Em matéria – Os novos regionalistas – publicada na revista Veja, o jornalista Jerônimo Teixeira aborda um velho e atualíssimo tema do Brasil literário: “Os escritores não gostam de ser qualificados de regionalistas, mas a própria resistência ao termo prova que ele ainda tem algum sentido”.
Afinal, o que é regionalismo literário? Além da qualidade do produto, o mercado parece ser o grande responsável pelo sucesso ou fracasso dos escritores, venham de onde vierem. Assim, Lisboa e Paris já foram centros definidores do mercado literário brasileiro. Hoje, Rio de Janeiro e São Paulo monopolizam as vendas e definem que livros deverão ser lidos pelo pequeno, e suscetível, mercado consumidor tupiniquim.
O que se escreve ou se publica fora do eixo Rio-São Paulo, nas províncias do subcontinente brasileiro, é considerado regionalismo, independentemente daquilo que se escreve, ou da ambientação daquilo que se escreve.
Nesse viés, peguemos o amazonense Milton Hatoum, autor do romance Dois Irmãos e do livro de contos A Cidade Ilhada, ambos ambientados na Amazônia. Além de viver em São Paulo, os livros de Hatoum são comercializados e divulgados via São Paulo, logo ele não é mais considerado regionalista pelo mercado.
A rigor, Fiódor Dostoiévisk e Gabriel García Márquez são tão regionalistas como o paraense Dalcídio Jurandir e Machado de Assis; afinal, Machado ambientou seu trabalho em algum lugar, que, por acaso, é o Rio de Janeiro. Rubens Fonseca, carioca de Juiz de Fora, Minas Gerais, criou sua ficção ambientada na Cidade Maravilhosa.
O que não é aceito pela mídia paulistano-carioca e a idéia de que só é bom o que é divulgado pela mídia de São Paulo e do Rio de Janeiro tem cheiro de colonialismo, o que se dilui quando olhamos para dentro e valorizamos nossas raízes, nossa cultura; então, nos tornamos o centro do mundo.
Embora o mercado imposto a fórceps pelo marketing peso pesado de São Paulo e do Rio de Janeiro se faça presente em todas as grandes esquinas urbanas do subcontinente, é interessante como a intelligentsia amazônica se volta para sua literatura, sua música, sua culinária, sua pintura, seu folclore. Mas essa arte só é comercializada em escala quando profissionais de São Paulo e do Rio de Janeiro entram na parada. O mesmo ocorre em Porto Alegre, no Recife, em Belo Horizonte etc.
No caso dos livros mais vendidos, a maioria dos consumidores desse produto sofisticado é fortemente influenciada por seções como a dos mais vendidos de Veja e dos jornais com tiragens diárias em torno de 100 mil exemplares. Jornais do interior são cópias da grande imprensa. Rompi isso quando fui editor da seção de livros do Correio Braziliense, procurei dar ao leitor do jornal, de alcance apenas local, o que os jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro não lhes dava, cansei de publicar resenhas e entrevistas com escritores de Brasília.
Há outra questão, inclusive abordada por Jerônimo Teixeira: quase ninguém quer ser rotulado de regionalista e nega quando o é. “O curioso é que a classificação que hoje parece pejorativa responde pelas melhores obras da ficção brasileira do século XX – clássicos como Vidas Secas e São Bernardo, de Graciliano Ramos, e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa” – observa o redator de Veja.
Gabriel García Márquez fala com amor do povoado onde nasceu, Aracataca, na Colômbia, pois o criador de Cem anos de solidão sabe (ele continua vivo nas suas declarações) que não é o mercado nem as metrópoles que dão vida às personagens de ficção, mas apenas o talento e o trabalho incansável do autor no processo de criação. Talento, essa coisa tão sutil, tão fluida, esse gene imaterial, misterioso, presente em uns poucos iluminados, como Franz Kafka, por exemplo, que não conheceu a popularidade em vida, mas que deixou obra ambientada na região da psique.
Machado de Assis, Rubens Fonseca, João Ubaldo Ribeiro, Dalcídio Jurandir, Benedicto Monteiro, todos, são tão regionalistas quanto Fiódor Dostoiévisk, Gabriel García Márquez, Franz Kafka, pois a região dos grandes escritores é só uma: a alma.