Ministro Marco Aurélio celebra 30 anos de atuação no STF

Diário Carioca

Um magistrado à moda antiga, como ele mesmo se define, e que julga seguindo e sendo fiel a seus princípios, à sua própria consciência e à Carta máxima da República a quem jurou guardar. Destaca-se por sua coerência, não se abala com críticas ou por ser vencido em um julgamento colegiado. Destemido, segue sua orientação e formação humanista. Para ele, “processo não tem capa”, como sempre diz, e completa: “não julgo papéis julgo destinos”. Defensor da liturgia e grande regimentalista, segue sua disciplina.

Este é o ministro Marco Aurélio, que há trinta anos faz parte da história no Supremo Tribunal Federal. Ele chegou ao STF em 13 de junho de 1990, por indicação do presidente Fernando Collor de Mello, e foi o primeiro integrante da Justiça do Trabalho a atuar no Supremo. Mantendo o entusiasmo do primeiro dia de juiz, sobre o período ele comenta: “É uma vida. Você olha para o retrovisor e se assusta um pouco! Mas você tem o sentimento do dever cumprido, isso é o que vale. Nada edifica mais o homem do que servir ao semelhante.”

Solícito no atendimento à imprensa, expressa aos jornalistas suas frases fortes, que marcam sem qualquer ressalva suas convicções e independência. Quando algum fato ou alguma declaração o desconforta, costuma dizer: “A quadra vivida é de tempos estranhos”. Mas há outras expressões que o acompanham em suas manifestações, seja em votos apresentados em Plenário, seja em decisões monocráticas: “A resposta é desenganadamente negativa” ou “Pagamos um preço módico para vivermos em um Estado Democrático de Direito”.

Certa vez, ao ser questionado sobre o caráter polêmico de suas decisões, o ministro Marco Aurélio declarou já estar acostumado às reações contrárias a determinadas decisões. Disse ele: “Se polêmico for atuar de acordo com as próprias convicções, com o que eu denomino de espontaneidade maior, eu sou um juiz polêmico.” Manifesta-se abertamente quando discorda de algo. Um exemplo? O ministro não adere às propostas de modulação dos efeitos das decisões em ações de controle concentrado.

Paixão

Certa vez foi sorteado relator de um recurso extraordinário (RE) interposto pelo Clube de Regatas Flamengo, seu time de coração e pelo qual alimenta uma paixão notória. O clube reivindicava na Justiça o título do Campeonato Brasileiro de 1987 e tentava reverter decisão judicial que proclamou o Sport Club do Recife como único campeão brasileiro daquele ano. Paixão à parte, prevaleceram a imparcialidade do magistrado e a defesa da segurança jurídica, que o levou a recusar o recurso (RE 881864), por entender que a decisão judicial que conferiu o título ao clube pernambucano transitou em julgado e não poderia mais ser alterada. A Primeira Turma, por maioria, acompanhou seu entendimento.

Leveza

Quando completou 20 anos de Corte, o ministro disse: “Reconheço que não posso mais esconder a idade, mas digo-lhes que, ante uma vida dinâmica, ante uma vida entregue de corpo e alma a servir aos meus semelhantes, o fardo foi um fardo leve”. E é dessa forma leve que o ministro prossegue na sua jornada na Suprema Corte até o momento em que for obrigado “a pendurar a toga”, em 12 de julho do ano que vem, dia de seu aniversário de 75 anos.

Biografia

No ano de 1973, o ministro graduou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cidade em que nasceu e exerceu a advocacia. Entre 1975 e 1978, ele integrou o Ministério Público na Justiça do Trabalho da 1ª Região, e de 1978 a 1981 foi juiz togado do Tribunal Regional do Trabalho da mesma Região (TRT-1). Tomou posse como ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) em setembro de 1981 e no dia 13/6/1990 assumiu a cadeira de número 4, que pertenceu ao ministro Carlos Madeira, no STF.

Na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Marco Aurélio realizou, em 1996, a primeira eleição pelo sistema eletrônico de votação, da qual participaram mais 32 milhões de brasileiros, correspondendo a um terço do eleitorado da época. O ministro também se dedicou à vida acadêmica, tendo atuação importante no magistério do Direito. Informações adicionais sobre a vida e a obra do ministro Marco Aurélio estão disponíveis no site do STF.

