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quarta-feira, dezembro 25, 2024

Defesa ambiental ou protecionismo? As novas regras que podem dificultar a entrada de produtos agrícolas brasileiros na Europa

EconomiaDefesa ambiental ou protecionismo? As novas regras que podem dificultar a entrada de produtos agrícolas brasileiros na Europa

Filipe Prado Macedo da Silva, Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Não existem dúvidas na comunidade científica de que vivemos uma emergência climática internacional. Um recente relatório do Institute for Economics & Peace revelou que, globalmente, “a frequência de desastres naturais aumentou dez vezes desde os anos 1960, saltando de 39 incidentes em 1960 para 396 em 2019”.

Além da queima de combustíveis fósseis, o desmatamento e a degradação florestal estão entre as principais fontes das emissões de gases de efeito estufa.

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Dados alarmantes da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estimam que, na média, o mundo perde 10 milhões de hectares de vegetação por ano. Entre 1990 e 2020, a FAO calcula que em todo o mundo foram desmatados e degradados ao redor de 420 milhões de hectares, equivalente a metade da superfície territorial do Brasil. Isto corresponde a 10% das florestas que ainda existem no mundo.

É neste contexto que a União Europeia criou, em 2023, o chamado Regulamento de “Produtos Não Associados” ao desmatamento, um novo paradigma ambiental gerado a partir de demandas da sociedade civil e dos Acordos Climáticos de Paris, previsto para entrar em vigor em 2024, mas que acaba de ter sua implantação adiada por mais um ano.

Na prática, a aplicação dessas novas regras tenderá a dificultar a entrada de muitos produtos agropecuários estrangeiros, incluindo os brasileiros, no continente europeu. E justo num momento em que o protecionismo se fortalece como política de Estado no mundo inteiro. O que gera o questionamento: seria essa iniciativa uma legítima tentativa de proteger o meio ambiente global frente à emergência climática ou uma ação orquestrada de protecionismo contra produtos estrangeiros? É a dúvida que este artigo pretende desvelar.

Como tudo começou

Em dezembro de 2019, a UE apresentou ao mundo seu ambicioso Pacto Ecológico Europeu, com o propósito de tornar a Europa o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050.

No contexto deste pacto, a UE há anos vem deliberando diferentes estratégias verdes. Como, por exemplo, a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030; a Estratégia do “Campo para a Mesa”; o Plano de Ação “Poluição Zero”; e, o Regulamento de “Produtos Não Associados” ao Desmatamento e à Degradação Florestal.

Além destes, vários outros regulamentos já foram aprovados, e estão em vias de entrar em vigor. Alguns outros estão em fase de debates legislativos.

O fato é que a UE não esconde o seu interesse de ser “influenciador normativo” do mundo com o seu novo paradigma ambiental. Em suma, a UE parece querer liderar a transição ecológica global, o que inclui proteger as florestas em nível mundial.

Entendendo a criação do novo Regulamento da UE

O primeiro documento da UE com intensões de proteger as florestas é de 2019. Trata-se de uma comunicação da Comissão Europeia intitulada “A intensificação da ação da UE para proteger as florestas a nível mundial”, que deu início ao debate e formulação do Regulamento em todas as instâncias de governança da UE, com participação da sociedade civil. Pesquisas indicam que cerca de (84% da população apoiam a legislação ambiental da UE).

Em novembro de 2021, o Parlamento Europeu publicou a primeira proposta legislativa sobre o tema. No ano seguinte, a proposta ganhou força, passando por diferentes comissões.

É neste momento que ambientalistas do mundo inteiro, inclusive do Brasil, passam a elogiar a iniciativa da UE. Ao passo que o agronegócio começa a entender a mudança na legislação como um ataque protecionista da Europa frente aos demais mercados produtores.

Em abril de 2023, o Parlamento Europeu aprovou – com 86% dos votos – o novo Regulamento de Desmatamento. A previsão inicial era de entrada em vigor em 30 de dezembro de 2024. Entretanto, durante a Assembleia Geral da ONU, vários parceiros mundiais (incluindo o Brasil) manifestaram preocupações acerca da preparação para atender à nova legislação europeia até o final deste ano.

Rapidamente, a Comissão Europeia sugeriu um adiamento, por mais 12 meses. Este ano, no dia 14 de novembro, o Parlamento aprovou a solicitação da Comissão Europeia, prorrogando o prazo de implementação até o dia 30 de dezembro de 2025.

Perspectivas

Neste cenário, como funcionará o Regulamento de Desmatamento da UE? Primeiro, cabe destacar que o objetivo do regulamento é bem direto: garantir que os produtos agropecuários importados e consumidos pelos cidadãos da UE não contribuem para o desmatamento e a degradação florestal a nível mundial, reduzindo as emissões de gases e a perda de biodiversidade.

Isto significa que os operadores e comerciantes europeus deverão realizar diligências, recolhendo informações e avaliando os riscos de seus fornecedores antes de colocarem os produtos agrícolas in natura no mercado da UE.

Contudo, a UE fiscalizará todos os produtos provenientes do agronegócio? A resposta, baseada no Anexo I do Regulamento, é negativa. Na prática, a UE selecionou fiscalizar com mais rigor os produtos considerados “críticos”, ou seja, os responsáveis pela maior fatia do desmatamento e da degradação florestal impulsionados pelo consumo no continente.

