Rio de Janeiro, novembro de 2023 — A cada quatro horas uma pessoa negra foi morta, em 2022, pela polícia nos oito estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança. O dado é revelado no novo boletim Pele Alvo: a bala não erra o negro, que será divulgado no dia 16 de novembro. Nele, são analisadas informações sobre a cor da letalidade gerada por ação policial. Os dados foram obtidos junto a secretarias estaduais de segurança pública de Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo via Lei de Acesso à Informação (LAI).
Principais números do levantamento:
- Pelo quarto ano consecutivo, o monitoramento demonstra que a população negra é a maior vítima da violência policial. De 3.171 registros de morte, com informação de cor/raça declaradas, os negros somaram 87,35% — ou 2.770 pessoas;
- De 2015 a 2022, as mortes registradas como decorrentes de violência policial baiana cresceram 300%. A Bahia tem a polícia estadual mais letal dentre as monitoradas pela Rede;
- Sete a cada dez vítimas no Ceará têm entre 18 e 29 anos;
- Pelo terceiro ano consecutivo, o Maranhão não informa os dados de raça/cor dos mortos pela polícia;
- A cada 14 horas, uma pessoa é morta por agentes de segurança do Pará;
- Em Pernambuco, quase 90% das vítimas são negras;
- No Piauí, das 39 mortes registradas, 22 aconteceram na capital Teresina, sendo 72,72% pessoas negras;
- A polícia do Rio de Janeiro matou 1.042 pessoas negras em 2022;
- Em São Paulo, os negros representem 40,26% da população e 63,90% entre os mortos pela polícia
Os números reais podem ser ainda maiores, tanto pela subnotificação de casos como pelo não registro de dados sobre cor e raça, que ocorre principalmente em três estados: Maranhão, Ceará e Pará. Os maranhenses continuam a não incluir essas informações, como a Rede observa desde 2020. No Ceará, os registros foram feitos em apenas 30,26% do total. No Pará, em 33,75%.
Considerando os dados oficiais disponíveis, eram negros 87,35% (ou 2.770 pessoas) dos mortos por agentes de segurança estaduais em 2022. Como nos estudos anuais precedentes, o novo monitoramento da Rede de Observatórios da Segurança demonstra o alto e crescente nível da letalidade policial contra pessoas negras. No ano passado, a Bahia ultrapassou o Rio de Janeiro no número de casos registrados nos estados incluídos no estudo. Bahia e Rio foram responsáveis por 66,23% do total dos óbitos.
“Em quatro anos de estudo, um segundo fator nos causa grande perplexidade: mais uma vez, o número de negros mortos pela violência policial representar a imensa maioria e a constância desse número, ano a ano, ressalta a estrutura violenta e racista na atuação desses agentes de segurança nos estados, sem apontar qualquer perspectiva de real mudança de cenário”, diz a cientista social Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios. “É necessário tomar a letalidade de pessoas negras causada por policiais como uma questão política e social. As mortes em ação também trazem prejuízos às próprias corporações que as produzem. Precisamos alocar recursos que garantam uma política pública que efetivamente traga segurança para toda a população”, completa.
Neste novo boletim Pele Alvo, a Rede de Observatórios aumentou a área analisada, com a inclusão do Pará, o primeiro da Região Norte na amostra. No ranking de 2022, o Pará já se coloca como o segundo estado com maior percentual de negros mortos em operações policiais, com 93,90% dos casos. A Bahia ficou em primeiro lugar, com 94,76%. Note-se que na Bahia a população negra significa 80,80% do total e no Pará, 80,46%.
Rio de Janeiro e São Paulo também chamam a atenção pela alta letalidade de pessoas negras por agentes de segurança. No Rio de Janeiro, 54,39% da população é negra, mas o número de óbitos representa 86,98%. Em São Paulo, cuja população inclui 40,26% de negros, as mortes destas pessoas por policiais somam 63,90% do total.
A cor da pele alvo em oito estados brasileiros
Esta é a evolução histórica, desde 2017, de óbitos provocados por policiais em cada unidade federativa analisada:
Bahia
Em 2022, a Bahia, pela primeira vez, chegou ao topo do perverso ranking dos estados que mais matam pela ação de agentes de segurança, com um total de 1.465 vítimas. A escalada da violência na Bahia, sob a cortina da guerra às drogas, principal motivação das operações policiais, tem chamado a atenção. Entre 2015 (quando o estado registrou 354 mortes) e 2022, houve um aumento de 300% nessa taxa de letalidade, que atingiu principalmente jovens negros. A população negra representou 94,76% do total de mortos por agentes de segurança em 2022, sendo a maioria (74,21%) com idade entre 18 e 29 anos. Apenas Salvador registrou a morte de 438 pessoas, sendo 394 negras.
Ceará
No Ceará, destacam-se duas constantes: o aumento do número de mortos pela polícia e a negligência com as informações sobre as vítimas da violência. No comparativo entre os anos de 2021 e 2022, houve registro de 27 mortes a mais por agentes de segurança do Estado. Além disso, ficou constatado que em 69,74% do total de 152 mortes não foram identificadas raça/cor. Ao observar os casos que continham a informação, revela-se que 80,43% das mortes foram de pessoas negras e que sete de cada dez vítimas tinham entre 18 e 29 anos. Fortaleza e a sua cidade vizinha, Caucaia, foram os municípios com o maior número de mortes, sendo 24 e 9 casos, respectivamente.
