Martinho da Vila lança seu novo álbum “ALÔ, VILA ISABEEEEL”

Diário Carioca

Martinho da Vila queria fazer uma homenagem a sua escola do coração, a Vila Isabel. Poderia ter feito um livro, como tantos que já escreveu (foram mais de 15, o que o levou a ser eleito para a Academia Carioca de Letras). Ou poderia ter elaborado um enredo (muitas ideias suas já passaram pela Sapucaí, incluindo o mítico “Kizomba – A festa da raça”). Ou ainda, quem sabe, poderia ter organizado um grande evento (ele é um agitador cultural de mão cheia, idealizador, entre outros, dos “Encontros Internacionais de Arte Negra”). Mas os acordes que vêm das calçadas musicais falaram mais alto, e Martinho resolveu fazer um disco. E, como já é hábit­­­o em sua carreira, os discos sempre vêm carregados por um conceito. Nesse, a ideia era clara: contar a história do Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel.

O projeto era antigo, mas quiseram os deuses do samba que ele fosse para as ruas no ano em que o cantor completa oito décadas de vida. Ora, esses tais deuses sabem o que fazem: as trajetórias de Martinho e da agremiação se entrelaçam, numa relação simbiótica em que é impossível imaginar um sem o outro. Festa de Martinho é festa da Vila, e vice-versa – e sortudos somos nós que temos esses dois pilares da cultura brasileira para festejar.

Martinho é malandro experimentado, criado nas cachoeiras de Duas Barras, curtido nas vielas da Boca do Mato. Disposto a garimpar músicas que falassem da branco e azul, ele usou um expediente comum nos tempos em que começou no carnaval: reuniu a ala de compositores da escola, e pediu que os poetas levassem suas obras. A peneira foi árdua. O disco traz 25 canções, mas poderia ter o dobro, tamanha a qualidade da produção. E o cantor ainda fez mais: convidou a turma para participar com ele. Sim, mais do que um simples registro do cancioneiro, “Alô, Vila Isabeeeel” é uma reunião de bambas que têm a vila-isabelice no sangue – são quase 20 vozes nas 13 faixas, sempre sob o comando do mestre.

O CD já abre com uma inédita. Se a ideia era contar a história da Vila Isabel, nada melhor do que começar com “Quatro de abril”, que fala da fundação da agremiação, “três dias depois da mentira”. De quebra, Martinho homenageia Wilson Caetano (autor da canção com Nelson Nogueira), compositor da escola há mais de 45 anos, que nunca levou um samba-enredo para a Avenida. A Vila foi fundada em 1946, e em suas duas primeiras décadas alternava as últimas colocações do desfile oficial com passagens pelo segundo grupo. Foi só com a chegada de Martinho, no fim dos anos 60, que a escola conseguiu furar o bloqueio das quatro grandes da época (Portela, Mangueira, Império e Salgueiro) e passou a figurar nas primeiras posições. Mas o título não vinha. Escolas da “nova geração”, como Beija-Flor, Imperatriz e Mocidade, começaram a ganhar campeonatos, e nada de a Vila subir ao lugar mais alto do pódio. Foi essa a inspiração para “Sempre a sonhar”, uma das faixas mais lindas do disco, com letra de Martinho e música de Ruy Quaresma, que fala sobre o sonho dos vila-isabelenses de serem campeões do carnaval (“Quando o sonho acontecer / E todo o morro descer / Numa tremenda euforia / Eu vou tentar me segurar / Pra não gritar, nem chorar / E nem cair na orgia”), relembrando os fundadores e fazendo uma ode à comunidade do morro. Foi registrada no CD “Martinho da Vila Isabel”, de 1984, quando a escola ainda estava longe do campeonato.

Mas ele viria quatro anos depois. Antes de entrar na Avenida, no ano em que se comemorava o centenário da Abolição da Escravatura, a Vila esquentou com o samba de terreiro “Na boca da Avenida”, de Martinho e Galhardo, relembrado na segunda faixa do CD. E, na quarta faixa, o ouvinte se delicia com uma inspirada versão do samba campeão de 1988, o clássico “Kizomba – A festa da raça”. Quando todos achavam que não era mais possível regravar a obra de Luiz Carlos da Vila, Rodolpho e Jonas sem cair na mesmice, Martinho traz uma releitura com voz e piano para o hino, em belo arranjo feito por sua filha, Maíra Freitas.

E Maíra não fica só no piano. A moça também solta a voz na faixa seguinte, que relembra quatro antigos sambas de terreiro de Martinho: “Vila Isabel” (parceria com Moacyr Luz); “Graça divina” (escrita com Luiz Carlos da Vila); “No embalo da Vila”; e “Renascer das cinzas” (canção tão importante que teve suas notas gravadas nas calçadas musicais do Boulevard 28 de Setembro, ao lado de “Carinhoso”, “Feitiço da Vila” e outras pérolas da nossa música popular).

As compositoras de Vila Isabel estão representadas em “Segunda opção”, feita especialmente para o disco por Mart’nália, Dona Ivanísia e Claudia Nel. Outros dois filhos do cantor, Analimar Ventapane e Martinho Antônio, participam da faixa seguinte, que traz sambas de compositores da antiga. “Samba do Samuel” é de Paulo Brazão, fundador da escola, ex-presidente e autor de 16 sambas-enredo. Já “Vem pro samba, meu amor” é de Deógenes, outro bamba que fazia sucesso na ala da branco e azul, mas que nunca venceu uma disputa de samba-enredo. E “Força total” é de uma dupla que fez história no carnaval: Jonas compôs “Kizomba”, e Arroz é um dos autores de “Yes, nós temos Braguinha”, samba que deu à Mangueira o primeiro título do Sambódromo, em 1984. E, além de mostrar que a Vila tem um passado glorioso, Martinho quis registrar que o futuro é promissor: cria da escola mirim Herdeiros da Vila, o jovem Juan também canta no pot-pourri.