Um estudo utilizado para guiar o Regulamento chegou à conclusão de que são sete os produtos agropecuários e seus derivados que precisavam ser fiscalizados para entrar na Europa: bovinos, cacau, café, dendê, borracha, soja e madeira.

O rigor desta fiscalização dependerá do risco inerente de desmatamento do país produtor. Por definição, este risco é de menos de 1% nos países considerados de “baixo risco”, e de até 9% para os países considerados de “alto risco” para desmatamento e degradação florestal. E o Brasil é um deles.

Sabe-se que maioria dos países produtores e exportadores destas commodities receberá classificação de baixo risco. A atenção das autoridades da UE estará nos cinco países considerados de alto risco: Brasil, Argentina, Paraguai, Indonésia e Congo.

Além disso, no caso brasileiro, existe o agravante de risco relacionado aos produtos extraídos de terras pertencentes aos povos indígenas.

Viés ambiental ou protecionista?

Mundo afora, ambientalistas internacionais elogiaram o regulamento europeu como um passo importante no combate ao desmatamento e às mudanças climáticas, e criticaram o adiamento de sua implementação.

No Brasil, os ambientalistas também elogiaram a iniciativa. Mas nos setores produtivos, a reação foi muito diferente. Os produtores rurais alegam que a lei tem viés protecionista, e pode gerar ao país prejuízos de US$ 15 bilhões nas exportações anuais.

Enquanto isso, na UE, os operadores e comerciantes não estão contra a mudança, mas reivindicam mais tempo para se prepararem e evitarem que as cadeias agroalimentares entrem em colapso por falta de matérias-primas.

No caso do governo brasileiro, a sinalização parece contraditória. Algumas alas do governo Lula afirmam que a lei da UE contribuirá com os esforços nacionais em prol do ambiente, sobretudo em relação à Amazônia. Outras alas, mais próximas dos ruralistas, asseguram que a lei da UE violará tratados de livre comércio. Neste caso, estimam que a lei europeia possa afetar até 15% das exportações brasileiras.

Mesmo diante de tantos antagonismos, o fato é que a UE se conscientizou no que tange os impactos das suas importações agropecuárias no meio ambiente. Dados da WWF dão conta “que as importações da UE são responsáveis por 16% do desmatamento mundial”.

Assim, quatro argumentos revelam que o Regulamento da UE não tem viés protecionista e não vai bloquear os produtos agrícolas brasileiros:

  1. É equivocado o argumento de que a UE vai extrapolar o seu limite territorial e vai impor a outros territórios a sua nova legislação. Na realidade, a UE está legislando o que entra nas fronteiras de seus países-membros (art. 1º). Isto já ocorre com produtos proibidos pela legislação europeia. Além disso, o rigor europeu na importação agropecuária já é conhecida desde os anos 1990, com o “mal da vaca louca”. Isto quer dizer, por exemplo, que o mercado bovino brasileiro já tem expertise em rastreabilidade dos rebanhos exportados e competência para ser mais sustentável.
  2. A visão, sustentada por Carlos Fávaro, Ministro da Agricultura e Pecuária, e outros representantes do agronegócio nacional, de que a lei da UE não respeitará o Código Florestal é incorreta, já que uma das cláusulas reza que os produtos agropecuários fiscalizados “deverão ter sido produzidos em conformidade com a legislação aplicável do país de produção”. O problema é que grande parte do desmatamento atual na Amazônia, por exemplo, é ilegal (além dos 20% permitidos pelo Código) e com propósito de abertura de pastagem (90% para bovinos, segundo o MapBiomas). Outro exemplo similar é o da soja, que vem sistematicamente avançando rumo às fronteiras da floresta amazônica no sul do Pará (mapa da soja). São esses os produtos que serão impedidos de entrar no mercado da UE. E, de todos os produtos que serão monitorados, a soja, a madeira e os bovinos brasileiros são os de maior risco de bloqueio.
  3. Não é correto afirmar que o novo regulamento da UE dificultará os pequenos produtores agrícolas. Até porque, em geral, os pequenos agricultores no Brasil não realizam exportações diretas para a Europa, sobretudo, dos sete produtos que serão fiscalizados. Por exemplo, no caso do café, os pequenos e médios cafeicultores utilizam cooperativas, como a Cooxupé (em MG), para realizarem operações internacionais. Neste caso, as cooperativas têm condições técnicas e financeiras para prepararem seus cooperados.
  4. Por fim, tecnicamente o protecionismo acontece quando um país, para proteger os produtos nacionais, cria dificuldades ou bloqueia a entrada de concorrentes estrangeiros. Logo, isso também não acontece no caso do novo regulamento da UE. Com exceção dos bovinos e da madeira, todos os demais produtos agrícolas fiscalizados não são produzidos comercialmente pelo agronegócio europeu.

Filipe Prado Macedo da Silva, Professor e Pesquisador do Instituto de Economia e Relações Internacionais (IERI) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Experto em Europa e União Europeia. Líder do “Conexão Bruxelas | Grupo de Estudo sobre Europa e União Europeia”., Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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