Rolé Carioca resgata as memórias e resistências da comunidade LGBTQIAP+

Vanessa Neves
Arte Vanessa Neves - Diário Carioca

A cidade do Rio de Janeiro é reconhecida por sua diversidade e acolhimento ao público LGBTQIAP+, tendo inclusive sido reconhecida como um dos melhores destinos para este público. Mas a histórias de luta e resistência dessa comunidade é muitas vezes inviabilizada e a luta por direitos e pela conscientização social ainda é urgente e segue ativa. 

Rolé Carioca
Rolé Carioca

No Mês do Orgulho, o Rolé realiza seu primeiro passeio temático do ano, com um passeio pro lugares de memória e resistência dessa comunidade. O roteiro é pelo centro do Rio e passa por lugares importantes para a história e memória da comunidade LGBTQIAP+ e visita lugares de convivência e de luta do movimento. Como sempre, o evento é gratuito e livre de inscrições, acontece no dia 24 de junho, com ponto de encontro às 10:00 na Praça Tiradentes.  

O Rolé é um projeto cultural que existe desde 2012 e tem como objetivo pesquisar e difundir sobre a história da cidade, em suas múltiplas camadas. Segundo Isabel Seixas, idealizadora do projeto, “a cidade é plural e de todes, sendo imprescindível contar sua história sob múltiplos pontos de vista e levando em consideração as camadas de luta, resistência e conquistas”. 

O circuito deste Rolé passa por pontos representativos para o protagonismo da população LGBTQIAP+ no cenário carioca como: Praça Tiradentes, o Teatro João Caetano e o Teatro Rival, o Grupo Arco Íris; e rememorando eventos como a Gayfieira, o Baile dos Enxutos e o isoporzinho das sapatão, além de instituições de acolhimento e  direitos humanos e cidadania ao público LGBT. O percurso reforça também a memória de personagens como Madame Satã, Luana Muniz, João do Rio e outros, famosos ou não, que sempre tiveram o centro do Rio como espaço de socialização, trabalho, resistência e diversão. 

O roteiro, feito em parceria com o pesquisador, jornalista e roteirista Guilherme Macedo traz um olhar crítico ao apontar para a história dos grupos invisibilizados pela estrutura cis heteronormativa desde o período colonial: “É muito importante que a população do Rio de Janeiro possa compreender que sua História está profundamente entrelaçada às vivências e ocupações da comunidade LGBTQIAP+. E é igualmente importante que essa comunidade se sinta pertencente aos espaços que ela ocupa no presente e também aos que ela já ocupou no passado”

Nessa edição, a equipe de professores do Rolé recebe o reforço de Wescla Vasconcellos e Vahnessa Musch, pesquisadoras LGBTQIAP+ que valorizam as narrativas de representatividade pela cidade a partir de grupos minorizados.   

Ao final do passeio, performances de coletivos LGBTQIAP+ serão realizadas.

Mais sobre os pontos do roteiro e intervenções

Praça Tiradentes 

A Praça Tiradentes, no passado conhecida como Largo do Rossio, foi palco de diversos eventos históricos e também espaço de convivência dos excluídos da sociedade. Em 2015 a Praça Tiradentes foi também palco da terceira edição do evento itinerante Isoporzinho das Sapatão, criado por mulheres que buscavam e não encontravam bares ou festas voltados para o público lésbico, com a proposta de ocupar o espaço público e afirmar suas identidades.

Teatro João Caetano

Teatro João Caetano
Teatro João Caetano

A casa de espetáculos mais antiga do Rio de Janeiro, acontecem e aconteceram diversos eventos voltados para as comunidades LGBTQIAP+, como, por exemplo, o Baile dos Enxutos, evento carnavalesco para o público gay e travesti criado na década de 1940 com performances que desafiavam as noções de masculinidade e feminilidade.

Hotel Ibis 

No local funcionou o Hotel São José, ponto de encontro em eventos noturnos como a Gayfieira. Em 1931 houve um incêndio e a partir dos escombros preservados foi criada a Casa de Caboclo, com espetáculos muito frequentados pelas classes populares. Nela, se apresentou pela primeira vez Madame Satã, interpretando a Mulata do Balacochê no espetáculo Loucos em Copacabana. Madame Satã era o pseudônimo de João Francisco dos Santos, um transformista negro e pobre que se tornou figura emblemática da vida boêmia e marginalizada da Lapa.

Cine Íris 

A fachada do Cine Theatro Iris Foto: reprodução - Marco Antonio Teixeira - O Globo
A fachada do Cine Theatro Iris Foto: reprodução – Marco Antonio Teixeira – O Globo

Inaugurado em 1918, exibiu diversos filmes mudos acompanhados por orquestras, mas na década de 1970, para continuar a operar, passou a investir principalmente em pornochanchadas, veiculando arte erótica, o que acompanha a humanidade desde seus primórdios. Assim, o público que o frequenta tornou-se em maioria de homens gays. Também foram inseridos shows de strip-tease na programação que contava com a participação de muitas mulheres trans.

Grupo Arco-Íris 

Uma organização não governamental, sem fins lucrativos, cuja missão é promover qualidade de vida, direitos humanos e cidadania ao público LGBT. Foi criado em 1993, a partir do sonho de um grupo de amigos em resposta a epidemia de AIDS e a discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

Turma OK

Fundado em 1961, é considerado o mais antigo grupo social transviado do Brasil em atividade. Porém, entre o ano de 1969 e 1975, o clube permaneceu fechado por causa das ameaças de violências repressivas do período da ditadura militar. Hoje instalado no sobrado de um pequeno prédio na Rua dos Inválidos, a casa promove reuniões entre os sócios, recebe convidados e apoiadores para almoços, noites de bingo e espetáculos de variedades, onde os shows de gogoboys e transformistas novatas e veteranas são a grande atração.

