Gerald Thomas dirige novo espetáculo em São Paulo

Diário Carioca

Com uma habilidade genial para ironizar e satirizar os desvios comportamentais da sociedade, Nelson Rodrigues criou um teatro único e universal que vem atravessando décadas com a mesma vitalidade. A trama da sua peça “Doroteia” nos mostra a personagem título quando, depois da morte do filho, resolve abandonar a prostituição e procurar por suas primas em busca de uma vida virtuosa. No entanto, elas a repudiam por causa de seu passado e por julgarem que sua beleza atrai o pecado. Para aceitá-la, lhe impõem uma condição, Doroteia precisa ficar feia.

Em síntese, essa é a trama de “Doroteia”, mas Gerald Thomas não vai encenar a peça. Ele parte dela e das provocações que ela lhe imprime para produzir um espetáculo (um estudo) que de alguma forma dialogue com a Doroteia de Nelson Rodrigues, ao mesmo tempo em que investiga a alma do seu criador e o seu tempo.

“Nelson Rodrigues foi a própria Weltschmerz* em pessoa, mas ninguém lhe dava o crédito humanístico para tal. Ele era “tudo”, mas esse tudo não compreendia o sofredor do mundo. Weltschmerz é o peso que eu atribuo a essa peça que aqui não enceno. O que enceno são estudos. Estudos decompostos dela. Estudos como se fossem gargarejos, ou ruídos ainda vindos de Hiroshima ou das profundezas de Auschwitz ou de qualquer lugar onde a tirania… sim, a tirania militar ou qualquer outra roubasse a alma humana do corpo, rasgasse a alma, esquartejasse a alma como se não valesse coisa nenhuma e a trocasse por alguns míseros centavos de beleza postiça”, comenta Thomas. 

Se formos tratar dos conceitos desta encenação de Thomas, talvez o mais eminente, nesse momento, é dizer que “F.E.T.O. (Estudos de Doroteia Nua Descendo a Escada)” é livremente inspirado na farsa irresponsável de Nelson Rodrigues, tendo como cruzamento o famoso trabalho de Marcel Duchamp “O Nu Descendo a Escada” e a obra “No Vento e na Terra I”, de Iberê Camargo.

“Há duas semanas me deparei novamente com “No Vento e na Terra I”, pintura de Iberê Camargo (muito provavelmente uma das telas mais emocionantes que conheço). Eles dois e também o Marcel Duchamp são estudos fascinantes e rumos fascinantes. Rumos plásticos, rumos drásticos e rumos obviamente dramáticos. É só ver a natureza do que está implícito em tudo isso: Camargo, Rodrigues e Duchamp.” (Gerald Thomas – São Paulo, 20 de junho de 2022)

Para este trabalho, Gerald reúne um time de artistas de peso, como Fabiana Gugli (que já vem de uma longa parceria artística com o diretor), Rodrigo Pandolfo, Raul Barreto, Beatrice Sayd, Ana Gabi e a norte-americana Lisa Giobbi, que atuou em “Dilúvio” e também assina coreografia e codireção. O desenho de luz é de Wagner Pinto e a direção de produção é de Dora Leão, também parceiros de longa data do diretor.

O espetáculo estreia em 27 de julho, quarta-feira, às 21h, no Teatro Anchieta – Sesc Consolação, onde fica em cartaz de quarta a sábado, às 21h, e domingos, às 18h, até final de agosto.

* Weltschmerz (do alemão), literalmente dor de mundo, também cansaço do mundo. Seu significado original no dicionário alemão Deutsches Wörterbuch, concebido pelos Irmãos Grimm, denota uma tristeza profunda sobre a insuficiência do mundo. 

Gerald Thomas – minibio

Autor e diretor de teatro cujas habilidades alcançam a dramaturgia, iluminação, cenografia, figurino, desenho e música. Nascido em Nova York (EUA), em 1954, entre 7 e 15 anos de idade, morou no Rio de Janeiro com seus pais, depois viveu por quase 1 ano em Nova York e 8 anos em Londres.