Maranhão
Entre os oito estados monitorados, o Maranhão segue como o único que negligencia 100% das informações sobre raça e cor, causando grande prejuízo para a compreensão das desigualdades que marcam o perfil de quem é morto pela polícia. Ao todo, foram 92 vítimas da violência, em que os jovens de 18 a 29 anos novamente aparecem como grande maioria, representando 59,78% dos casos. A cidade de Pinheiro, localizada na Baixada Maranhense, compartilha com a capital, São Luís, a primeira posição dos municípios com mais mortes no estado, registrando 10 casos cada um.
Pará
O Pará é o primeiro estado da Região Norte a fazer parte do estudo da Rede de Observatórios e já se coloca como a terceira unidade federativa com maior número de mortos pela polícia, com uma vítima a cada 14 horas. Com 631 casos, tem mais registros de vítimas do que São Paulo, mesmo tendo apenas um quinto da sua população. O Pará também falha no registro de cor/raça em seus dados, omitindo a informação sobre 66,24% das vítimas. Mas entre os casos em que são identificadas cor e raça, as pessoas negras representam 93,90%. A capital, Belém, tem o maior número de mortes por intervenção policial, com 83 casos, seguida pela cidade de Parauapebas, com 41.
Pernambuco
O número de mortos por agentes de segurança em Pernambuco pouco se alterou e manteve-se o alto índice de vítimas negras, sendo 89,66% do total de 87 casos informados – de quatro vítimas não foram feitos registros de cor e raça, totalizando 91 mortes por intervenção policial. E, assim como no ano anterior, em 2022 todas as pessoas mortas pela polícia em Recife eram negras, com ocorrência de 11 mortes, sendo a capital, também, o município com o maior número de casos dessa letalidade, seguida por Igarassu, com sete vítimas, também todas negras. Desde os primeiros dados coletados pela Rede de Observatórios é explícita a estigmatização dos corpos negros e jovens, sendo que a maioria das vítimas (67,03%) tinha idade entre 12 e 29 anos.
Piauí
No Piauí, os números também pouco variaram, embora ligeiramente maiores, com 39 vítimas fatais registradas. Assim como no ano anterior, a capital, Teresina, manteve a concentração da maior parte das mortes provocadas por policiais, com 56,41% do total (22 mortes). A pequena cidade de Geminiano ficou em segundo lugar, com cinco ocorrências. Das vítimas da letalidade causada por agentes de segurança com registro de cor, 88,24% eram negras. Fundamental destacar ainda que o estado tem reduzido investimentos para políticas educacionais, culturais e econômicas de inclusão.
Rio de Janeiro
Os agentes de segurança do Rio de Janeiro mataram 1.042 pessoas negras em 2022 (86,98% dos casos com informações completas de cor e raça), sendo o segundo estado com mais mortos pela letalidade gerada por policiais. A cada oito horas e 24 minutos uma pessoa negra morreu em decorrência de intervenção policial. O estado caiu da primeira para a segunda posição do ranking das unidades federativas com maior número de mortes por agentes de segurança, embora tenha crescido o número total de óbitos – de 1.214 em 2021 para 1.330 em 2022 –, o que reafirma a rotina de medo vivida em favelas e periferias fluminenses. Apenas na capital foram registrados 33,40% dos casos fatais, com 444 mortes, seguindo-se a região de São Gonçalo, com 131 casos.
São Paulo
O estudo da Rede de Observatórios mostra que em São Paulo há uma vítima a cada 23 horas e que a proporção do número de pessoas negras mortas por agentes do governo se manteve. No estado em que 40,26% da população é negra, 63,90% das vítimas dos policiais eram pretas e pardas — evidência da inexistência de políticas públicas racionalizadas. Em 2022, São Paulo teve uma redução de 48,32% no número de mortes provocadas por agentes de segurança, desde 2019 — de 867 vítimas para 419 registradas ano passado. Os novos números decorreram de uma política de redução da letalidade aliada ao uso de câmeras corporais, mostrando que é possível a polícia ser menos violenta, se houver fortalecimento de mecanismos de controle e responsabilização das instituições de controle. A capital paulista representa 37,47% do total de casos, com 157 mortes. Santos é a segunda cidade com o maior número de casos, com 16 vítimas.
Acesse o estudo “Pele Alvo: a bala não erra o negro”aqui.
Sobre a Rede de Observatórios
A Rede de Observatórios atua na produção cidadã de dados com rigor metodológico em oito estados, em parceria com instituições locais. É realizado o acompanhamento de indicadores de segurança junto a parceiros como a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, da Bahia; o Laboratório de Estudos da Violência (LEV), do Ceará; a Rede de Estudos Periféricos (REP), do Maranhão; o Grupo de Pesquisa Territórios Emergentes e Redes de Resistência na Amazônia (TERRA), do Pará; o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco; o Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens (NUPEC), do Piauí; e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), de São Paulo. O objetivo é monitorar e difundir informações sobre segurança pública, violência e direitos humanos.