Migrações concentram futuro do futebol feminino no Sul e Sudeste

Diário Carioca
Migrações concentram futuro do futebol feminino no Sul e Sudeste

O futuro do futebol feminino brasileiro está concentrado, atualmente, em apenas duas regiões. Segundo o levantamento Diagnóstico do Ministério do Esporte sobre o cenário da modalidade no país, 84% das atletas em categorias de base jogam em times do Sul ou do Sudeste (50% em cada). Deste total, 73% das meninas nasceram em estados das duas regiões, e o restante é formado por jogadoras emigrantes. O Nordeste, por exemplo, é a terra natal de 14% destas atletas, mas 10% delas permanecem em times locais. O recorte do Norte chama atenção: enquanto 2% das atletas são nascidas por lá, o percentual de meninas na categoria de base é zero. Um exemplo deste cenário é a lateral Sara Pedot, convocada para a seleção feminina sub-15, em julho. Ela é nascida em Ji-Paraná, no interior de Rondônia, onde atuava com meninos. Entre 2019 e 2021, a jovem viajava 2,6 mil quilômetros até a capital paulista, uma vez por mês, para treinar com outras meninas na base do Centro Olímpico. No ano passado, Sara se mudou de vez. Hoje, defende a equipe sub-15 do São Paulo. O cenário migratório não difere muito quando o recorte é das jogadoras adultas. Dezesseis equipes participam da Série A1 do Campeonato Brasileiro feminino profissional, a principal competição da modalidade no país. Doze (75%) pertencem ao Sul e Sudeste. Coincidentemente, o percentual de atletas que atuam em clubes destas regiões, independentemente da divisão, é o mesmo. As demais futebolistas se dividem por Centro-Oeste (14%), Nordeste (7%) e Norte (4%). A sondagem realizada pelo Ministério reuniu 1.090 respostas de pessoas ligadas à modalidade, entre atletas (adulto e base) e profissionais em cargos de liderança, representando cerca de 40% do cenário de alto rendimento do país. O levantamento integra a Estratégia Nacional para o Futebol Feminino, cujo decreto foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em março. O intuito é nortear a criação de ações referentes à prática, proibida a mulheres no Brasil entre 1941 e 1983. “Esses processos migratórios mostram a falta de estrutura da modalidade no país. As federações estaduais não são corresponsabilizadas a fomentar campeonatos regionais. Então, as meninas e mulheres não têm onde jogar e acabam saindo dos locais de origem para onde o futebol acontece – que é nas regiões Sudeste e Sul, basicamente”, analisou Silvana Goellner, professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pesquisadora e ativista do futebol de mulheres. O futebol de meninas em âmbito nacional é recente. Os primeiros campeonatos sub-16 e sub-18 (atualmente sub-17 e sub-20, respectivamente), organizados pela Confederação Brasileira da modalidade (CBF), surgiram somente em 2019. Naquele mesmo ano, entrou em vigência a obrigatoriedade para que clubes da Série A do Brasileirão masculino mantivessem equipes femininas adultas e de base. A representatividade de Norte, Nordeste e Centro-Oeste nos torneios de base é escassa. No atual Brasileiro Feminino sub-20, as três regiões, juntas, possuem sete times entre os 20 participantes, contra nove do Sudeste e quatro do Sul. No sub-17, Cresspom, Minas Brasília (ambos Distrito Federal) e Esmac, do Pará, foram exceções em 2022, em meio a cinco equipes paulistas, duas gaúchas, uma mineira e uma do Rio de Janeiro. Não à toa, nas quatro edições do Brasileiro sub-20, somente uma vez um dos semifinalistas não foi um time do Sul ou do Sudeste (Iranduba, do Amazonas, em 2019). No sub-17, foram duas ocasiões, em 2020 (vice-campeão) e 2021 (quarto colocado), ambas com o mesmo time (Minas Brasília). “Tenho insistido muito que a CBF crie um departamento que pense o futebol de mulheres com essa interação com políticas públicas, a obrigação de as federações fomentarem escolinhas esportivas. Há muitos projetos que dão certo, as meninas estão jogando, mas temos que explodir essa lógica clubista e olhar um outro futebol possível. A base está vindo forte, mas não nos clubes e sim nas comunidades periféricas”, destacou Silvana. “O futebol não é somente a seleção brasileira, nem Séries A, B ou C. Há futebol nas comunidades quilombolas, nos povos originários, comunidades ribeirinhas. Em São Paulo, tivemos uma liga de várzea que reuniu 80 equipes de mulheres jogando futebol de campo em um sábado. Há esse futebol. Precisamos olhar e pensar como desenvolvê-lo”, concluiu a professora.

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Equipe de jornalistas, colaboradores e estagiários do Jornal DC - Diário Carioca