Durante os primeiros meses de confinamento da pandemia de Covid-19, entre março e abril de 2020, o fotógrafo francês Antoine d’Agata, fotógrafo associado da agência Magnum Photos e um dos mais importantes da atualidade, lançou seu olhar sob a grande ameaça enfrentada pelo mundo naquele período.
Fazendo uso de uma câmera térmica acoplada ao celular, documentou a dualidade que Paris vivia: a rotina nas ruas vazias e o caos dos hospitais lotados. O uso do dispositivo térmico feito por Antoine permitiu retratar o calor dos corpos e objetos e os sinais de vida, e não a luz ou a superfície daquilo que está diante do sensor.
Um ano e meio depois, em novembro de 2021, Antoine veio ao Brasil para dar continuidade a este ensaio fotográfico que gerou mais de 13 mil fotos, e registrou momentos da pandemia na Bio-Manguinhos/Fiocruz e no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. As imagens destes dois momentos distintos compõem a exposição “Vírus” que ocupará as Cavalariças do Parque Lage, no Rio de Janeiro, de 27 de abril a 19 de junho, com entrada franca. A exposição monográfica será apresentada lado a lado da exposição ‘Bando’, proposta pela artista paulistana Carmela Gross. Juntas, as exposições compõem a primeira fase do programa expositivo ‘Escândalo’.
Para Ulisses Carrilho, curador da EAV Parque Lage, “a poética de d’Agata poderia ser narrada como consoante à ideia de transgressão da forma, proposta por Georges Bataille, grande pensador do erotismo, outro tema caro ao artista. Segundo leituras interpretativas a partir de Bataille, o autor trabalharia a partir de uma iconografia dilacerante, dilacerada. A transgressão da forma não como recusa, mas como abertura de um corpo a corpo. Nessa iconografia, o corpo humano apresenta-se não apenas como justa medida harmônica, mas um organismo destinado à desfiguração. Neste sentido, tomamos aqui a dilacerante desfiguração do corpo individual operada por D’Agata para especular se esta desindividualização não ousaria propor-se como método de operação: a formação de um corpo coletivo, tanto corpo social, quanto corpo da imagem”.
“Este trabalho é dominado pelo uso da tecnologia térmica porque oferece a habilidade de capturar informação de uma forma que a fotografia como a conhecemos não consegue. Não é uma questão de estética, mas de uma técnica em desenvolvimento que me permite gerar uma linguagem visual que apreende a realidade sob uma perspectiva ao mesmo tempo existencial e política”, explica Antoine.
O fotógrafo francês se interessou particularmente em registrar a movimentação nas emergências dos hospitais, a interação entre médicos, motoristas de ambulância, enfermeiros e pacientes. “Tentei apreender essa ambivalência entre solidariedade e contaminação, essa inevitabilidade da morte social e fisiológica, atravessando a linguagem dos sentidos”, conta d’Agata.
Obras desta série já foram expostas na França, México, Japão, China, Itália, Coréia do Sul, Bulgária, Espanha e Ucrânia. Cerca de 1000 fotos chegam ao Brasil no final deste mês e reúnem pela primeira vez os registros feitos no país. As imagens inéditas compõem painéis gigantes instalados na cavalariça do Parque Lage.
Sob curadoria do artista, a Mostra também inclui um texto-abecedário, produzido a partir do encontro de Antoine com o jovem escritor da Maré, Math de Araújo. A expo incluirá também textos de outros artistas de comunidades cariocas, dando espaço para novos pontos de vista sobre a pandemia. E para completar, “Vírus” contará com a exibição do vídeo experimental “A vida nua” criado por Antoine como parte deste projeto.
Ao longo de 30 anos, Antoine d’Agata já fotografou em diversos países e publicou cerca de cinquenta obras. Escritor, fotógrafo e cineasta, é membro e já foi diretor da renomada agência internacional Magnum Photos. Sua obra foi objeto de exposições individuais, que passaram por vários museus, e está presente em coleções públicas e privadas de diversas nações. Criador do abecedário, em conjunto com o fotógrafo francês, Math de Araujo é autor do zine “A reza” (2017) e do livro “Maré cheia” (2018), co-autor da peça sonora “Becos” (2020), e também criador do Slam Maré Cheia, roteirista, fotógrafo, do basquete, do Hip-Hop e dos games.