Casarão de Luana Muniz

Casa onde viveu a famosa travesti Luana Muniz, registrada no programa Profissão Repórter com a frase “travesti não é bagunça”. Luana, que morreu em 2017, aos 56 anos, devido a uma pneumonia. Saiu de casa na adolescência para se prostituir, modificou seu corpo ao longo da década de 1970, durante a ditadura, e trabalhou em diversos países da Europa. Na volta ao Brasil, Luana montou o casarão, onde alugava quartos para travestis, e se colocou como referência no sentido de cuidar do comportamento, da prevenção de doenças e dos direitos dessa comunidade.

Cabaré da Jacke

Bar/boate fundado no mesmo local onde funcionava a boate Sinônimo, point LGBT. A proprietária, Jacke, é uma travesti que promove festas e shows e se preocupa em empregar travestis.

Cabaré Casanova

Aberto em 1937, com o nome Viena Budapeste, o espaço renomeado Cabaret Casanova era considerado um dos espaços mais antigos da Lapa. Situada na Avenida Mem de Sá, a casa foi referência na noite LGBTQIA+ do Rio, em especial, devido às apresentações de ícones da arte drag brasileira, como Laura de Vison e Meime dos Brilhos. Foi no Casanova que se formou o grupo Dzi Croquettes e que o lendário Madame Satã fez suas últimas incursões pela Lapa boêmia. 

Ocupa Sapatão (Escadaria da Câmara dos Vereadores)

A vereadora Marielle Franco mobilizou uma agenda de lutas coletivas com o projeto de lei do “Dia da Visibilidade Lésbica” para a data 29 de agosto no calendário oficial do município do Rio de Janeiro, o qual foi rejeitado em 2017. Isto levou a uma ocupação nas escadarias da Câmara dos Vereadores, o Ocupa Sapatão, para fortalecer o debate sobre os direitos das pessoas LBTs e a necessidade de políticas públicas. A pauta foi continuada até a aprovação em 2022 do Dia Municipal da Visibilidade Lésbica.

Cine Rex

Tradicional sala de exibição de filmes pornográficos e de pegação entre homens.

Teatro Rival

O espaço foi inaugurado no dia 22 de março de 1934 e passou a ser do avô de Leandra Leal, Américo Leal, em 1970. Por lá, já passaram apresentações de teatro de revista teatro rebolado e também espetáculos icônicos com as travestis Rogéria, Marquesa, Brigitte de Búzios, Jane Di Castro, Divina Valéria, Eloína dos Leopardos, Camille K e Fujika de Halliday.

Mais sobre Guilherme Macedo

Roteirista, jornalista e escritor. Possui pós-graduação em Roteiro de Cinema e TV pela Escola de Cinema de Barcelona (ECIB) e já foi roteirista do Porta dos Fundos e do Multishow. É o responsável pelo projeto “Justiça em Cena”, podcast de dramaturgia da Rádio Justiça FM, também veiculado no Spotify. Já dirigiu curtas-metragens selecionados para importantes festivais LGBTQIAP+, como o Mix Brasil, Recifest e Rio Festival de Gênero e Sexualidade no Cinema. Em 2022 lançou seu primeiro romance, “A Casa do Grito”. Com temática LGBTQIAP+, o livro ficou em primeiro lugar no Prêmio Literário 200 Anos de Independência (2019) e foi finalista do Prêmio Caio Fernando Abreu (2021), organizado pelo Mix Literário/Mix Brasil.

Mais sobre Professores / Mediadores do passeio:

Wescla Vasconcelos

Atriz, pedagoga e a primeira pesquisadora travesti a defender mestrado em cultura e territorialidades pela UFF, Wescla também é articuladora do Fórum Estadual de Travestis e Transexuais do RJ e se junta ao Rolé como Guia e colaboradora da pesquisa. 

Vahnessa Mush

Vahnessa Musch, ou corópo saruçu, seu nome da mata, é Indígena Goytaca, guia de turismo pedagógica e ativista visual que dá destaque a historia indígena carioca e das minorias, como mulheres, negros, lgbtqia+ e ciganos em suas pesquisas. No Rolé, utilizará de sua bagagem e referências para cruzar esses pontos de vistas com o de sua vivência enquanto mulher trans pela cidade para guiar o passeio do dia 24.

Serviço

Gratuito – livre de inscrições

Rolé pelas memórias e resistências da comunidade LGBTQIAP+

Data: 24/6

Horário: 10h 

Ponto de encontro: Praça Tiradentes – Centro, Rio de Janeiro – RJ, 20060-070

A edição de 2023 do Rolé Carioca  conta com o patrocínio da Petrobras e White Martins, e realização do Ministério da Cultura e do Governo Federal União e Reconstrução; patrocínio por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura – Lei do ISS, da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro e copatrocínio da Estácio em parceria com o Instituto Yduqs, e da First RH Group.

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Vanessa Neves é Jornalista, editora e analista de mídias sociais do Diário Carioca. Criadora de conteúdo, editora de imagens e editara de entretenimento do Diário Carioca