Mesmo ‘batendo na trave’ pela disputa de título do Campeonato Brasileiro, que terminou na última semana, e em outros campeonatos durante a temporada 2023, o Flamengo já planeja novas conquistas. O presidente do Rubro-Negro, Rodolfo Landim, tem por meta a construção de um estádio sem endividamento para o clube.
Para viabilizar esse projeto, Landim defendeu, em reunião com o grupo político União Rubro-Negra, a implementação de uma SAF nos moldes adotados pelo Bayern de Munique, que disputa a primeira divisão da Bundesliga, o Campeonato Alemão.
Na ocasião, ele explicou que o Bayern fez uma SAF para ter o próprio estádio – o Allianz Arena. No primeiro momento, o clube alemão tinha 100% da SAF e vendeu três pedaços de 8,3% dela. Continuou com 75,1% e, tendo esse percentual, permaneceu tendo o controle do que estava embaixo, o que traria uma estrutura de governança mais leve.
Na visão de Tiago Gomes, sócio do Ambiel Advogados e mestre em Direito Comercial, não seria possível comparar a proposta que a atual diretoria do Flamengo faz, de obtenção de recursos por meio da alienação de uma participação minoritária do capital social de uma SAF a ser criada pelo clube com a realidade do Bayern de Munique.
“O sistema alemão prevê expressamente que as associações permaneçam com 50% das ações das sociedades do futebol, o que não acontece aqui. E isso lá se deve a uma questão cultural do direito societário alemão do pós-guerra com a influência da co-gestão”, explica o advogado, reforçando que tal cenário resulta numa percepção do acionista minoritário com poderes efetivos na governança e capacidade de contribuir com mais do que simplesmente recursos financeiros.
O direito societário brasileiro, por outro lado, se desenvolveu a partir de uma intensa concentração econômica que resulta em concentração de capital social, e que, ao contrário de outros, acaba se tornando muito orientado ao interesse do controlador, com proteções pontuais aos direitos dos minoritários.
“Por isso, falar em vender uma participação minoritária de uma SAF cujo controle permaneceria com o clube associativo dificilmente pode ser comparado com a realidade do direito alemão e do Bayern”, aponta Tiago Gomes.
Para que o modelo visado pela atual diretoria flamenguista pudesse ser viável, um eventual investidor teria que aceitar a posição do controlador que, permanecendo uma associação, estaria sujeita aos mesmos problemas e instabilidades políticas que são percebidas hoje.
Como explica o advogado, a “principal questão é que numa associação a alternância de poder político é percebida como um risco. Hoje a situação do Flamengo é de estabilidade e austeridade financeira, mas isso pode mudar se outro grupo político assumir e adotar comportamentos que são comuns em outros clubes e que eram vistos até pouco mais de dez anos atrás no próprio Flamengo. Um investimento societário não é feito pensando nos prazos de gestão política de uma associação, ainda mais porque a liquidez dessa participação é relativamente baixa. Isso pode ser um entrave.”
“Mas não quer dizer que o projeto não daria certo”, pondera o especialista. “Há um enorme apetite do mercado por investimentos no futebol e o Flamengo é uma marca que fala por si só, então é possível que haja investidores com apetite para esse risco e com disponibilidade para fazer o negócio acontecer”, acrescenta.
Mas para chegar minimamente perto dos arranjos que tornam os investimentos minoritários no Bayern – o que se convenciona chamar de “smart-money” – o advogado explica que seria necessário negociar cuidadosamente um acordo de acionistas que oferecesse essas condições ao minoritário, situação essa que também requereria que o clube associativo, por meio de seus órgãos de representação, estivesse disponível para isso.
“É um arranjo possível, mas mais complexo na nossa realidade jurídica e futebolística”, completou Gomes.