Silva é daqueles artistas que fazem o complexo soar simples. É preciso tanto habilidade quanto talento para se chegar a essa assinatura. E o cantor, compositor, produtor musical e multi-instrumentista capixaba encaixou as duas características em seu trabalho nesta década de trajetória.
Do violino e piano, ele verteu para o indie pop com presença eletrônica nos primeiros trabalhos. Tocou e cantou com Fernanda Takai, Lulu Santos e a partir de 2016, montou em combo MPB. Fez turnê da obra e gravou com Marisa Monte, e duetou com Ludmila e Ivete Sangalo, abrindo ainda mais o espectro de seu cancioneiro.
Até desaguarmos em Cinco, décimo álbum da carreira, o quinto de inéditas, onde viaja da MPB ao Soul Music e Ska, com escalas na Bossa Nova, Jazz e samba. O álbum foi inteiramente produzido e mixado por Silva, que o fez de forma 100% analógica.
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A música é o meu chão. É onde eu encontro sentido para as coisas e para esse mundo tão controverso. Fazer música, em sua grande diversidade de sentidos e significados, é a minha razão de viver. Hoje, vivendo de música, nunca imaginei chegar tão longe. E já que tão longe cheguei, chego também ao meu quinto disco autoral, que muito intencionalmente se chama Cinco. Cinco sou eu, Silva, com 5 letras, e Lúcio, também com cinco letras. Cinco é mãe Oxum, a me lavar com suas águas; é o número de vezes que já me apaixonei nessa vida, e é as vezes que fui a Salvador no último ano. Cinco representa pra mim um novo ciclo em minha identidade como pessoa e artista. Sendo assim, é muita coisa! Esse foi o disco ao qual eu tive mais tempo de me dedicar, produzindo tudo passo a passo, por muitos meses. Eu e meu irmão, Lucas (5), pudemos como nunca focar em todo longo processo de composição, faixa a faixa, sem correria, como amamos fazer. E o resultado é esse álbum, que muito me orgulha. Espero que meu disco te inspire e te emocione, que tire qualquer eventual poeira dos seus olhos, para que você possa ver que a vida, mesmo quando dura, vale ser vivida com leveza e beleza. Axé! Amém! – Silva.
CINCO | Faixa a Faixa
Passou Passou – No primeiro single do álbum, lançado em outubro, soa como se Chico Buarque fosse cantar no Madness. O Ska encontra a brasilidade na mistura de metais, cordas e cadência.
Sorriso de Agogô – Na segunda canção, mostrada ao público em novembro, o artista cita o tradicional instrumento do samba, mas a canção caminha por MPB suave, embalada em teclado típico dos anos 1970 (você espera a qualquer momento da música o vocoder entrar em ação) e a cadência ruma à Bossa imortalizada por João Gilberto.
No Seu Lençol – Escancara o anúncio do Dub, no eco e no reverb da bateria que abre a música. Daí para frente, corre na fronteira entre o Reggae e a MPB. O reggae que ouvimos aqui é aquele que alguns chamam de early reggae com pinceladas de anos 60.
Pausa Para Solidão – É uma delícia sonora, que parece acarinhar os ouvidos na levada de violão e vocal. As linhas de baixo fazem costura suave em uma daquelas obras que gabarita a tal da canção bem-feita.
Não Vai Ter Fim – O timbre de bateria não muda, mas a cadência é para o Funk e Soul que dominou boa parte da música brasileira no final dos 60 e começo dos 70. Os arranjos crescem em camadas e emulam o melhor de Roberto Carlos desse período. O sintetizador presente nos graves faz nossa mente projetar um encontro entre Roberto e Childish Gambino.
Jogo Estranho – A progressão de acordes de violão não deixa dúvidas do DNA sovado na MPB raiz, mas a marcação da bateria, com um som propositalmente sacana de caixa, complementa com a devida crocância.
Facinho – Silva se diverte nesse segundo dueto (da carreira) com Anitta, em mais um Ska meets MPB rasgado e pra cima.
Você – Novamente o violão aponta a direção da MPB para a música, que tem aquela marcação de bateria no aro (ring shot) tanto a confundir sobre a pureza da fonte quanto a refrescar a audição. O arranjo de cordas traz nuances impressionistas e nos leva até o interlúdio final, que coroa a faixa.
Quimera – Essa faixa traz uma mistura bastante inusitada. A melodia é brasileiríssima, a bateria tem um quê de Al Green, os sintetizadores trazem o ouvinte para 2020 e a melodia do refrão poderia ser de um pagode dos anos 90, mas não é bem assim que a gente deve entender uma música. A soma de todas essas ideias é o que faz dessa faixa uma criação sedutora.
Não Sei Rezar – O violão deixa o campo da harmonia e engrossa o caldo da melodia junto ao vocal de Silva – os dois tecem mais uma Canção com C maiúsculo do trabalho.
Furada – Aqui o protagonismo vai para a cozinha, na linha de baixo que metralha sob o retumbar de bateria, arranjos de metais e suingue que ganha corpo em acompanhamento de palmas. É uma canção maldosa na medida certa.
Quem Disse? – A batida fica entre o Jazz e a Bossa, o vocal acompanha o beat, assim como o piano elétrico escancaradamente jazzístico de João Donato. A bateria inconfundível de Paulinho Braga somada aos arranjos de sopro de João, fazem a faixa soar como um clássico de Donatão que não ouvíamos há tempos.
Soprou – É um samba que remete à origem no Recôncavo Baiano, como se composto por Caetano e vocalizado por Clara Nunes, mas em roupagem apropriada para o dueto de Silva com Criolo. A segunda parte, escrita por Criolo, surpreende e traz o ouvinte do passado para o presente-futuro que a gente gostaria de ver e ouvir.
Má Situação – A faixa foi toda gravada e orquestrada por Pretinho da Serrinha, que emprestou seu talento e gravou a cuíca, o cavaquinho, o violão e todos os elementos percussivos que abrem e crescem a canção até que erupcione em Samba de Roda, fechando o trabalho com todos os requintes de quem conhece o que acaba de mostrar em 50 minutos divididos por 14 músicas.