Seguindo o conceito de contar a história da Vila Isabel, Martinho sabia que tinha outras duas deliciosas “obrigações”. A primeira era trazer canções de Noel Rosa, que apesar de não ter conhecido a escola (morreu nove anos antes da fundação), até hoje é a grande inspiração da branco e azul. Assim nasce a faixa com “Palpite infeliz” e “Feitiço da Vila”, encerrada por “Alô, Noel”, com participação de Claudio Jorge e da Velha Guarda Musical de Vila Isabel. Outros dois sambas que não podiam ficar de fora eram os que levaram a escola a mais dois títulos do carnaval: “Soy loco por ti, América” (com participação do histórico puxador Gera), e “A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo” (com Tunico da Vila e Juju Ferreirah).

Em “Filho fiel”, outra inédita, temos a participação de Dunga, mas vale esclarecer: esse não é o compositor que ao lado de Jair Amorim compôs o clássico “Conceição”, marco da carreira de Cauby Peixoto. O Dunga de “Conceição” (Valdemar de Abreu) foi contemporâneo de Noel Rosa e fez parte da Ala de Compositores da Vila Isabel por mais de 50 anos, mas morreu nos anos 90. O Dunga que temos neste disco (Amarildo da Fonseca) é da geração do pagode nos anos 80, e um dos destaques do projeto “Quintal do Pagodinho”. Pra vocês verem… a fileira de poetas da Vila é tão vasta que até “Dungas” tem pra dar e vender! E ambos craques da caneta! Dá pra imaginar como era a reunião dessa ala nota 10? E olha que aqui nem vamos falar de Gemeu, Guadalupe, Graúna, Paulinho da Vila, Jorge King, Bocão, Djalma Sapo, Leonel, Ovídio, Boanézio, Eraldo Devagar, Simplício e tantos outros…

Foi para tentar reproduzir o clima dos encontros desses compositores que surgiu o pot-pourri com “Um barraco na Vila”“Feliz da Vila”“Filho da Vila”“Isabel” e “Vilancete”. Com participações de Gaúcho da Vila, Agrião, Raoni Ventapane, Jejê do Caminho e Jorge Tropical, a faixa de inéditas traz o espírito de uma roda de samba, relembrando os ensaios de antigamente, que eram sempre abertos pelos compositores, mostrando seus sambas novos. Aqui, o espírito é de alegria, mas o sentimento é de nostalgia… Ô, tempo bom!

E passeando por essa história tão vitoriosa, Martinho não poderia deixar de trazer o compositor que deu a cara recente aos sambas-enredo da Vila Isabel: André Diniz, um dos autores que mais teve obras cantadas na Marquês de Sapucaí. Ele apresenta “Pagode do Seu China”, também composta especialmente para o projeto, homenageando no título o grande fundador da agremiação.

E assim Martinho constrói um refinado painel de sua escola do coração. Esse CD é a coroação de um casamento que já completou bodas de ouro. Contando do primeiro samba que o compositor levou para a Avenida, “Carnaval de ilusões” (1967), ao mais recente, “Memórias do Pai Arraia” (2016), foram 50 carnavais de pura paixão em branco e azul (vocês já perceberam que a Vila não é “azul e branco” como as outras, né?). Nesse período, Martinho reinventou o samba-enredo, fazendo música sem rima, inovando no vocabulário, cantando a liberdade em plena ditadura e levando o partido-alto para a Avenida – sua importância para o gênero só é comparável à de Silas de Oliveira. Nos três títulos da escola, teve participação decisiva, fazendo o enredo ou o samba; mas não apareceu só nos momentos de glória, sendo fundamental também quando a Vila estava na pior. Lutou pela quadra, fez shows para pagar o barracão, carregou o nome da Vila pelos quatro cantos do mundo. Este álbum surge como um agradecimento seu à Vila Isabel. Mas bem que poderia ser o contrário… E o poeta merece receber esse carinho de volta. Tenho certeza de que cada um dos integrantes e torcedores que passaram pela escola nestes 72 anos, ao terminar de ouvir o CD “Alô, Vila Isabeeeel”, vai abrir um sorriso largo e, como quem dá um abraço fraterno, com o rufar da bateria ao fundo, vai sussurrar: “Obrigado, Martiiiinho!”.

LEONARDO BRUNO é autor do livro “Cartas para Noel – Histórias da Vila Isabel”

 

Show de lançamento “Alô Vila Isabeeeel!!!”

Local: Teatro Bradesco Rio

Data: 25/01/2018, às 21h

Endereço: Av. das Américas, 3.900. Loja 160 – Shopping Village Mall

Barra da Tijuca – Rio de Janeiro – RJ – CEP 22.640-102

Classificação: livre

Vendas:

Bilheteria do Teatro Bradesco Rio

Av. das Américas, 3.900 / Loja 160.

De segunda a segunda, das 13h às 21h.

 

Ingresso Rápido – Call Center

4003-1212

De segunda a sábado, das 11h às 19h, e feriados, das 12h às 18h.

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