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segunda-feira, novembro 25, 2024

Jurista Soraia Mendes se lança candidata ao STF em contraposição a André Mendonça

JustiçaJurista Soraia Mendes se lança candidata ao STF em contraposição a André Mendonça

Como um contraponto a candidatura do ex-advogado-geral da União, André Mendonça, para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) irá lançar o nome da advogada e jurista Soraia Mendes para ocupar a cadeira deixada por Marco Aurélio de Melo. Na próxima semana, a candidatura deve ser lançada oficialmente pela organização, de acordo com a assessoria de imprensa.

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Em uma carta, Mendes reforça a sua candidatura como uma contraposição à de André Mendonça. “Por que sou candidata a uma vaga no STF? Simples, porque não sou candidata, sou uma anticandidata. É para isso que meu nome, minha história e minha trajetória profissional servem, para honrar a cadeira que hoje se encontra vazia na Corte”, afirma a jurista. 

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Se for nomeada para o STF, Mendes se tornará a primeira mulher negra a ocupar a Corte. No documento, a advogada se apresenta como defensora dos direitos humanos das mulheres, de quilombolas, de servidoras e servidores públicos, de indígenas, de rádios comunitárias e de pessoas LGBTQIA+, há pelo menos 20 anos. 

Ela é doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB), mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pós-doutoranda em em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, Mendes atua na área de Ciências Criminais. Ela também já foi, por dois mandatos consecutivos, coordenadora nacional do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (CLADEM).

Entidades contra André Mendonça

Entidades compostas por juristas deram início a uma campanha contra a indicação de André Mendonça do presidente Jair Bolsonaro, nesta segunda-feira (19), com a entrega de uma carta ao Senado. Para o grupo, a indicação de Mendonça é um retrocesso para a Justiça e para a democracia pelo fato de o ex-advogado-geral da União ter um explícito alinhamento ideológico com o governo do presidente.



O presidente Jair Bolsonaro escolheu o ex-ministro da Justiça e atual advogado-geral da União, André Mendonça, para vaga no Supremo / Evaristo Sa / AFP

“A inusitada prática sem dúvida representou o amesquinhamento do processo de escolha do Ministro do STF e verdadeiro menoscabo tanto ao Tribunal da Cidadania como à Procuradoria-Geral da República, findando por dar contornos diferentes à sabatina, já que a aprovação do candidato representará a aceitação pelo parlamento dos excessos cometidos pelo Executivo no decorrer do processo”, afirmam na carta.

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O grupo também lembra que, durante sua passagem pelo governo de Bolsonaro, Mendonça feriu a Constituição Federal ao subestimar os princípios institucionais para atender as demandas do presidente, utilizando sua crença como juízo de valor e desprezando o estado laico.

Outro ponto levantado pelas entidades foi o uso da Lei de Segurança Nacional por Mendonça para perseguir e criminalizar críticos ao governo de Bolsonaro, ferindo a liberdade de expressão garantida pela Carta Magna de 1988.

O Coletivo por um Ministério Público Transformador (Coletivo Transforma MP), a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), a Associação de Juízes para a Democracia (AJD), a Associação Advogadas e Advogados Públicas para a Democracia (APD), a Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, a Justiça e Cidadania (ADJC), o Coletivo Defensoras e Defensores Públicos pela Democracia, o Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA) e o Movimento Policiais Antifascismo fazem parte da campanha.

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Leia a carta da candidata Soraia Mendes na íntegra:

“POR QUE SOU ANTICANDIDATA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL?

Não há melhor sentimento para qualquer jurista que se atreva a oferecer seu nome, história e trajetória profissional para ocupação de uma cadeira na mais Alta Corte de seu país do que poder dizer que não é candidata de si mesma. E, para minha honra, se me for feita a pergunta que está no título desta carta, poderei responder: SOU candidata a uma vaga no Supremo Tribunal Federal porque não sou candidata de mim mesma.

Represento centenas e centenas de magistradas e magistrados, de defensoras e defensores públicos, de advogadas e advogados públicos e privados, de integrantes do Ministério Público, enfim, de profissionais das mais diversas carreiras jurídicas, além de estudantes e de acadêmicos e acadêmicas que comigo comungam a certeza de que o respeito ao papel que a Corte desempenha em uma ordem jurídica democrática deve ser a única força motriz de uma indicação deste porte. Sou mulher, mãe, negra. Nasci e cresci em uma “vila”, como no Rio Grande do Sul é chamada a “periferia”. 