Sua extensa trajetória o fez passar por pelo menos 15 países e vencer por duas vezes o Prêmio Molière e uma vez o Prêmio Mambembe. Criador de uma estética elaborada a partir do uso diferenciado de cada um dos recursos teatrais e orientada pelo conceito de “ópera seca”, Gerald Thomas renova a cena brasileira nas décadas de 1980 e 1990. Dirigiu, entre outros: Fernanda Montenegro, Tônia Carrero, Sérgio Britto, Ítalo Rossi, Rubens Corrêa, Marco Nanini, Ney Latorraca, Julian Beck, em peças marcadas pela ousadia e irreverência, tornando-o um dos mais instigantes encenadores da atualidade.

Sua carreira teve início em Londres, onde participa do grupo performático e multimídia Exploding Galaxy. No grupo amador Hoxton Theatre Company, realiza suas primeiras experiências como diretor. Já em Nova York, trabalha no La MaMa, espaço dedicado a encenações experimentais de todo o mundo, onde produz três espetáculos consecutivos, com textos de Samuel Beckett. Desde o primeiro projeto, Thomas visa uma proposta teatral na qual a identificação emocional seja suprimida, dedicando-se a mostrar o pensamento como processo, e o processo como tempo e espaço da cena. Trabalhou com Samuel Beckett, inicialmente em Paris, adaptando novas ficções do autor, entre elas, All Strange Away e That Time com Julian Beck, em sua única atuação como ator fora do Living Theatre. Em 1986, funda a Companhia de Ópera Seca, onde solidifica sua dramaturgia paródica e desconstrutivista, além de iniciar parceria com o compositor Philip Glass e o dramaturgo alemão Heiner Müller. O filósofo Gerd Bornheim considera que Thomas representa, no campo das discussões teatrais, mais do que um propositor de estéticas, mas “um pensador prático criador de uma Poética, ou seja, de um modo de produzir o novo”.

No Brasil, seus espetáculos mais recentes foram: “Entredentes” (2014), “Dilúvio” (2017) e as peças online “Terra em Trânsito” e “G.A.L.A”, ambas em 2021. Thomas é ainda autor dos livros: “Nada prova nada” (Record, 2011), “Arranhando a superfície” (Cobogó, 2012), sua autobiografia “Entre duas fileiras” (Record, 2016) e “Um circo de rins e fígados: o teatro de Gerald Thomas” (Edições Sesc, 2019). No segundo semestre de 2022, lança seu novo livro “Blow – Cocaine” pela Galileu Edições.

Para conhecer mais a respeito da trajetória e trabalhos do autor e diretor Gerald Thomas acesse http://www.geraldthomas.com.

Ficha técnica

Criação e direção: Gerald Thomas

Coreografia aérea e co-direção: Lisa Giobbi

Elenco: Fabiana Gugli, Rodrigo Pandolfo, Raul Barreto, Lisa Giobbi, Beatrice Sayd e Ana Gabi

Dramaturgismo: David George

Desenho de luz: Wagner Pinto

Cenografia e direção técnica: Fernando Passetti

Figurinos: João Pimenta

Trilha Sonora – composição original: Eduardo Agni

Sonoplastia: Ale Martins

Adereços: Clau Carmo

Preparação corporal: Fabricio Licursi

Assistência de direção: André Bortolanza

Direção de produção: Dora Leão

Assessoria de imprensa: Ney Motta

Realização: Sesc São Paulo

Serviço

Espetáculo: F.E.T.O. (Estudos de Doroteia Nua Descendo a Escada)

Livremente inspirado em Doroteia de Nelson Rodrigues

Estreia nacional: 27 de julho de 2022, quarta-feira, às 21h

Temporada de 27 de julho até 28 de agosto de 2022

Dias e horários: Quarta a sábado, às 21h, e domingos, às 18h

Local: Teatro Anchieta – Sesc Consolação

Rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, São Paulo

Informações: 11 3234-3000
Lotação do teatro: 280 lugares
Valor dos ingressos: R$ 50,00 (inteira) e R$ 25,00 (meia entrada) e R$ 15,00 (credencial plena)
Ingressos adquiridos na bilheteria ou antecipadamente pelo site sescsp.org.br

Ingressos disponíveis para venda em sescsp.org.br (dia 12/7 a partir das 12h) ou nas bilheterias das unidades do Sesc São Paulo (dia 13/7 a partir das 17h) 

Classificação: Indicado para maiores de 16 anos

Duração: Aproximadamente 120 min

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