Produtoras, profissionais, governo e os próprios consumidores, todos pagamos um preço caro pela pirataria no setor audiovisual. Além de ser crime e perverter toda uma cadeia de distribuição, contribuindo para a diminuição de postos de trabalho e a arrecadação de impostos, o acesso a produtos e programações ilegais abrem espaço para a ação de hackers e o risco de roubo de dados e informações bancárias.
Essa prática já dura pelo menos duas décadas e não há sinais de que irá diminuir; muito pelo contrário. Se no começo do milênio eram os DVDs piratas que dominavam o comércio ilegal de filmes e séries, hoje esses meios se multiplicaram, seja com as TV Box, as “caixinhas”, muitas vezes vendidas livremente no e-commerce, seja com os sites de programação desviada.
O fato é que a pirataria acompanhou os avanços da indústria e, com o aumento do consumo de conteúdo audiovisual e o “boom” do streaming durante a pandemia de Covid-19, ganhou novos contornos.
Antes de 2021, o último estudo sobre o assunto feito no Brasil – pelo Censo, Ibope e PNAD, em 2018 – estimou que operadoras e canais pagos perdiam pelo menos R$ 10 bilhões anuais e governos R$ 1,5 bilhão em impostos. Isso sem considerar a entrada do Netflix e seus concorrentes no jogo.
Agora, esse prejuízo subiu para R$ 15,5 bilhões, R$ 2 bilhões somente em impostos que deixam de ser arrecadados. Levantamento da pesquisa Business Bureau mostra que 33,5% dos lares brasileiros consumiram pirataria online no último quadrimestre de 2020. O Brasil fica apenas atrás de EUA e Rússia no consumo de audiovisual ilegal.
Muitos fatores justificam essa escalada da pirataria. Primeiro, a atividade é cada vez mais controlada por organizações criminosas poderosas e difíceis de mapear, que inclusive já coordenam ataques cibernéticos a players do streaming. Em 2017, por exemplo, um coletivo de hackers ameaçou o Netflix de “vazar” 10 episódios inéditos de “Orange Is The New Black” na rede, antes de sua estreia.
Por outro lado, o audiovisual ilegal só existe porque há quem o consuma. E mudar um hábito tão cristalizado como esse é um trabalho árduo. Atualmente, um fenômeno tem contribuído para alimentar essa prática: a falta de poder aquisitivo do usuário médio de streaming para assinar tantos serviços com conteúdos exclusivos simultaneamente. Pensando no futuro, a solução estaria em algum agregador de todas as plataformas, em um formato inovador e mais democrático.
Soluções
Todo esse cenário tem mexido com as plataformas de streaming, que começaram a tomar algumas providências, ainda discretas. Mas há anos existe um esforço a nível mundial com campanhas contra a venda ilegal de filmes e séries, lideradas principalmente por operadoras e TVs pagas.
Muitas vezes essas ações não surtem efeito devido às próprias leis do país sobre o assunto, pouco rígidas. Isso é relevante devido ao fato de que geralmente os criminosos hospedam os servidores de seus serviços em outras localidades, como países do Leste Europeu. Assim, é importante ressaltar que essa luta é mais viável quando os poderes privado e público trabalham juntos.
No Brasil, o esforço das empresas começa a surtir algum efeito. Além das campanhas junto à Receita Federal, Ministério Público e polícias, a Anatel e a Ancine discutem desde 2020 uma possível regulamentação do bloqueio administrativo de sites que transmitem programações não autorizadas e há discussões sobre notificar por carta usuários desses serviços, como é feito em muitos países estrangeiros.
Mas além do trabalho de conscientização e do engrossamento das leis, já há formas das produtoras se prepararem do ponto de vista técnico. Alguns serviços de streaming já utilizam marcas d’água em suas produções para ter mais controle das cópias que circulam na etapa de distribuição.
Recentemente também tem se discutido iniciativas de blockchain nas cadeias de produção e distribuição de conteúdo audiovisual. Mais conhecida por sua aplicação no setor de criptomoedas, essa tecnologia poderia ajudar no combate a pirataria com um sistema em que as obras são distribuídas por “tokens”, ativos digitais incorruptíveis – lógica similar à dos NFTs no mercado de arte.
A pirataria é mais um dos tantos paradoxos de nossa sociedade. É crime, segundo a lei; ao mesmo tempo, permanece pairando como algo velado, que todo mundo pratica e finge ignorar os prejuízos. Parece ter chegado a um patamar incontrolável e irreversível, evoluindo ano a ano junto com a indústria, perpetuada pela crença de que o seu combate só beneficia grandes players do mercado. Mas a verdade é que ele é vital também para pequenas e médias produtoras independentes.
Soluções tecnológicas são uma forma de defesa valiosa para os agentes do setor, mas a verdadeira transformação virá de uma virada de chave na mentalidade dos consumidores, algo que infelizmente precisará ser trabalhado incansavelmente por mais uns bons anos.
*André Sobral é formado em Direito com pós-graduação em Marketing pela FGV e Direção de Cinema pelo Maine Media College. É produtor da Abrolhos Filmes, com a qual produziu seu primeiro longa, o documentário “Chico Rei Entre Nós” (Joyce Prado, 2020), premiado na 44ª Mostra Internacional de São Paulo. Foi produtor associado de três filmes realizados por meio de coproduções internacionais, entre eles “Call Me By Your Name” (Luca Guadagnino, 2017), indicado ao Oscar 2018