Criado com o objetivo de mobilizar consumidores de todo mundo a reverem seus hábitos para diminuir a geração de lixo plástico, o movimento “Julho Sem Plástico” nasceu em 2011, na Austrália, como uma proposta de conscientização sobre a necessidade de combater a poluição causada por esse material. Após mais de uma década desde a primeira edição, esse problema se complexificou bastante e preocupa países dos quatro cantos da Terra.
Hoje já há uma compreensão global de que solucionar essa poluição demanda muito mais do que ações de educação ambiental, conscientização da sociedade civil e reciclagem. Essas práticas são necessárias e precisam ser otimizadas para garantir uma melhora na gestão de resíduos, porém não são suficientes para enfrentar o tsunami de plásticos que toma conta do planeta, de forma bastante agressiva e rápida.
Inúmeros dados evidenciam a gravidade dessa crise. Alguns são profundamente inquietantes, como: a produção mundial de plástico deve quadruplicar até 2050; apenas 9% de todo o plástico já produzido no mundo foi reciclado; a cada minuto, dois caminhões de lixo plástico são despejados no mar; e 170 trilhões de fragmentos de plástico já estão acumulados nos oceanos.
Plástico, marcador de uma nova Era
Teve repercussão internacional a recente descoberta da geóloga brasileira Fernanda Avelar Santos que, em um trabalho de campo, encontrou “rochas de plástico” na remota Ilha de Trindade, localizada no litoral do Espírito Santo. Formadas por detritos plásticos fundidos a sedimentos naturais, essas rochas acendem, na sociedade, o espanto pelo fato de a poluição marinha já afetar até mesmo fenômenos geológicos.
“No caso do que encontramos em Trindade, o ser humano foi o agente geológico em todas as etapas, desde disponibilizar essa poluição no oceano para que chegasse até a ilha, passando pela queima e aproximação desses materiais. Esse processo levaria milhares de anos sem a participação humana”, explica a pesquisadora.
O cenário alarmante traz à discussão o que cientistas da Universidade da Califórnia (EUA) chamam de “Era do Plástico” e a possibilidade dessas rochas serem um dos marcos do Antropoceno, teoria em debate por cientistas sobre o início de uma Era geológica caracterizada pelos impactos da interferência humana no planeta.
Além de fenômenos geológicos, a poluição plástica tem sido relacionada também a novas dinâmicas biológicas. É o que revela o estudo publicado pela revista Nature, em abril deste ano,que detectou quase 500 tipos de invertebrados de 46 espécies diferentes vivendo em uma extensa mancha de 1,6 milhão de quilômetros quadrados de lixo, com aproximadamente 80 mil toneladas de plástico, flutuando no Oceano Pacífico. Maior do que o território da França, essa “ilha de plástico”, localizada entre a Califórnia e o Havaí, já está sendo chamada de “sétimo continente”. Ela não é a única, existem outras extensas “ilhas de plástico” em diferentes áreas dos oceanos.
Sem se limitar a fronteiras, os plásticos descartáveis despejados no mar tanto flutuam na superfície como se espalham pelo fundo oceânico. Até mesmo nas Fossas Marianas, região mais profunda do oceano, localizada há mais de 10 mil metros, os cientistas já encontraram sacolas e embalagens plásticas de bala.
Perigo à saúde humana
Além dos plásticos serem avistados em todos os lugares, é crescente o número de novas descobertas sobre a presença de minúsculas partículas plásticas nos alimentos (como sal, mel, peixes e frutos do mar), na água potável, na cerveja e até no ar que respiramos.
No corpo humano já foram detectados microplásticos na placenta, no leite, no sangue e no pulmão. Em 2019, a professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Thais Mauad, coordenou a pesquisa que detectou pela primeira vez essas partículas no pulmão humano. “O plástico no organismo carrega uma série de substâncias nocivas, como aditivos, metais pesados, substâncias cancerígenas. Então, não se sabe, nesse momento de pesquisa mundial, o que vai acontecer de verdade com a saúde humana. O que sabemos é que há bilhões de toneladas de plástico no meio ambiente e vai demorar muito para que o planeta seja despoluído”, pontua.
