O governo federal será estimulado a aumentar a carga tributária para cumprir a regra que vincula o crescimento dos gastos à evolução das receitas e alcançar as metas de resultado primário. Essa é a avaliação de especialistas à reportagem do portal Brasil 61, sobre a proposta de arcabouço fiscal que o Ministério da Fazenda enviou ao Congresso Nacional na última terça-feira (18).
A nova âncora fiscal estabelece que os gastos do governo serão limitados a 70% do crescimento da receita obtida nos 12 meses anteriores. Para Guilherme Di Ferreira, diretor-adjunto da Comissão de Direito Tributário da OAB–GO, se as despesas dependem diretamente do quanto o governo arrecada, há um incentivo para que a administração pública busque aumentar o que entra no caixa do Tesouro Nacional por meio da criação de novos impostos ou elevação dos patamares atuais.
“Para que o governo possa cumprir com as suas obrigações e com as suas promessas, ele tem duas opções. Através do [aumento] dos tributos ou de enxugar a máquina administrativa. Como não está tendo nenhuma movimentação de redução da máquina, então, sim, vai ficar tudo focado na parte de tributos”, afirma.
O arcabouço do governo também promete zerar o déficit público (diferença entre o que o Executivo arrecada e gasta, exceto com os juros da dívida) no ano que vem e fechar as contas no azul em 2025 e 2026.
As metas para o chamado resultado primário exigem que a receita do governo aumente nos próximos anos, atesta a edição mais recente do Boletim Macro, do Instituto de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE). “O alcance das metas de resultado primário, na ausência de crescimento econômico mais acelerado, requer, portanto, aumento de carga tributária recorrente”.
Ao apresentar o esboço do arcabouço fiscal no fim de março, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu que o governo terá que arrecadar mais para viabilizar o ajuste das contas públicas proposto. Mas disse que esses recursos viriam de setores da economia “demasiadamente favorecidos ao longo das décadas” por incentivos fiscais ou pela tributação de atividades ainda não regulamentadas, como o mercado de apostas pela internet.
“O desafio do governo será aumentar a base de arrecadação sem onerar, ainda mais, os setores produtivos que historicamente cumprem com as suas obrigações tributárias”, avalia Eduardo Natal, sócio do Natal & Manssur Advogados e presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (ABAT).
De lá para cá, o governo também anunciou o fim da isenção do imposto de importação para a compra de produtos de até US$ 50 por pessoas físicas, mas recuou após a repercussão negativa.
Sem cortes O governo propõe ainda um “mecanismo anticíclico” para as contas públicas. Independentemente da receita, ele poderá gastar entre 0,6% e 2,5% a mais do que no ano anterior, descontada a inflação. A regra é mais frouxa do que o teto de gastos, que limita o crescimento real das despesas a zero, na prática.
Segundo Haddad, o piso mínimo de 0,6% para as despesas serviria para evitar o corte abrupto de gastos nos momentos em que a economia desacelerar. O teto, por sua vez, evitaria gastos desenfreados em momentos de bonança.
Mas para Di Ferreira, estabelecer um piso mínimo para os gastos mesmo quando o país estiver estagnado ou em recessão é ruim. “O foco de quem entra para comandar o país deveria ser lutar para enxugar o gasto público”.
Raone Costa, economista-chefe da Alphatree, concorda. “É uma promessa de ajuste fiscal sendo que não tivemos nenhum tipo de medida de corte de gastos anunciada. Pelo contrário, foram anunciadas uma série de medidas de aumento de gastos. Foram anunciadas possíveis promessas de aumento de carga tributária. A ideia é que o ajuste fiscal seja um ajuste com mais gasto e mais carga tributária, sendo que no Brasil a carga tributária já é bastante alta”, critica.
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“Tiro pela culatra” Autores do artigo sobre o arcabouço fiscal do FGV IBRE, Manoel Pires e Carolina Resende, afirmam que o governo deve se atentar para o impacto das medidas tributárias sobre a produtividade da economia brasileira. “É importante observar o impacto de longo prazo do aumento de carga tributária, na medida em que o imposto gera peso morto sobre a produção e uma série de distorções sobre o sistema econômico”.
Isso significa que o aumento de tributos sobre determinados setores da economia tende a elevar a arrecadação do governo até certo ponto, explica Di Ferreira.
“A partir do momento que aumenta a tributação, o consumidor vai pensar: ‘isso aqui é essencial para mim? Se não é essencial, eu não vou comprar’. E mesmo sendo essencial, se a pessoa não tiver condição de arcar com aquilo, seja um empresário, seja o consumidor, ele vai abrir mão de utilizar aquele produto ou serviço. Se aumentar demais o tributo, chega no limite que, apesar da previsão de arrecadação, como aumentou o custo, vai ter a redução de consumo e, assim, não vai ter toda aquela arrecadação que o governo esperava”.