A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) começa nesta quarta-feira (26) a realizar o julgamento de denúncias contra o Brasil por violações de direitos contra quilombolas depois da construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), conhecido como Base de Alcântara, instalado no Maranhão durante a ditadura militar.
Segundo a denúncia, a base de lançamento de foguetes causou desapropriações e remoções compulsórias. A perda dos territórios teve impacto no acesso a direitos básicos dos quilombolas, como saúde, educação, saneamento básico, alimentação adequada, livre circulação e acesso à cultura. O impacto pode ter chegado a cerca de cem comunidades.
Esta é a primeira vez que as Forças Armadas brasileiras são confrontadas em um tribunal internacional, e também a primeira vez que o Estado brasileiro é levado à CIDH por um caso envolvendo quilombolas. As audiências acontecem a partir das 15h30 nesta quarta-feira e de 10h de quinta-feira (pelo horário de Brasília), em Santiago (Chile), e serão transmitidas ao vivo pelas redes sociais da Corte.
A denúncia chegou à CIDH em 2001, por representantes de comunidades quilombolas maranhenses, junto a entidades como o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe), a Justiça Global, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão (Fetaema), o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR) e a Defensoria Pública da União (DPU).
Durante as últimas duas décadas, enquanto o caso tramitava na CIDH, o Estado brasileiro teve a oportunidade de reconhecer e reparar as violações, mas isso não aconteceu. Os quilombolas não contam ainda com títulos de propriedade sobre os territórios, por exemplo.
“O que a Corte julgará, em verdade, é a capacidade de o Brasil respeitar ou não normas e decisões internacionais e brasileiras que há muito consolidaram os povos e comunidades tradicionais como sujeitos de direitos próprios, cujo respeito deve ser permanente”, destacou o defensor regional de direitos humanos Yuri Costa, da DPU no Maranhão.
Histórico
Elaborado na década de 1970 pela Força Aérea Brasileira e executado a partir da década seguinte, o projeto da Base de Alcântara levou à desapropriação de 312 famílias em 32 povoados de Alcântara, que foram reassentadas em sete agrovilas. Até hoje, porém, enfrentam impactos na renda e na alimentação.
Enquanto isso, grupos que permaneceram nos territórios tradicionais vivem sob tensão e ameaças de novas expulsões, já que há projetos de expansão da base aérea. Em 2019, sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), um acordo firmado com os Estados Unidos, com finalidades comerciais, foi colocado em prática sem qualquer consulta aos quilombolas.
Em 2020, em meio ao momento mais grave da pandemia de covid-19, o governo Bolsonaro determinou remoções que afetariam cerca de 800 famílias, que só não foram retiradas de seus territórios por uma decisão judicial.
A CIDH recomendou ao Estado brasileiro a titulação do território, a garantia de consulta prévia em relação ao acordo com os estadounidenses e a reparação financeira às famílias removidas, além de retratações públicas. Entretanto, nada disso foi cumprido até agora, o que fez com que o caso fosse levado o caso a julgamento.
“Alcântara é bastante representativa da luta histórica da população negra no Brasil. São mais de quatro décadas resistindo a um projeto de Estado que envolve ações e omissões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e abarca atos das esferas federal, estadual e municipal”, complementou Yuri Costa.
Edição: Thalita Pires