Combater a poluição por plásticos se tornou, portanto, também uma questão de saúde pública. “O assustador é que as pessoas não estão totalmente conscientes desse impacto”, alerta Mauad.
Mesmo sendo um perigo muitas vezes invisível a olho nu, os impactos do microplástico tornam-se cada vez mais explícitos também na fauna marinha. Segundo o relatório “Um Oceano Livre de Plásticos”, publicado pela Oceana, dezenas de milhares de organismos marinhos são severamente prejudicados pela ingestão de plástico, dos zooplâncton a tartarugas, mamíferos e aves marinhas, muitas delas já ameaçadas de extinção.
Uma preocupação mundial
Diante da escala planetária dessa crise, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem centrado esforços na construção de um Tratado Global Contra a Poluição Plástica. A expectativa é que esse documento esteja pronto até o final de 2024 e que tenha força de lei para todos os países que o ratificarem.
Entre 29 de maio e 2 de junho deste ano, ocorreu em Paris a segunda reunião do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC, sigla em inglês), que contou com a participação de 167 Estados-Membros, além de representantes de empresas, organizações da sociedade civil e comunidades locais de todo o mundo.
Lara Iwanicki, engenheira ambiental e gerente de campanhas da Oceana, que esteve presente na reunião da ONU, afirma: “Para enfrentar essa atual crise, precisamos parar de alimentar falsas soluções, como a reciclagem química e a incineração dos resíduos plásticos. Temos que avançar para soluções factíveis como a adoção de uma Economia Circular, começando pela redução da produção exorbitante de itens de uso único. É preciso fechar essa torneira da produção e oferta de plástico”.
Segundo a ONU, atualmente, a poluição plástica é a segunda maior ameaça ao meio ambiente global, atrás apenas das mudanças climáticas.
Brasil precisa avançar
Maior produtor de plásticos da América Latina, com uma produção anual de cerca de 7 milhões de toneladas, o Brasil despeja ao menos 325 milhões de quilos de plástico todos os anos no mar.
Apesar disso, nosso país continua propondo como solução medidas que não estão à altura da gravidade do desafio e olhando apenas o efeito do problema e não a sua causa: o atual modelo de produção.
Sequer fazemos parte da lista de mais de 100 países que implementaram legislações restritivas a pelo menos um item de plástico descartável. Essa já é a realidade de Quênia, Chile, Índia e Canadá, dentre tantos outros do Norte e Sul globais. Estamos atrasados na implementação de ações para reverter a poluição por plásticos e precisamos superar essa situação doméstica com celeridade.
O Projeto de Lei (PL) 2524/2022 oferece soluções factíveis para o problema da poluição causada por plásticos. Tramitando no Senado Federal desde setembro de 2022, ele propõe a adoção de uma Economia Circular do Plástico, em que itens e embalagens descartáveis desnecessárias serão eliminadas. Todos os produtos plásticos serão reutilizáveis, compostáveis ou efetivamente recicláveis, voltando para o sistema, e não serão mais descartados no meio ambiente.
“A continuidade do atual sistema linear, baseado em extração, produção e descarte é totalmente insustentável. Com esse Projeto de Lei, o Brasil pode se colocar na vanguarda do assunto, trazendo soluções reais baseadas na circulação de materiais e na regeneração da natureza”, destaca Iwanicki.
O exponencial crescimento da poluição por plásticos e a expansão dos seus impactos socioambientais e econômicos exigem medidas assertivas e urgentes por parte de todos os países e segmentos da sociedade. O Projeto de Lei 2524, sobre a Economia Circular do Plástico, trata de forma abrangente e madura este tema, oferecendo uma singular oportunidade de negócios verdes para o país, impulsionando inovação, tecnologia e sustentabilidade, além de garantir a remuneração a catadores e catadoras de materiais recicláveis. A Oceana tem trabalhado para assegurar que esse será o caminho que trilharemos. Não temos tempo a perder.