Quando Pablo Larraín mostrou seu novo filme, Ema, para um grupo de jovens, a reação foi positiva. “Eles disseram que não era lento como meus outros trabalhos, que eu tinha melhorado”, disse, achando graça, em entrevista ao Estadão durante o Festival de Veneza de 2019. De fato, o longa-metragem, que concorreu ao Leão de Ouro e finalmente estreia no Brasil nesta quinta-feira, 12, é bem diferente de seus filmes anteriores, seja a trilogia sobre a ditadura chilena – Tony Manero (2008), Post Mortem (2010) e No (2012) – ou biografias como Neruda e Jackie, ambos de 2016.
O diretor chileno concorda que Ema é diferente de sua obra precedente. Para começar, em vez de fazer uma de suas “autópsias do passado”, Larraín conta uma história no Chile dos dias de hoje. “Queria deixar um testemunho do nosso tempo, retratar algo que está acontecendo”, afirmou. Havia muito tempo que ele queria tratar de adoções fracassadas de crianças. “É um problema muito comum e do qual não falamos tanto”, disse. Em princípio, a protagonista estaria na casa dos 60. Depois, dos 40. Mas então Larraín conheceu a atriz Mariana Di Girolamo, hoje com 30 anos, e tudo mudou. “Acabou virando: vamos fazer um filme com ela”, contou Larraín. “Sendo ela dessa geração, ia ser um longa totalmente diferente.”
A ação mudou para Valparaíso, o estilo musical reggaeton entrou na mistura, mas a história permaneceu próxima à original. A vida da dançarina Ema e do coreógrafo Gastón (Gael García Bernal) sofre uma reviravolta quando seu filho adotivo, Polo, comete um ato violento e eles decidem devolvê-lo à agência de adoção. A partir daí, Ema parte em uma jornada de liberação, sem medo de ser quem é, entrando em choque direto com Gastón, um homem mais velho, de outra geração, e apegado a ideias rígidas, exemplificadas por seu horror à inclusão de elementos novos nas suas coreografias, como o reggaeton amado por seus jovens dançarinos.
Pablo Larraín, que é apenas dois anos mais velho que Bernal, compartilhava o horror do personagem Gastón ao reggaeton disseminado por artistas como Maluma e J Balvin. “No processo, fui aprendendo a gostar e acabei amando”, contou. “Não que eu vá colocar na minha casa e sair dançando, mas, se tocar numa festa, eu danço.”
Ele aprendeu outras coisas também convivendo com tantos jovens. “Eles são tão diferentes da minha geração. É como ser de um século olhando para alguém de outro século – e é literalmente isso”, disse. “São muito particulares e podem ser muito conservadores. É uma geração que realmente se importa com a crise climática. Não quero generalizar e colocar todos sob o mesmo rótulo, mas, em geral, vivem com menos coisas. Querem um bom computador, um bom telefone, algumas roupas legais. Mas não têm essa lógica de consumismo com a qual crescemos. E também essa questão de se você é homossexual, heterossexual, ou trans. Eles acham que se trata de amor e não são tão binários. São abertos a vários tipos de relacionamento. São individualistas, mas muito respeitosos com os outros. Acho uma geração interessante na forma como encara a vida.”
Visualmente, Ema também tem outra pegada na comparação com os trabalhos anteriores do cineasta. “É um filme com uma energia forte. Estamos sempre em movimento”, disse Larraín, que entremeia as cenas dramáticas, de desenvolvimento dos personagens, com números de dança. “Usei a cor como nunca tinha feito antes. Rodamos em Valparaíso, uma cidade bonita, portuária e cheia de colinas, meio como Lisboa, mas na América Latina. Detonada e elegante ao mesmo tempo e cheia de cores. Decidimos abraçar isso e fazer um filme colorido, com a câmera sempre em movimento, com uma coreografia de certa forma. Queria algo com alto nível de energia, o que era novo para mim.” Se isso tudo vai influenciar seus próximos trabalhos, ele ainda não sabe. “Te conto depois”, disse, rindo. Depois de Ema, ele dirigiu a série Lisey’s Story para a Apple TV+, baseada em Stephen King, produzida por J.J. Abrams e estrelada por Julianne Moore, e Spencer, sobre a princesa Diana, que estreia no Festival de Veneza, em setembro.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo