Ex-bailarina supera limites por sonho olímpico no caratê

Diário Carioca

Na arquibancada, olhos tensos, que mal piscavam. Um ginásio em completa tensão. No tatame, olhos encharcados de suor e lágrimas, em um misto de emoção e dores que vinham desde o dia anterior, agravadas pelos 14 combates que Bárbara Rodrigues e Brenda Padilha tiveram que travar para chegar até ali. Na luta que definiria a ganhadora do pré-olímpico nacional de caratê na categoria acima de 61 quilos, em São Paulo, cada atleta encarava sua própria batalha de resistência.

Bárbara, por exemplo, havia trincado a costela. E Brenda não estava melhor. “Na final da seletiva para a seleção sênior, acabei chutando o cotovelo da atleta. Meu tornozelo inchou, comecei a sentir dores muito fortes no [platô] tibial [parte da tíbia que, junto com a a fíbula, forma a estrutura óssea da perna]. Tive que fazer uma bandagem para conseguir lutar e precisei ficar toda hora aquecendo, mesmo se a luta estivesse parada, para não sentir dor nos confrontos”, lembra a carateca. “Estávamos no limite. Fomos ao extremo. Quem quisesse mais naquele momento, levava”, resume.

Se é assim, Brenda quis “um pouco” mais. A vitória a credenciou para a disputa, entre 8 e 10 de maio, do Torneio de Paris. A competição funciona como pré-olímpico mundial do caratê e classifica os três melhores de cada categoria para a estreia olímpica da modalidade, em Tóquio. De onde tirar forças em meio ao desgaste e à dificuldade para ficar de pé, para estar mais perto do sonho? Segundo Brenda, a força veio daqueles que a acompanhavam da arquibancada: os companheiros de equipe do Serviço Social da Indústria (Sesi), de Cubatão, em São Paulo.

“Quando sentia dor e levantava, sempre olhava para eles. Para o sensei [expressão japonesa de respeito a um professor ou mestre], para meus amigos. Eu sabia que não estava lutando só por mim, mas por todos que estavam lá. Eles treinam todos os dias comigo e se dedicam, vêm treinar até em dias que não estão no calendário para me ajudar”, destaca.

O sensei é Ney Farias, técnico de Brenda, que, na Olimpíada de Sydney, na Austrália, em 2000, foi preparador físico de Carmem Carolina, única representante brasileira do taekwondo. É difícil a jovem falar do treinador sem ficar com a voz embargada. “Ele me passa muita confiança. Acredito muito no trabalho. Evoluí muito, não só como atleta, mas como pessoa. Ele me prepara para a vida. E não tem jeito, sempre me emociono”, diz a atleta, rindo.

O carinho do professor é recíproco. “Não existe maior gratificação do que quando se consegue projetar uma pessoa como atleta desse nível, que inspira os outros. Temos aumentado o número de crianças no programa de base, e muitas vêm inspiradas nela. A Brenda esteve aqui [no Sesi] entre 2013 e 2014, com o sensei Carlos Magno, um irmão que o caratê me deu. Eu voltei em 2017 para fazer o projeto olímpico do Sesi. E ela retornou no meio de 2018. Tem sido maravilhoso assistir à transformação que ela tem promovido nos atletas.”

Do collant ao quimono

Brenda fica ruborizada, feliz, ao saber que crianças querem levar o caratê a sério, ao vê-la treinar e competir. Com Brenda, também foi assim. Para entender, é preciso voltar 12 anos no tempo, quando a jovem começou a se envolver com o esporte em um projeto social de São Vicente, sua cidade natal, no litoral paulista – ainda que, inicialmente, longe do tatame.

“Eu fiz quatro anos de balé”, revela. “Um dia, assistindo uma aula de caratê, meu pai – que gostava de luta – falou: ‘vamos testar, ver se você gosta’. Na primeira aula, achei estranho, mas, por ter feito balé, eu tinha facilidade para chutar, decorar sequências. E fui começando a gostar. Chega uma hora em que você vê os outros atletas e percebe que quer competir. O tempo passou e não parei mais”, lembra.

A bailarina Brenda “aposentou-se” aos 12 anos. Hoje, aos 20, a carateca Brenda acumula participações em torneios nacionais e internacionais desde a base. Em 2017, ficou em sétimo no Mundial Sub-21, na Espanha – a atleta da casa que a venceu nas quartas de final conquistou a medalha de bronze. “Às vezes, você perde por um deslize, como foi no caso, mas competições assim são importantes para quem está na base porque a gente vê que tem como chegar lá”, diz a atleta, atual campeã brasileira sênior e sub-21.

Os resultados e a evolução deram confiança a Brenda e a seu técnico no caminho rumo à primeira disputa olímpica do caratê. O sonho de estar nos Jogos não é recente. Vem antes mesmo de a modalidade ser confirmada no programa de Tóquio. Até por isso, dedicar o auge da adolescência ao esporte não foi sacrifício. “Quando a gente faz o que ama, não há dificuldade. Coloquei [a Olimpíada] como objetivo e fui fazendo naturalmente. O melhor momento do meu dia é no tatame”, afirma.

“Escala” em Paris

O caratê olímpico terá tanto disputas no kata (apresentação de movimentos que simulem o combate) como no kumite (que é a luta propriamente dita). Mas, ao contrário de outros eventos da modalidade, em que o kumite tem 10 categorias, sendo cinco por gênero, o torneio em Tóquio terá só seis pesos: três no masculino (até 67 quilos, até 75 quilos e acima de 75 quilos) e três no feminino (até 55 quilos, até 61 quilos e acima de 61 quilos).

Brenda, normalmente, compete entre as lutadoras acima de 68 quilos. Como no Japão a classe mais pesada é para atletas acima de 61 quilos, ela teve que adaptar o treinamento para encarar rivais mais leves. “São meninas geralmente mais rápidas que as da minha categoria, então tenho trabalhado velocidade e resistência para aguentar o ritmo do combate. Tenho que entrar [atacar] na velocidade delas, ou ainda mais rápido.”

De acordo com o técnico Ney Farias, a ideia é que Brenda tenha um período de treinos e dispute alguma competição neste mês na Europa para que, em abril, possam ser ajustados os detalhes visando ao Torneio de Paris, em maio. “O planejamento está sendo bem cuidadoso. Em Tóquio, só estarão 10 por categoria. Em Paris, serão bem mais atletas buscando vagas, então pode ser [um campeonato] muito mais difícil que o do Japão. O que ela passou no pré-olímpico no Brasil, em quantidade de combates, é a mesma coisa que ela terá que passar na França, só que em nível internacional.”

A participação da carateca na competição da capital francesa só não está 100% assegurada porque depende que nenhuma outra brasileira esteja entre as 30 do mundo até o fechamento do ranking mundial de abril. Isabela Rodrigues, atleta do país mais bem colocada na categoria acima de 61 quilos, está atualmente na 78ª posição.

Futuro pós-Tóquio

Brenda terá completado só 21 anos na ocasião dos Jogos de Tóquio. A juventude a coloca no circuito para mais participações olímpicas.

Porém, o comitê organizador da próxima edição (que será justamente em Paris, em 2024) não incluiu a modalidade entre as adicionais, mantendo escalada, surfe e skate – que também estrearão na capital japonesa – e incluindo o breakdance. A decisão definitiva do Comitê Olímpico Internacional (COI) sobre os esportes que estarão na França só deve ser anunciada no fim deste ano.

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Equipe de jornalistas, colaboradores e estagiários do Jornal DC - Diário Carioca