Trabalho de Antoine d’Agata também em São Paulo
A partir de 1º de maio, o trabalho de Antoine d’Agata em torno da pandemia também poderá ser visto em São Paulo, na Mostra “Psicodemia”, com instalações na Praça das Artes e Galeria Lume. A Mostra tem curadoria de Fábio Furtado, Roberta Saraiva Coutinho e Rodrigo Villela e reunirá as imagens da pandemia de Covid-19 capturadas em Paris, Rio de Janeiro e também na Cracolândia, em São Paulo.
Consulado da França – Programação intensa em 2022
Em 2022, o Consulado da França no Rio promoverá cinco eventos de arte com temáticas diversas na cidade do Rio de Janeiro, ocupando vários espaços culturais. “Vírus” é a primeira mostra a ser exibida em abril. No mês de julho, o Parque das Ruínas abrigará o ensaio fotográfico de Pauline Daniel sobre desperdício alimentar. Em seguida, serão realizadas duas parcerias com o Instituto Goethe do Rio de Janeiro: no mês de setembro, um projeto de arte urbana e grafite na Zona Portuária reunirá artistas nacionais e internacionais; já em outubro, a Sala Cecília Meireles será palco de um Cine Concerto, com a exibição de curtas-metragens e filmes de animação mudos franceses, alemães e brasileiros, com trilha sonora criada pela percussionista Lan Lanh especialmente para a ocasião. Além disso, o Cine Concerto terá apresentações nas lonas e arenas culturais da Secretaria Municipal de Cultura. E fechando este calendário, o MAR apresentará o trabalho do fotógrafo Ludovic Carème realizado em comunidades do Rio de Janeiro, São Paulo e na Amazônia.
Sobre a EAV Parque Lage
A Escola de Artes Visuais foi criada em 1975, pelo artista Rubens Gerchman, para substituir o Instituto de Belas Artes (IBA). Seu surgimento acontece em plena Guerra Fria na América Latina, durante o período de forte censura e repressão militar no Brasil. A EAV afirma-se historicamente por seu caráter de vanguarda, como marco da não conformidade às fronteiras e categorias, e propõe regularmente perguntas à sociedade por meio da valorização do pensamento artístico. Alguns exemplos marcantes da história do Parque Lage são a utilização do palacete como sede do governo da cidade de Alecrim em Terra em Transe, dirigido por Glauber Rocha em 1967; e a exposição “Como Vai Você, Geração 80?”, que reuniu 123 jovens artistas de diferentes tendências numa mostra que celebrava a liberdade e o fim do regime militar. O palacete em estilo eclético foi também palco de “Sonhos de uma noite de verão”, clássico shakespeariano, e serviu como locação para Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade. A Escola de Artes Visuais do Parque Lage está voltada prioritariamente para o campo das artes visuais contemporâneas, com ênfase em seus aspectos interdisciplinares e transversais. Abrange também outros campos de expressão artística (música, dança, cinema, teatro), assim como a literária, vistos em suas relações com a visualidade. As atividades da EAV contemplam tanto as práticas artísticas como seus fundamentos conceituais. A EAV Parque Lage configura-se como centro educacional aberto de formação de artistas e profissionais do campo da arte contemporânea. Como referência nacional, com uma consistente imagem no meio da arte, a EAV busca criar mecanismos internos e linhas de atuação externa que permitam um diálogo produtivo com a cidade e com o circuito de arte nacional e internacional. A instituição integra a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do estado do Rio de Janeiro.
Serviço Rio de Janeiro:
Antoine d’Agata — Vírus
Parque Lage. Rua Jardim Botânico, 414 – Jardim Botânico.
Data: De 27 de abril a 19 de junho. Fecha às quartas.
Horário de funcionamento (Mostra): das 9h às 17h.
Entrada franca.
Não é necessário agendamento prévio online para visitar a Mostra, apenas se quiser visitar
também o Palacete do Parque Lage