Festival de teatro na Venezuela recebe grupos de 17 países para debater arte e política

Diário Carioca

Atores, diretores e dramaturgos de várias partes do mundo se reuniram na Venezuela nas últimas duas semanas para apresentar suas obras, trocar experiências e discutir a relação entre o teatro e a política. Os encontros se deram no Festival Internacional de Teatro Progressista, que contou com a presença de grupos de 17 países da África, Europa e América Latina.

Além de mais de 150 espetáculos em cartaz, o evento contou com mesas de debate sobre artes cênicas, teatro político e a integração cultural entre as companhias participantes.

A maioria das obras exibidas tratavam de temas relacionados a causas populares como direitos humanos, migração, lutas sindicais e imperialismo. A peça “As Veias Abertas”, por exemplo, apresentada pelo grupo cubano Teatro La Rosa, abordou episódios de resistência na América Latina através de uma releitura da obra clássica do escritor uruguaio Eduardo Galeano.

Ao Brasil de Fato, a diretora e protagonista do espetáculo, Roxana Pineda, defendeu a utilização do teatro como meio para transmitir mensagens políticas, “especialmente em um momento que o continente está ameaçado pela extrema direita”.

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“A arte é uma arma muito eficaz, pois tem uma maneira de discursar que é diferente da política, mas que tem a capacidade de tocar muito fundo. É um espaço de independência, de liberdade, de provocação, de resistência. E os textos foram escolhidos em função disso, ou seja, são textos que falam de uma realidade de defesa do que somos na América Latina”, afirma.

Pineda ainda destaca a importância da troca cultural entre países que sofrem sanções dos EUA, como Cuba e Venezuela, e afirma que os textos de Galeano escolhidos para a obra também estiveram voltados a explorar essa relação. “Esse é um espaço muito importante, porque traz obras que geralmente ficam relegadas a um segundo plano no mundo da chamada arte contemporânea”, diz.

Grupo do Brasil fala das greves de 1979

O festival também recebeu companhias internacionais que se apresentaram pela primeira vez na Venezuela. Foi o caso da Companhia do Latão, tradicional grupo do Brasil. Eles trouxeram a Caracas a obra “O Pão e A Pedra”, escrita em 2016 por Sérgio de Carvalho, diretor da peça.

O texto trata das greves de 1979 no ABC paulista, que ocorreram nos últimos anos da ditadura militar e acabaram se tornando um importante marco na luta pela redemocratização. Ao Brasil de Fato, Carvalho afirma que a peça busca explorar as dificuldades do aprendizado político daquela época.

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“A obra mostra trabalhadores no tempo da greve de 1979 se politizando, a partir de uma luta que era econômica, por melhores salários, eles vão trabalhando junto com estudantes, religiosos, enfim, uma variedade humana. A peça é sobre aprendizado e ainda está muito atual, vai continuar atual, porque ela fala de um aprendizado em condições difíceis, de luta, com a alegria dos encontros da vida popular”, afirma.

Já Maria Lívia Nobre, assistente de direção, destaca o diálogo entre a obra e o tempo histórico no qual ela foi escrito, durante o processo político que levou à derrubada da ex-presidenta Dilma Rousseff, e como a peça segue se relacionando com as transformações políticas atuais.

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“Nós escolhemos falar do Lula, porque foi a greve que ele se consolidou como grande liderança, mas nós deixamos claro que ele não seria representado. É lógico que ele está presente, tanto no discurso, como no imaginário, mas há muita disputa correndo junto e foi para isso que nós olhamos, para esse aprendizado e para essa experiência coletivizante, como ela pode ser no teatro e fora dele”, diz.

Contato com a Venezuela

Por ser a primeira vez que visitam a Venezuela, a companhia brasileira disse que aproveitou a ocasião para trocar experiências com outros grupos latino-americanos. Segundo os membros do grupo, o convite para o festival chegou em um momento de retomada de trabalhos.

“Com a chegada da extrema direita no governo brasileiro e a pandemia, os grupos de teatro no Brasil perderam muito financiamento e isso aconteceu conosco também”, afirma Maria Lívia Nobre. “Curiosamente, nossa retomada foi mais fora do Brasil do que no país, nós fizemos no ano passado uma apresentação em Portugal, em março fomos a Cuba e agora Venezuela e esse caminho foi uma alegria muito grande”, diz.

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Os diretores também falaram sobre a oportunidade de ter contato com o cotidiano da capital venezuelana, Caracas, e com a realidade social e econômica do país que é constantemente lembrado pelas dificuldades e crises que passou nos últimos anos.

“Nós estamos aqui tendo um contato real com as experiências”, aponta Sérgio de Carvalho. “É óbvio que todo país tem contradições, dificuldades, mas a dificuldade de enfrentar o império dos EUA, que promoveu golpes ao longo da história da América Latina, que impôs uma visão de mundo dominante, que promove guerras pelo planeta é maior”.

Ainda segundo o diretor, o grupo pôde conhecer “experiências de povos que estão lutando e tentando outras coisas, com suas dificuldades históricas, e para nós é muito importante saber que tem gente trabalhando na contramão do que domina hoje um certo lado do planeta e que promove muita mistificação”.

Edição: Thales Schmidt

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