécies em extinção”, diz Ailton Krenak na GLOCAL Conference

Diário Carioca

No último dia da Conferência GLOCAL Experience, vários alertas foram feitos sobre a urgência de medidas para reduzir a emissão de gases que causam o aquecimento global. Também foi ressaltado o papel importante do Brasil neste momento, já que o país ainda tem grandes áreas verdes — que capturam as emissões de carbono — e matriz energética limpa — 85% vêm de fontes renováveis.

“A Terra é um organismo tão maravilhoso que, mesmo diante de todas as ameaças, vai subsistir a qualquer ameaça nossa. Mas pode decidir nos incluir na lista das espécies em extinção por mau comportamento“, disse o escritor Ailton Krenak, ativista do movimento socioambiental e de defesa dos direitos indígenas que organizou a Aliança dos Povos da Floresta, reunindo comunidades ribeirinhas e indígenas na Amazônia.

Todos serão impactados, mas os mais vulneráveis sofrerão mais. Conhecemos as soluções tecnológicas, mas vamos precisar mudar a história de uma forma que todos os grandes acontecimentos do século 20 parecerão nada diante do que teremos que fazer“, disse o economista e ambientalista Sérgio Besserman.

Krenak abriu a série de painéis do sábado. Aplaudido de pé ao chegar, o líder indígena disse que fomos negligentes com relação aos compromissos da Rio 92. “Deveríamos estar aqui exibindo um painel de conquistas, e a mais importante delas seria que nossas crianças não estivessem ameaçadas pelo futuro“, indica.

No painel seguinte, “A agenda climática na prática, o que significa viver em um mundo descarbonizado?”, Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) e do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas), comparou os efeitos do aumento de temperatura do planeta aos de uma febre em uma pessoa. “Quando a temperatura corporal sobe dois graus, precisamos ficar atentos. Se chegar aos 40, a situação é grave. A Terra está se aproximando desse ponto“.

Tasso informou também que o acompanhamento feito a partir de imagens de satélite mostrou que, desde 1990, o Brasil perdeu 15% da sua superfície de água. “Perdemos por dois motivos: mudança climática e redução de florestas“.

Walter de Simioni, diretor de Articulação Política e Diálogo do Instituto Talanoa, disse ser falsa a dicotomia entre preservação e desenvolvimento. “Há escolhas e é possível ter os dois. Por exemplo, a eletrificação de carros é importante, mas mais importante é que as pessoas parem de usar carro e usem transporte público. Então essa é a discussão. Vamos subsidiar quem quiser comprar seu Tesla ou vamos recuperar nosso sistema de transporte público?“, disse.

No painel seguinte, “O futuro da Amazônia é hoje: manter a floresta em pé é combater a desigualdade”​, Samela Sateré Mawé, comunicadora da articulação dos Povos Indígenas do Brasil, queixou-se de que as populações indígenas são pouco ouvidas nas discussões sobre questões climáticas. “Perguntei ao pessoal em um encontro em São Gabriel da Cachoeira quais efeitos da mudança climática eles sentiam, e um parente disse que precisava de minhocas para a pesca, mas que elas sumiram. Esses animais são biondicadores, se desaparecem há algo errado, mas as pessoas que discutem mudanças climáticas náo sabem disso“.

André Guimarães, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, lembrou que o bioma da Amazônia armazena dez anos de emissão do planeta inteiro e que os rios voadores da Amazônia –as correntes que trazem chuva para o restante do país — impedem que a parte sul do continente seja um deserto. “Apesar de tudo isso, estamos erodindo esse patrimônio e caminhando rapidamente para o ponto onde não haverá mais retorno“, disse.

Samela Sateré Mawé cred Júlio César Guimarães
Samela Sateré Mawé cred Júlio César Guimarães

Conselheira emérita do CEBRI e Co-Chair do Painel Internacional de Recursos Naturais da ONU Meio Ambiente (IRP/UNEP), a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira disse que a Amazônia é um símbolo do que precisa mudar no mundo e do que precisa mudar no Brasil. “Com relação ao meio-ambiente, não existem acordos individuais. Temos que estar juntos“, disse.

Mercado de carbono

A parte da tarde foi dedicada a painéis que discutiram o mercado de carbono –nele, uma empresa que reduziu suas emissões recebe certificados que podem ser vendidos para aqueles que emitiram mais do que poderiam ou deveriam.

João Accioly, diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), fez referência ao decreto promulgado este ano que cria o Sistema Nacional de Redução de Gases do Efeito Estufa e estabelece procedimentos para planos setoriais de mitigação de mudanças climáticas. “Temos um mercado voluntário, as empresas não têm obrigação de reduzir e o decreto é o início desse processo

Nelson Rocha, secretário de Estado de Planejamento e Gestão, informou que o governo do Rio está em entendimentos com a Nasdaq para criar na cidade um modelo de bolsa para negociar créditos de carbono. O protocolo de intenções, segundo ele, foi entregue à Nasdaq e agora o governo espera a resposta.

O grande desafio agora, de acordo com Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), é regulamentar o artigo 6 do Acordo de Paris, que trata do mercado de carbono.

O diretor do BNDES Bruno Cunha explicou como a precificação da pegada de carbono pode favorecer a indústria brasileira. “Usamos energia renovável e isso mostra uma produção mais limpa, e por isso mais valorizada no mercado. Por isso é importante que empresários façam logo seus inventários de emissão de carbono“, disse.

A Conferência terminou com a palestra de John Elkington, considerado o “pai” da sustentabilidade e da disseminação do conceito de ESG — foi o primeiro a indicar como consumidores devem escolher produtos de empresas ecologicamente conscientes, ajudando a formar um mercado consumidor mais exigente em relação às questões ambientais.

Estamos em um momento complexo. Muitas indústrias vão morrer, mas teremos ao mesmo tempo um boom de investimentos em empresas com visão ESG“, disse.

A GLOCAL Experience é uma iniciativa da Dream Factory. O patrocinador master é a Águas do Rio, com patrocínio do Instituto Aegea, Enel Distribuição Rio, Corona, Cedae e da Lei estadual de Incentivo à Cultura do Estado do Rio de Janeiro. A Glocal conta ainda com as parcerias de mídia da Eletromidia, Itabus e TV Globo, além do apoio da OceanPact, Águas do Brasil e Rio + Saneamento. São apoiadores institucionais da Glocal: Alana, Instituto Igarapé, Pacto Global, FGV, Prefeitura do Rio e BR Marinas e com parceria da Maria Farinha Filmes. A curadoria e conteúdo é de responsabilidade da Andara e a Moderação dos Laboratórios tem a coordenação da Reos Partners.  

O evento é gratuito e termina nesse domingo, 17 de julho.

GLOCAL Experience 

Quando: até 17 de julho

Conferência: de 13 a 16 de julho

Onde: Marina da Glória
Site 

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Equipe de jornalistas, colaboradores e estagiários do Jornal DC - Diário Carioca