Da Redação (SP) – A Ginástica Brasileira escreveu mais capítulos de uma história gloriosa no Mundial da Antuérpia. O mundo todo viu, pela primeira vez, duas brasileiras num mesmo pódio numa competição desse nível, e mais uma façanha portentosa de Rebeca Andrade.
Rebeca vem provando que é uma das ginastas mais completas do mundo desde que conquistou a prata no individual geral nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021. A cada grande competição que disputa, a Rainha da Ginástica Brasileira vem reafirmando isso de diferentes maneiras. Neste domingo (8), ela completou uma espécie de Grand Slam da ginástica, ao conquistar o bronze na trave de equilíbrio. Rebeca hoje é dona de ao menos uma medalha em cada uma das provas da Ginástica Artística em Mundiais. Isso significa que subiu ao pódio em premiações de cada um dos aparelhos, no individual geral e na competição por equipes. Na Antuérpia, Rebeca ingressou num clube com raríssimas sócias.
Simone Biles teve uma execução praticamente impecável em sua série na trave, que lhe valeu a nota 14.800. A chinesa Zhou Yaqin, com uma série muito criativa e nada convencional, ficou muito perto, na ótica dos árbitros, do desempenho esplêndido da norte-americana, e recebeu nota 14.700.
A holandesa Sanne Wevers, campeã olímpica na trave na Rio2016, chegou a sentir o gostinho do bronze, ao receber uma nota 14.100. Na sequência, Rebeca, que não havia criado grandes expectativas no aparelho, parece ter competido sem pressão. Com muita leveza, acertou as conexões mais desafiadoras e, com poucos erros, deixou o mundo da ginástica de queixo caído novamente ao dar novas definições para o adjetivo “completa”.
Mas os deuses da ginástica não acharam que a cota de felicidade do Brasil, embora imensa, estivesse completa. E no solo, um aparelho que dá alegrias ao País desde o Mundial de Ghent-2001, na mesma Bélgica, quando Daniele Hypólito foi vice-campeã mundial, o que se viu foram dois collants num amarelo muito vivo desenhando movimentos lindos em cima do tablado, com trilhas sonoras muito bem escolhidas.
Rebeca e Flávia Saraiva, cada uma a sua maneira, empolgaram o público da Antuérpia com acrobacias notáveis, muita graça, apuro técnico e raras imperfeições. Ao final, à frente das brasileiras, apenas a potência impressionante de Biles que, mesmo botando um dos pés para fora da área, recebeu nota 14.633, o suficiente para deixá-la à frente de Rebeca (14.500) e Flavinha (13.966).
Flávia falou sobre a importância de sua primeira conquista de medalha individual num Mundial. “É uma emoção muito grande. Ter conquistado minha primeira individual numa competição dessa importância e termos obtido esse resultado histórico, que foi a primeira medalha por equipes num Mundial da Ginástica Brasileira, tá sendo incrível. É uma felicidade enorme representar nosso País da melhor forma possível. Estar entre as melhores do mundo depois de duas cirurgias é algo para o que não encontro explicação. Dá vontade de voltar a competir amanhã, depois de amanhã e assim por diante. É muito bom. Sentir isso novamente é maravilhoso. Só tenho a agradecer pela torcida de todos. Competir todos esses dias, com pressão e nervosismo, e ao mesmo tempo conseguir se divertir, é importante. Subir no pódio com a Rebi, uma atleta que abriu tantas portas e estar ao lado da Simone….fazer o solo e terminar a competição sem me machucar foi muito bom. Minhas experiências anteriores não foram muito boas. Ter essa sensação de que eu voltei, de que meu pé está bem, depois daquele susto do individual geral….tudo isso vale muito pra mim. Se não tivesse ganhado a medalha, teria ficado muito feliz também. Saí muito bem da competição. Trabalhei muito por isso, e a equipe multidisciplinar que temos por trás lutou muito para eu poder estar aqui. Não tem muito o que falar. Agora é o momento de agradecer a todos. Teve pessoas que vieram do Brasil pra torcer pela gente”, disse Flávia.
Flávia comentou também uma resposta de Rebeca, que havia sido indagada sobre a companhia que mais desejava ter no pódio – a resposta é Flávia Saraiva. “Quando ela me disse isso, comecei a chorar. Era um sonho meu ter uma medalha individual, e não tinha conseguido isso ainda. Subir no pódio numa dobradinha com a Rebeca, como falei…ela abriu tantas portas. É uma inspiração enorme pra mim, porque ela passou por tantas cirurgias….ela voltou, levantou a cabeça. Eu também não poderia pensar numa companhia melhor do que ela. Agradeço todos os dias por ter ela ao meu lado todos os dias, no ginásio, dando força. Não há como não chorar com ela. Quando ela me disse isso, eu me senti muito amada. Só tenho que agradecer à Rebi. Foi muito emocionante. Sei que pra ela deve ter sido emocionante, mas pra mim foi mais ainda, porque ela é campeã olímpica. Subir ao pódio ao lado de duas campeãs olímpicas me fez me sentir nas nuvens”.
A ginasta carioca falou sobre o aprendizado que as dificuldades recentes lhe ensinaram. “Aprendi a ter resiliência e a ter noção de que tudo tem a sua hora. Agora tudo faz sentido pra mim. Todas as horas em que caí e que me machuquei. Essa conquista era aquilo de que eu precisava. Esta é uma virada de chave. É combustível para eu continuar acreditando. Quero agradecer também à minha companheira, a Jade, à Lorrane, à Ana….todas elas fizeram parte deste meu resultado. Ele não é só meu. Vi o quanto elas se esforçaram para eu estar aqui. Elas me disseram para levantar a cabeça e que estão ao meu lado, ‘vamos’. Então eu disse: ‘vamos’. No individual geral, eu tive uma falha na paralela e o solo não foi bom. Mas eu não deixei aquilo apagar minha estrela. Hoje me propus a brilhar mesmo nesta final de solo. Conheço meu potencial”.
Rebeca, com um amplo sorriso, também falou sobre um dos dias mais fantásticos da história da Ginástica do Brasil. “Este pódio que dividi com a Flávia foi o mais especial da minha vida, com certeza. Eu disse numa entrevista que ela seria a melhor companhia que eu poderia ter num pódio. É um prazer e uma honra dividir o ginásio e a vida com ela”, disse a ginasta, hoje dona de nove medalhas em Mundiais. “É um momento incrível das nossas vidas. Muita coisa aconteceu conosco. Esta é a hora da sensação do ver cumprido, de termos a certeza de que tudo vale a pena. Cada geração da Ginástica Artística do Brasil teve um papel nisto tudo. Cada uma mostrou para nós que era possível. O que conseguimos realizar até agora me dá muito orgulho e honra”.
Na barra fixa, o Brasil fechou sua participação no Mundial. Arthur Nory ficou atrás do croata Tin Srbic, que levou a última vaga olímpica que estava em jogo na Antuérpia, na barra fixa.
Ainda há oportunidade de conquista de vaga olímpica nos Jogos Pan-Americanos. O campeão no individual geral em Santiago carimbará o passaporte para Paris, se já não estiver classificado. Outra chance será a Copa do Mundo por aparelhos de 2024. Trata-se de quatro etapas. Os dois melhores em cada aparelho, segundo o ranking das quatro competições, vão conquistar vaga olímpica.