Apenas nos três primeiros meses de 2023, mais de 202 mil casos de violação de direitos humanos contra pessoas idosas foram registrados no Brasil. Os dados são da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (ONDH/MDHC) e representam um aumento de 97% em relação ao mesmo período de 2022, quando 102,8 mil violações foram registradas.
Após solicitação da Rede Internacional de Prevenção ao Abuso de Idosos (INPEA), em 2011 a Assembléia Geral das Nações Unidas reconheceu 15 de junho como o Dia Mundial de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa. Nesta data, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) chama a atenção para a importância da denúncia e para as diferentes formas de violência a que está exposta a população em idade avançada.
“A SBGG tem feito uma contínua campanha de conscientização e prevenção da violência contra a pessoa idosa, abordando o tema em eventos, a exemplo no Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, realizado no início do ano, e em suas redes sociais. No mês de junho, que é inteiramente dedicado ao tema, a entidade pretende reforçar a iniciativa, abordando as diversas facetas desta lamentável situação”, afirma a presidente da SBGG, Dra. Ivete Berkenbrock.
A violência contra a pessoa idosa é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “um ato único, repetido ou a falta de ação apropriada, ocorrendo em qualquer relacionamento em que exista uma expectativa de confiança que cause danos ou sofrimento a uma pessoa idosa”. “Trata-se de uma violação de direitos humanos que atinge a dignidade do ser idoso e tem efeitos desastrosos”, alerta a doutora em enfermagem e especialista em Gerontologia pela SBGG, Dra. Jordelina Schier.
Quando se fala em violência, o mais comum é que se considere apenas a física, porém ela pode se manifestar de várias formas. As mais frequentes são: física (maus-tratos, agressões, ferimentos, abusos), psicológica (agressões verbais, humilhações, ameaças), sexual, negligência e abandono (omissão e ausência de cuidados necessários) e financeira (envolve o uso não consentido de recursos financeiros e patrimoniais, bem como uso ilegal de recursos).
“Nem sempre as marcas da violência estão expostas no corpo, muitas vezes elas permanecem ocultas na memória de quem sofre, nas entrelinhas das relações abusivas ou na negligência da atenção da família, dos profissionais, dos serviços e do Estado. Independentemente do tipo de violência, certamente, a raiz da violação de direitos e da dignidade humana da pessoa idosa passa pelo etarismo fomentado em nossa sociedade”, afirma a especialista em gerontologia pela SBGG.
A situação é agravada quando se nota que o deflagrador das violências é, muitas das vezes, uma pessoa muito próxima à vítima, o que dificulta a iniciativa da denúncia, conforme explica a Dra. Jordelina Schier: “Em boa parte dos casos, o agressor é o próprio cuidador. Como viver sem o cuidador? Como conviver com ele depois da denúncia? Portanto, o contexto da violência ainda é desafiador, apesar de todos os dispositivos legais e políticas públicas criados para o seu enfrentamento”.
Um dos canais mais eficientes para este tipo de registro é o Disque 100.“Por meio dele, as crescentes denúncias de violência contra a pessoa idosa no período de pandemia Covid-19 trouxeram à tona a ponta do iceberg, considerando que muitos casos não são notificados, permanecem não ditos, não são reconhecidos socialmente como abusos, nem são diagnosticados pelos profissionais que atendem a pessoa idosa”, afirma a especialista ao reforçar que todos podem colaboram com a denúncia desses casos de violência.
Revisão estrutural
Para a Dra. Jordelina Schier, a mudança desse panorama só será possível com uma transformação abrangendo diversos âmbitos da vida em comunidade: “A sociedade urge por mudanças no seu modo de pensar, ser e agir. É preciso uma verdadeira revisão estrutural e profunda quanto aos estereótipos, preconceitos e discriminação contra a idade das pessoas, que garanta o direito fundamental de envelhecer de forma ativa e com dignidade, numa união de todos”.
A especialista reforça a necessidade de campanhas como a de 15 de junho. “Precisamos falar sobre violência, compreender a multidimensionalidade, aprender a reconhecer e, sobretudo, ter uma rede de prevenção, cuidado e enfrentamento. Se você suspeita que uma pessoa idosa seja vítima de qualquer tipo de violência, denuncie. Ligue para o Disque 100, procure unidades de saúde ou assistência social, delegacia de polícia especializada ou, em caso de risco iminente, disque 190!”, finaliza a Dra. Jordelina Schier.