Uma exposição com os artistas contemporâneos mais promissores do continente africano desembarca no Rio de Janeiro no próximo sábado (20). Reunindo duas dezenas de nomes que chamam atenção internacional, mas que são pouco conhecidos no Brasil, além de dois artistas afro-brasileiros, a Ex Africa traz uma mostra dos dilemas e desafios do continente hoje e que se assemelham ao de países latinos.
Até 26 de março, a mostra estará aberta ao público no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro da cidade.
A exibição é composta por mais de 80 obras, entre pinturas, esculturas, instalações, vídeos e performances, com espaço privilegiado para a fotografia. “A fotografia talvez seja, ao lado da escultura, o grande destaque da arte africana atual, sobretudo, na África do Sul, cujos fotógrafos, ao meu ver, estão entre os mais originais do mundo”, afirmou o curador alemão Alfons Hug. Ele trabalhou no Brasil por mais de 15 anos e em países africanos, por quatro anos. Na Nigéria, foi diretor do Instituto Goethe.
Os trabalhos da Ex Africa se relacionam por meio de quatro eixos e mostram um continente em contínuo e efervescente processo de renovação criativa e artística. As obras têm referência no passado de colonização europeia, dialogam com a escravização, mas buscam discutir os reflexos da história no presente, principalmente nos anos que sucederam a independência desses países, a partir da década de 1950. O passeio pela mostra conduz o visitante por questões como migração, passado pós-colonial, racismo e gentrificação, temas comuns também nas grandes cidades brasileiras.
Em Ponte City, por exemplo, o artista sul-africano Mikhael Subotzky em colaboração com o inglês Patrick Waterhouse apresentam uma instalação que simula histórias dentro do prédio de mesmo nome e seus personagens, no estilo Eduardo Coutinho. Ponte City é um arranha-céu no centro de Joanesburgo, que foi construído para a população branca na época do apartheid (regime de segregação racial). Tornou-se, no entanto, símbolo de decadência na década de 1980, após ser invadido por gangues.
Ainda no eixo sobre cidades, Karo Akpokiere faz uma sátira ao bombardeio publicitário que invade as metrópoles e as vidas das pessoas. De Lagos, uma das cidades mais populosas do mundo, o designer gráfico apresenta ilustrações que mesclam o caos urbano de uma megalópole com elementos da cultura pop.
Em outro eixo, o corpo como espaço de manifestação estética, uma marca ancestral, é tema das icônicas imagens do nigeriano J. D. Okhai Ojeikere. Ele traz parte de sua mais conhecida obra, Hair Styles, com penteados fotografados ao longo de 40 anos. Cada um deles se assemelha a verdadeiras esculturas. Em muitas culturas africanas, penteados são marcas da religião, posição social e até sinalizam jovens em época de se casar. Eles voltaram com força após a independência dos países. A exibição é uma oportunidade para ver uma boa mostra deles, reunidos em uma parede só.
Do senegalês Omar Victor Diop serão exibidas fotografias que desafiam a visão estereotipada e racista de parte da população em relação a pessoas de pele negra. O Projeto Diáspora explora retratos de africanos ilustres, alguns ainda na condição de escravos, que se tornaram personalidades nos séculos passados.
Sob a influência da pintura barroca europeia, Omar Diop retrata a si no lugar desses personagens, fazendo uma crítica à sociedade, ao incluir elementos como equipamentos esportivos, a exemplo de uma bola de futebol. O artista remete o público a celebridades e atletas de tons de pele negra, do mais claro ao mais escuro, que ainda são alvo de preconceito racial, revelando uma discriminação que transcende fama e dinheiro.
De uma outra perspectiva, Kudzanai Chiurai, do Zimbábue, traz algumas das imagens mais emblemáticas da mostra. Ele brinca com a ideia de voltar ao passado para reescrever o presente. Em suas imagens, o que se vê são fotos que questionam o papel que, automaticamente, uma parte dos espectadores atribui a pessoas negras, o de subalterno, em especial quando negros estão vestidos de maneira tribal. Na série Gênesis, Chiurai mistura figuras do colonizador e do colonizado de maneira que uma reposta imediata sobre quem é quem não seja imediata.
Ainda neste tema, da diáspora e do tráfico de africanos como escravos, prática responsável pelo sequestro de mais de 12 milhões de pessoas, Leonce Raphael Agbodjélou, fotógrafo do Benin, evoca o decreto com o qual a França regulou a escravidão. O Código Negro, de 1685, determinou que pessoas negras escravizadas não tivessem direitos legais e nem políticos por 163 anos. Na obra de mesmo nome, o artista retrata descendentes e seus antepassados nos lugares da escravidão. As peças são montadas em formato de tríptico, que tem origem na Idade Média.
Por fim, em 2018, há 130 anos da abolição no Brasil, o artista carioca Arjan Martins fecha a exposição mostrando, em suas pinturas, os navios que cruzaram o Atlântico com africanos enfiados em porões e que aportaram com os sobreviventes nas Américas. A inspiração dele partiu de uma de experiência em Lagos, onde fez uma residência no bairro onde muitos brasileiros libertos se mudaram após a abolição.
“A exposição acontece num momento em que a herança africana volta a estar em evidência, principalmente no Rio”, destaca o curador. Parte da sociedade cobra a criação de um museu para discutir a diáspora e a herança africana, além de salvaguardas para o Cais do Valongo, o maior porto de desembarque de africanos como escravos na América Latina. O local foi declarado patrimônio da humanidade pelas Nações Unidas no ano passado.
Do Rio, a Ex Africa segue para São Paulo, onde chega em abril e para Brasília, em agosto. Em Belo Horizonte, em 2017, recebeu 150 mil pessoas.
Dentro da temática sobre a diáspora, é esperada este ano uma retrospectiva do grafiteiro nova-iorquino Jean-Michel Basquiat, que é negro, de origem caribenha, autor de algumas das obras mais caras da atualidade. Em 2017, um de seus quadros bateu recorde, ao ser vendido por US$ 110,5 milhões.