Uma foto de Vinicius de Moraes (1913-1980) ao lado de Pixinguinha, Baden Powell e Dorival Caymmi – e com Tom Jobim presente na capa de um disco nos braços do poeta – antecipa o que o visitante da nova exposição do Farol Santander verá: encontros e afeto.
Vinicius de Morais – Por Toda a Minha Vida, aberta nesta sexta-feira, 21, e em cartaz até 26 de fevereiro, ocupa dois andares do histórico prédio no centro de São Paulo e vai na contramão das exposições da moda – imersivas, sensoriais e instagramáveis.
“Aqui, 90% é papel. Uma exposição à maneira antiga, com manuscritos, desenhos de figurinos, capas de discos, primeiras edições de livros, cartazes, projetos de ilustrações para A Arca de Noé que nunca foram usados e eram desconhecidos da própria família, fotos”, comenta Eucanaã Ferraz, um dos curadores da mostra.
Há ainda muita fotografia, obras de arte e um pouco de vídeo e música. E para quem não abre mão de uma foto para postar, no segundo andar há uma instalação dedicada a um dos principais projetos culturais para a infância: A Arca de Noé.
Trata-se de uma salinha no final do corredor, que o visitante acessa depois de passar por uma cortina azul como se entrasse no mar. Ali, reencontra as imagens de Elifas Andreato que povoaram a infância de todas as gerações de brasileiros desde o lançamento do disco, em 1980 (uma década depois da publicação do livro, com os poemas escritos para os filhos Suzana e Pedro).
E, ao som da música que abre o álbum e dá nome a ele, interpretada por Milton Nascimento e Chico Buarque, conhece os estudos para a ilustração da capa – os desenhos a que Eucanaã se referiu – e tira a foto com a arca cenográfica.
ESPAÇOS
A mostra é dividia ainda nos núcleos Poesia, Música e Cidades – lembrando que Vinicius foi diplomata entre os anos 1940 e 1960. A exposição quer apresentar a multiplicidade de Vinicius, mas sabe que a tarefa é difícil. Há informações sobre vida e obra, porém mais marcante é a emoção que emana de sua entrega e de sua poesia, e a nostalgia dos tempos de relações mais delicadas.
Feitos e memórias do poeta, entre quadros, livros, músicas e poemas
A letrinha redonda caprichada de Vinicius Moraes é uma constante na exposição Por Toda a Minha Vida – nas várias versões de um poema, numa dedicatória especial, na correção de uma palavra na letra da nova música, no verso do LP Canção do Amor Demais, de Elizeth Cardoso. As fotos com os inúmeros amigos e parceiros, também.
Helena Severo, curadora ao lado de Eucanaã Ferraz, conta que uma das preocupações foi reunir o maior número de documentos possível. São mais de 200 itens. Há ainda vídeos, em que é possível vê-lo cantando Garota de Ipanema e, com Toquinho, Samba da Bênção.
“Esta é uma exposição sobre o Vinicius poeta, e a partir daí apresentamos suas conexões com as artes plásticas, por exemplo”, define Helena. Uma ligação que foi pessoal e profissional.
Quem for à exposição verá, então, além da intimidade dos escritos de Vinicius, muitos quadros e esculturas originais de artistas como Portinari, Guignard, Cicero Dias, Carlos Scliar, Pancetti, Santa Rosa, Dorival Caymmi, Carybé e Ana Martins, além de estudos de Djanira para o cartaz de Orfeu da Conceição e de Elifas Andreato para A Arca de Noé.
Uma dessas telas, o retrato do poeta feito por Portinari em 1938, pertencente ao acervo da família, está sendo exposta ao público pela primeira vez, segundo os organizadores.
Helena também destaca a aproximação com a música popular, algo que à época era visto como menor por outros poetas, e diz que isso foi um divisor de águas na MPB – da qual ele foi um dos protagonistas desde o fim dos anos 1950 até a morte.
Para Eucanaã, Vinicius de Moraes foi um artista de grande envergadura intelectual, mas que antecipou um compromisso da arte com o mundo popular. “Orfeu da Conceição é um grande símbolo disso”, comenta. Quase metade de um dos andares é dedicada à peça e ao filme.
O curador comenta ainda a possibilidade de se conhecer os bastidores de criação de uma obra. “O trabalho de todo poeta é muito invisível. Aqui você tem muito claramente a oficina do Vinicius, suas versões para um mesmo texto. Dois exemplos: Soneto da Separação e Garota de Ipanema, com o texto final e os preliminares.
FAMÍLIA
Terceira filha de Vinicius, Georgiana de Moraes comenta que tinha entre 26 e 27 anos quando “obrigou” o pai a deixá-la tocar chocalho num show e seguiu com a turnê. “Foi um jeito de estar perto dele e foi muito bom”, conta ao Estadão, na frente das fotos dela e das irmãs, todas pequenas. Do que ela tem mais saudade?
“Muita saudade daquele Brasil. Daquele Brasil que tinha Vinicius e aquelas pessoas todas. Mas também muita saudade de sua presença, dele. Meu pai foi uma pessoa muito acolhedora e amorosa, e deixou saudade em um monte de gente. Sou filha, mas sei que ele é de todo mundo”, diz – e comemora o interesse sempre renovado na obra do pai: Diogo Pires Gonçalves prepara seriado sobre afrossambas; os irmãos Gulanne, A Arca de Noé em desenho animado; e até o fim do ano deve sair um livro de crônicas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo