Em “Sede”, a escritora belga Amélie Nothomb constrói uma poderosa narrativa a partir de conhecidas passagens bíblicas, mencionando personagens como Maria, Maria Madalena e Judas sob uma perspectiva inovadora
Em sua cela, Jesus aguarda o dia seguinte, quando será crucificado. Nesses últimos momentos de sua vida como homem, lembra-se de detalhes do julgamento pelo qual acaba de passar. Recorda-se, ironicamente, dos depoimentos daqueles que foram agraciados por seus milagres, mas que agora já não veem neles tanta vantagem assim. Sem conseguir dormir, o nazareno lembra-se também de como chegou até ali, confessa ter medo da morte e reflete sobre os três pilares da humanidade, aqueles que resumem o sentido de encarnar e ser humano: amar, morrer… e ter sede. Este é o pano de fundo de Sede, romance da escritora belga Amélie Nothomb, que chega agora ao Brasil pelo Tusquets, selo de ficção da Editora Planeta.
Narrado em primeira pessoa, a obra trata das memórias de Jesus a respeito de seus últimos dias na terra, seu sofrimento e sua humanidade, e menciona, de uma perspectiva inovadora, diversos personagens bíblicos, como Maria, Maria Madalena, Pedro e Judas, ponderando virtudes e falhas. Com um tom cômico e excêntrico, a publicação traz humor e drama na mesma medida. “Esclareço esses pontos porque não é o que será escrito nos Evangelhos. Por quê? Ignoro. Os evangelistas não estavam ao meu lado quando aconteceu. E não importa o que possam ter dito, não me conhecem. Não estou bravo com eles, mas nada é mais irritante do que as pessoas que, sob pretexto de amar você, têm a pretensão de conhecer você de cor”, relata Jesus no livro.
Amélie Nothomb não é teóloga, portanto, o objetivo deste lançamento não é ser um registro histórico ou hagiográfico, mas um poderoso exercício de ficção com alguns dos personagens mais conhecidos da humanidade. Celebridade literária na Europa, ela é considerada excêntrica por alguns, e uma personalidade única por outros. Seus livros costumam tratar de assuntos polêmicos, colocando em xeque algumas das concepções mais convencionais e conservadoras. Sede é, segundo a própria autora, o livro de sua vida: tudo o que ela fez culminou na escrita desse breve romance.