Mentir é comum socialmente desde sempre. Há quem separe a mentira como boa ou ruim, há quem diga que uma mentirinha só não faz mal, e ainda aqueles que exigem sempre a verdade. O fato é que os pais criam seus filhos para serem honestos, mas será que é esse o exemplo que estão dando? A biomédica e especialista em neurociência e desenvolvimento infantil Telma Abrahão explica por que as crianças mentem e como identificar quando as mentiras se tornam um problema.
Responder que estamos bem quando realmente não estamos. Elogiar alguém por seu novo corte de cabelo ou peça de roupa quando essa não é nossa mais sincera opinião. Fato é que mentir acabou virando um hábito socialmente aceitável. A mentira permeia todos os aspectos da nossa vida social. Normalmente, quando uma pessoa se atrasa para chegar ao trabalho porque acordou tarde ou porque estava com dor de barriga, não conta isso para seu chefe, mas diz que pegou muito trânsito, pois contar a verdade a deixaria envergonhada e constrangida.
Importante entender que crianças pequenas não mentem de forma intencional. Elas ainda não possuem o córtex pré-frontal suficientemente amadurecido para “arquitetar” um plano racional para enganar os pais ou qualquer outra pessoa. Crianças pequenas mentem porque misturam realidade com fantasia ou por medo. Em muitos casos, elas simplesmente confundem vida real com o mundo lúdico.
Quando a história contada não condiz com a realidade é apenas uma mistura do mundo lúdico em que ela está inserida com o que de fato aconteceu. “Até por volta dos 4 anos elas são propensas a simplesmente confundir o que realmente aconteceu com sua imaginação ou esquecer a verdade. Isso somado à dificuldade natural de controle de impulsos nessa idade”, conta Telma.
Já crianças maiores mentem, na maioria das vezes, pelos mesmos motivos que adultos: para evitar um resultado negativo, punição ou constrangimento; ajudar alguém a se sentir melhor; impressionar; exercer poder sobre os outros e ganhar a admiração ou para evitar desapontar uma figura de autoridade.
A especialista ainda completa: “Crianças maiores já possuem o córtex pré-frontal suficientemente desenvolvido para inventar uma mentira e mantê-la de forma lógica e intencional. Elas já possuem a habilidade de mentir deliberadamente para se livrar de problemas ou de algo que não querem fazer. Mas também desejam desfrutar de um relacionamento próximo e confiante com os pais, mesmo que isso signifique enfrentar a consequência ocasional por algo que fizeram ou deixaram de fazer”, complementa a especialista em educação neuroconsciente.
E como lidar com as mentiras?
“A chave é manter a comunicação adequada à idade”, afirma. Saber como funciona o comportamento da criança ajuda a entender os motivos da mentira, que muitas vezes é apenas uma fuga para evitar um castigo ou a desaprovação e decepção dos pais. Telma conta que entender essas fases de desenvolvimento cognitivo e emocional pode ajudar a manter a comunicação aberta com aquela criança, trazendo exemplos de confiabilidade, conversando sobre honestidade e deixando fluir o papo naturalmente, adequando as explicações à idade.
“É preciso evitar ameaças e castigos, sejam físicos ou psicológicos, para que a criança não desenvolva medo de contar algo. A reação quando ouvimos uma história e percebemos que não corresponde à realidade deve ser comedida também. Uma explosão de raiva, um sermão, rótulos de mentiroso, muita argumentação ou até pedir muitos detalhes da história para mostrar que pegou a mentira podem afastar a criança e criar ali uma barreira que depois fica ainda mais difícil de transpor para acabar com o costume de mentir”, aconselha Telma.
Treinar em família para falar sempre a verdade pode ser um exercício difícil, mas necessário. As crianças veem o mundo preto no branco e entendem aquela ‘mentirinha boa’ como algo aceitável já que os pais fazem e são o principal modelo dos filhos. “Importante ser um bom exemplo de honestidade, pois nossos filhos vão detectar as mentiras inocentes que contamos. É bom lembrarmos que não existe perfeição na humanidade, somos falhos e errantes, mas podemos apender a errar menos e ensinar os nossos filhos a fazerem o mesmo”, finaliza.
Telma Abrahão @telma.abrahao
Biomédica, especialista em Neurociências e no desenvolvimento infantil e uma das pioneiras no Brasil a unir ciência à educação dos filhos. A especialista é idealizadora da Educação Neuroconsciente, que ‘nasceu’ da necessidade de levar o conhecimento sobre a neurociência por trás do comportamento infantil para mães, pais e profissionais da saúde e da educação. Telma Abrahão, que também é mãe, é autora dos best sellers “Pais que evoluem” e “Educar é um ato de amor, mas também é ciência”. Seus livros são vendidos em mais de 15 países e ajudam milhares de pessoas ao redor do mundo a se reeducarem para melhor educar. Ela também escreveu 12 obras exclusivas para o Leituras Rápidas da Amazon com o objetivo de abordar temas que ajudam os pais a lidarem com os desafios na educação dos filhos