Uma nova espécie de bromélia com folhas aveludadas e peludas foi descoberta em Minas Gerais. A característica intrigou os pesquisadores e rendeu o apelido de “bromélia-peluda”. A descoberta teve início inesperado, quando o morador do município de Alvarenga Julio Cesar Ribeiro explorava uma região com muitas cachoeiras. Em um paredão rochoso, ele se deparou com a planta.
– Além de ser uma planta que eu nunca tinha visto na região, me chamaram a atenção as folhas peludas como as do capim e as flores saindo no meio das folhas – conta Júlio Cesar, que fotografou a planta e mandou as fotos para os pesquisadores.
A planta é tão diferente que, quando os pesquisadores receberam a foto, supuseram que se tratava de qualquer espécie, menos bromélia.
– Essa planta é tão diferente que, quando o Júlio mandou a foto dela pra gente, achamos que pudesse ser tudo, menos uma bromélia! É difícil imaginar uma bromélia com folhas aveludadas e cheia de pelos, e isso é só um dos motivos que tornam essa descoberta tão empolgante – conta Dayvid Couto, pesquisador do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) e um dos autores do trabalho que descreve a nova espécie, publicado na revista científica Phytotaxa. O artigo também tem como autores pesquisadores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A nova espécie foi nomeada Krenakanthus ribeiranus, e é conhecida de apenas uma montanha no Vale do Rio Doce. Antes da descoberta dessa nova espécie, apenas uma outra espécie, que não é peluda, era conhecida do gênero Krenakanthus, cujo nome significa ‘flor dos Krenak’, uma homenagem ao povo originário da região no Vale do Rio Doce. Já ribeiranus é uma homenagem ao seu descobridor, Júlio César Ribeiro.
– A homenagem é um reconhecimento ao olhar apurado do Júlio, que já contribuiu na descoberta de outras espécies da região, atuando como cidadão cientista – afirma Paulo Gonella, professor da UFSJ.
A ciência cidadã é uma parceria entre cientistas e cidadãos no desenvolvimento de pesquisa científica, na qual os cidadãos podem participar em várias fases da pesquisa, como na coleta de dados, interpretação e análise, e na elaboração conjunta de projetos para responder questões científicas.
– No caso dessa pesquisa, o Júlio contribuiu desde o levantamento de uma questão que era ‘que espécie é essa que eu não conheço?’ até a coleta de dados, que foram fundamentais não só para confirmar que se tratava de uma espécie nova, mas também para estimar seu risco de extinção – completa Gonella.
Os pesquisadores alertam para a conservação dessa espécie, que já nasce extremamente ameaçada.
– Com base na distribuição muito restrita e o avançado grau de degradação da região onde foi encontrada, nós avaliamos essa espécie como criticamente em perigo de extinção, o grau mais alto de risco – destaca o pesquisador Eduardo Fernandez, coordenador de projetos do Núcleo Avaliação do Estado de Conservação, do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), órgão do Jardim Botânico do Rio de Janeiro responsável pela elaboração da Lista Vermelha Nacional.
No estudo, os pesquisadores destacam ameaças à espécie e seu habitat, como o desmatamento para abertura de pastagens, aumento na frequência e na intensidade de incêndios descontrolados e na expansão das lavouras de café.
– Algumas medidas urgentes precisam ser tomadas para a proteção dessa espécie, como um estudo para criação de uma unidade de conservação e a inclusão da espécie em políticas de conservação que vêm sendo elaboradas para a região. Essas medidas, combinadas à estratégias de conservação ex situ, podem nos ajudar a assegurar um futuro próspero para a bromélia-peluda – completa Eduardo Fernandez.
A descoberta se soma a diversos outros achados recentes no leste de Minas Gerais, que consolidam a região como uma das últimas fronteiras do conhecimento botânico no leste do Brasil. Só na última década, mais de 30 novas espécies de plantas foram descobertas nas serras do leste de Minas Gerais.
– Pela sua alta riqueza, única e extremamente ameaçada, as serras do leste de Minas vêm aos poucos atraindo a atenção do poder público, mas ainda de maneira incipiente. É crucial o estabelecimento de unidades de conservação na região, que possui um dos mais proeminentes déficits de medidas de conservação in situ na região do Médio Rio Doce – ressalta Paulo Gonella.
Ainda segundo o professor, “além de abrigarem uma biodiversidade única, essas serras funcionam como ‘caixas d’água’, protegendo nascentes que abastecem os municípios da região e que foram fundamentais para assegurar água de qualidade para muitas cidades quando o Rio Doce foi afetado pelo desastre de Mariana”. Recentemente, a região foi incorporada ao Plano de Ação Territorial Capixaba-Gerais, uma iniciativa que une poder público, sociedade civil organizada e pesquisadores no delineamento e execução de estratégias que visam a melhorar o estado de conservação e conhecimento de espécies ameaçadas do território.