O Ministério da Cultura (MinC) celebra, pela primeira vez, o Dia Nacional da Mulher Sambista, comemorado neste 13 de abril, dia em que nasceu a primeira-dama do Samba, como era conhecida Dona Ivone Lara. Sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, o dia entra para o calendário nacional com o objetivo de reconhecer o legado dela e de outras sambistas brasileiras.
Para a chefe da Cultura, essa é uma grande conquista. “Celebrar Dona Ivone Lara com essa data no nosso calendário é eternizá-la e também uma maneira de promover o conhecimento sobre sua vasta contribuição deixada para o país, para as mulheres e para o nosso samba”.
O neto de Dona Ivone, André Lara, artista como a avó, comemorou a homenagem. “A gente está super feliz com essa notícia maravilhosa do Dia Nacional das Mulheres Sambistas, no dia do aniversário da minha avó, que foi uma precursora nesse ambiente, que antigamente era muito restrito aos homens, e ela meteu o pé na janela, mostrou seu samba, mostrou que tinha capacidade. E a gente quer que as pessoas saibam mais da história de Dona Ivone Lara, não só na música, mas também na história da saúde mental, da enfermagem e da assistência social, ela fez história com musicoterapia com doutora Nise da Silveira, um tratamento mais humanizado aos pacientes que levavam choque”, conta o neto da compositora de Sonho Meu.
Nascida no Rio de Janeiro em 13 de abril de 1921, Dona Ivone ficou órfã de pai e de mãe muito cedo e seguiu carreira como enfermeira, tornando-se referência para a luta antimanicomial no país. Ainda nos anos 40 e 50 os sambas que dona Ivone compunha eram levados para o terreiro do Império Serrano e do Prazer da Serrinha, por meio de seu primo, o Mestre Fuleiro, como se fossem sambas dele.
“E acho importantíssimo que se celebre essa data através de Dona Ivone Lara, que é uma pioneira incrível dessa nossa história do samba, uma mulher que nasceu nos anos 20 do século passado, e que pegou todo o começo dessa história, embora tenha nascido no subúrbio e tenha tido uma vivência muito próxima das escolas de samba, ela foi uma mulher que teve muita dificuldade para se encontrar como sambista”, conta Leonardo Bruno, autor do livro Canto da rainha – O poder das mulheres que escreveram a história do samba.
Nos anos 60, Dona Ivone é pioneira ao ser a primeira mulher a integrar a ala de compositores da Império Serrano, levando para a avenida o samba-enredo Os Cinco Bailes da História do Rio, que contava em poesia cinco grandes eventos do passado da cidade, dando uma atmosfera nobre, solene, tal qual um grande baile. “Para se ter uma ideia de como ela foi pioneira, em 1965, ela ainda é até hoje, pois não temos outra mulher que tenha assinado um samba-enredo no Império Serrano”.
A carreira em disco de Dona Ivone começa em 1978, quando ela tinha 56 anos. Após a morte do marido e com os filhos criados é que ela pode se dedicar a carreira de cantora, quando vieram sucessos como Alguém Me Avisou, Acreditar, Sorriso Negro, Tendência e tantos outros sucessos inesquecíveis eternizados na voz de grandes intérpretes e nas rodas de samba país à fora. Dona Ivone faleceu em 17 de abril de 2018.
Leonardo Bruno conta também que foi Dona Ivone quem inspirou a cantora Beth Carvalho a tocar cavaquinho. “Ela começa a querer tocar quando ela vê a Dona Ivone tocando cavaquinho, então olha a importância de você ter esse exemplo, a importância de que a gente conheça essas histórias. A Beth no primeiro disco de samba em 1973, aparece com o cavaquinho na mão, uma outra pioneira, e ela diz que é porque ela via dona Ivone com um cavaquinho na mão, esses exemplos são muito importantes, então a gente sempre lembrar da história de Dona Ivone é fundamental para as próximas gerações”.
O pesquisador ressaltou a importância de nomear a data mulher sambista, que amplia a compreensão do que é ser sambista também para figuras femininas. “A figura do sambista sempre foi muito associada ao universo masculino, então se você pensar na figura visual do sambista, o malandro, vestido com chapéu de palha, com terno de linho, camisa listrada, sapato bicolor, essa é uma figura muito masculina. O samba sempre foi desde o começo do século passado, ao longo de sua história, um ambiente muito masculino, primeiro porque era o ambiente da rua, que em algum momento já foi um ambiente que era mais negado às mulheres”.
Além disso, as mulheres que participaram do começo da história do samba e que tiveram uma importância fundamental, tal como as tias baianas, tia Ciata, de tia Amélia, tia Perciliana. “Essas tias quituteiras, da Praça XI do começo do século passado, elas foram tias que que tiveram uma importância fundamental nessa história, mas que pela sociedade da época não eram reconhecidas como sambistas, eram mulheres que preparavam o terreno para os sambistas, embora existam diversos registros, eu mostro isso no meu livro canto de rainha, de que essas tias baianas também tinham habilidades de samba. Tia Ciata, por exemplo, teria tocado violão, teria sido uma grande partideira, tia Amélia era cantora, tia Perciliana ensinou o Prato e Faca pro filho, João da Baiana, enfim tem vários registros de que essas mulheres também cantavam, dançavam e tocavam samba, mas elas não eram reconhecidas como tal”, conclui Leonardo.
Fabiana Cozza é cantora, escritora, pesquisadora e intérprete de Dona Ivone, e diz que teve a oportunidade de estar com a artista no início de sua carreira e sempre faz um exercício de revisitar sua obra. “A Dona Ivone Lara é um farol para mim, em termos de artista, de mulher, de mulher negra, de dignidade, de qualidade de repertório, de construção de carreira, de posicionamento artístico, de amorosidade. Eu entendo a dona Ivone como uma das grandes protagonistas da cultura brasileira do século 20 e 21”.
“A instituição do Dia Nacional da Mulher Sambista como sendo o mesmo do dia em que nasceu Dona Ivone Lara, com a assinatura de uma outra mulher negra, artista, compositora, que é a ministra da Cultura não é gratuito, isso é um marco na cultura nacional, marco democratico de reparação histórica e de perpetuação de um nome tal qual o de Dona Ivone Lara, mas também um reconhecimento às mulheres que vieram antes até de Dona Ivone Lara. Passa a ser uma data de reparação, de celebração e de não esquecimento”, avalia a cantora.
Patrícia Rodrigues, do Movimento das Mulheres Sambistas, avalia que ter a lei aprovada em âmbito nacional permite provocar a criação de políticas públicas de fomento ao samba e as mulheres sambistas. “Então, penso que para além da vitória coletiva das mulheres do samba, honrando as que vieram antes de nós, esse é um momento importante de visibilidade para a pauta, para o samba que é uma das principais expressões culturais do Brasil e para a discussão sobre oportunidades, acesso e condições de trabalho. É um momento importantíssimo da nossa luta, temos esperança de que dias melhores virão, com mais reconhecimento ao trabalho de toda a cadeia produtiva feminina do samba, artistas, produtoras, empreendedoras e demais trabalhadoras da cultura popular”.
O Projeto de Lei que deu origem ao Dia Nacional da Mulher Sambista é do ex-deputado Federal Chico D’Angelo.