Filha de um operário de fábrica sindicalista fundador da Central Única dos Trabalhadores, sobrinha neta de um velho ferroviário, também sindicalista, que amargou o cárcere desde as primeiras horas do golpe de 1964 em razão do que pregava em um certo programa de rádio chamado “Ronda das Classes”. 

Trago, portanto, nas veias, na vivência e na consciência o significado das desigualdades de gênero, raça e classe que estruturam uma sociedade que ainda almeja realizar o sonho constitucional de ser de fato livre, justa e solidária. Se me for dado a responder mais uma vez a mesma pergunta, diria: não sou candidata de mim mesma. Represento milhões que compõem a base da pirâmide social, racial e econômica deste país. Cria de uma geração que nasceu sob o arbítrio, mas que chegou à adolescência deslumbrada com uma Assembleia Nacional Constituinte que nos entregou a certidão de nascimento para um novo tempo pelo qual ainda esperamos.

Sou uma intelectual dedicada às Ciências Criminais sob uma perspectiva crítica feminista. Meus livros, artigos científicos e capítulos são citados pelos tribunais deste país, inclusive no próprio Supremo Tribunal Federal. Meus trabalhos são publicados e referidos em renomadas instituições do Chile, da Austrália, da Colômbia, de Portugal, da Argentina e da Itália. E é citando isso tudo que marco a universidade pública como o lugar donde emergiu toda minha produção científica.

Sou mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutora em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB), pós-doutora em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na universidade pública fui professora substituta, professora efetiva, professora visitante. Fui, e sigo sendo, uma pesquisadora.

Se, por uma terceira vez, me dessem a oportunidade de responder à questão do título, replicaria sem pestanejar: não sou candidata de mim mesma. Sou um dos muitos frutos da universidade pública, onde aprendi a fazer ciência e, fazendo ciência, solidifiquei a convicção de que a experiência republicana não admite que Estado, Direito e religião se misturem. O Estado é laico, assim “reza” nossa Constituição.

Sou advogada. Há mais de vinte anos faço de minha profissão uma trincheira de defesa dos direitos humanos das mulheres, de quilombolas, de servidoras e servidores públicos, de indígenas, de rádios comunitárias, de pessoas LGBTQIA+. Sou uma das signatárias da Arguição de Descumprimento de Fundamental n. 779, pela qual, de modo inédito, por unanimidade, foi deferida liminar para afastar a inaceitável tese da “legítima defesa da honra” nos casos de feminicídio.

Como expert em Processo Penal nomeada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos emiti parecer para os fins de balizar a decisão a ser proferida por aquele órgão internacional no Caso 12.263 em que se discute a responsabilidade do Estado Brasileiro na investigação, persecução penal e julgamento da morte da jovem Marcia Barbosa, na Paraíba dos anos noventa. E, por dois mandatos consecutivos, fui coordenadora nacional do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres – CLADEM, organização de juristas feministas que levou o caso Maria da Penha ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos donde adveio a recomendação da qual resultou a edição de uma lei com nome de mulher.

Enfim, se pela quarta e última vez me fosse perguntado por que sou candidata a um lugar dentre os onze ministros e ministras de nossa Corte Maior, falaria: não sou candidata de mim mesma. Sou uma das tantas atrizes do sistema de justiça consciente de que o princípio da dignidade humana, elevado a fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro, ainda é uma promessa quando se trata da vida de todas nós mulheres, cis, trans, lésbicas, indígenas, negras.

Em síntese, diante de tudo disso, se me perguntarem por que sou candidata a ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, rapidamente responderei: porque não sou “uma” candidata, sou parte de um coletivo que tem a mais absoluta convicção de que a Constituição não é só um pedaço de papel, de que a ordem democrática precisa ser respeitada, de que o Supremo não pode ser apequenado com indicações que venham da bebida que se ingere no final de semana ou de uma quebra grosseira da laicidade do Estado pela incitação da intolerância religiosa entre brasileiros e brasileiras.

Por que sou candidata a uma vaga no STF? Simples, porque não sou candidata, sou uma anticandidata. É para isso que meu nome, minha história e minha trajetória profissional servem, para honrar a cadeira que hoje se encontra vazia na Corte.”

Brasília, 20 de julho do (ainda) pandêmico ano de 2021.


Soraia Mendes

Edição: Vivian Virissimo


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