TV Justiça

No cargo de presidente do STF no biênio 2001/2003, o ministro Marco Aurélio exerceu a Presidência da República por quatro vezes, em razão da linha sucessória. Numa dessas ocasiões, em maio de 2002, o ministro sancionou a Lei 10.461/2002, de criação da TV Justiça, marco no Poder Judiciário brasileiro e uma iniciativa inédita na história das Cortes de Justiça em todo o mundo. Em 2 de agosto de 2002, o ministro inaugurou o estúdio e as instalações da TV Justiça, que estreou sua programação no dia 11 de agosto, data em que se comemora a criação dos cursos jurídicos no Brasil. Naquela época não era raro o ministro, então presidente da Corte, telefonar ou ir à redação e aos estúdios da TV cumprimentar os funcionários.

Em agosto deste ano, a emissora inaugurada pelo ministro Marco Aurélio completa 18 anos dedicados a divulgar as atividades do sistema judiciário, aproximando os brasileiros da Justiça.

Guardião da Carta Maior

Nesses 30 anos em que ocupa uma das onze cadeiras do Supremo Tribunal Federal, o ministro Marco Aurélio sempre ressaltou a importância do papel da Corte como intérprete e guardiã da Constituição Federal, a fim de efetivá-la. O ministro também destacou, ao longo desse período, que a principal missão do Supremo tem sido a concretização dos direitos fundamentais, nos quais estão inseridos a liberdade, a igualdade e a dignidade, entre outros. Com esse intuito, o ministro Marco Aurélio foi responsável pela relatoria de diversos processos que envolveram debates sobre interpretações e alcances de garantias constitucionais.

Relatorias relevantes

Um dos casos de grande repercussão relatados pelo ministro Marco Aurélio foi a Arguição de Descumprimento de Preceito (ADPF) 54, na qual o Plenário decidiu ser possível a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos (sem cérebro). O voto do ministro Marco Aurélio conduziu outra decisão emblemática da Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, na qual foi reconhecida aos transgêneros a possibilidade de alteração de registro civil sem mudança de sexo. O entendimento do ministro também foi seguido, por maioria, no julgamento do RE 591054, com repercussão geral, em que a Corte decidiu que processos penais em curso não podem ser considerados maus antecedentes. Na ocasião, ele enfatizou a necessidade de existir decisão condenatória definitiva para que se afaste a presunção de inocência.

O posicionamento do ministro Marco Aurélio também se destacou em julgamentos históricos, a exemplo de discussões sobre a constitucionalidade de artigos da Lei Maria da Penha (Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC 19), prisão por dívida de depositário infiel (Habeas Corpus – HC 87585), prisão em segunda instância (ADCs 43, 44 e 54), uso de algemas (HC 91952), que resultou na edição da Súmula Vinculante 11 da Corte. Há também processos relevantes de relatoria do ministro Marco Aurélio que ainda não foram analisados de forma definitiva pelo Plenário, entre os quais o julgamento do decreto sobre cessão de exploração de petróleo e gás pela Petrobras (ADI 5942).

Pandemia

Em um dos julgamentos mais recentes e importantes relatados pelo ministro Marco Aurélio, ocorrido em abril deste ano, o Plenário do STF concluiu pela competência concorrente de estados, Distrito Federal, municípios e União ao enfrentamento do novo coronoavírus (ADI 6341). Na decisão, o Plenário referendou medida cautelar concedida pelo relator no sentido de que medidas adotadas pelo Governo Federal para o enfrentamento do novo coronavírus não afastam a competência concorrente nem a tomada de providências normativas e administrativas pelos demais entes da Federação.

Audiências públicas

A realização de audiências públicas para debater com a sociedade temas de grande repercussão social, política ou econômica ou temas que exigem grande análise técnica está prevista na Lei das ADIs. Esse instrumento de aproximação da Corte com a sociedade já foi utilizado em três ocasiões pelo ministro Marco Aurélio, relator de ações que discutiam temas polêmicos – interrupção da gravidez por gestantes de fetos com anencefalia (ADPF 54); proibição do uso do amianto pela indústria de São Paulo (ADI 3937); e o regime especial de contratação de médicos cubanos para o programa Mais Médicos (ADIs 5035 e 5037). 

Anencefalia – No dia 12 de abril de 2012, o Plenário do STF, por maioria de votos, concluiu o julgamento da ADPF 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Prevaleceu o voto do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido de descriminalizar a interrupção da gestação de feto anencéfalo se a mãe assim desejasse.

Amianto – Em 24 de agosto de 2017, o Plenário, por maioria de votos, julgou improcedente a ADI 3937, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) contra a Lei 12.687/2007, do Estado de São Paulo, que proíbe o uso de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto no território estadual. Naquele mesmo julgamento, a Corte declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei Federal 9.055/1995, que permitia a extração, industrialização, comercialização e a distribuição do uso do amianto na variedade crisotila no País.

Mais Médicos – Em novembro de 2017 a Corte julgou improcedentes as ADIs 5035 e 5037, ajuizadas respectivamente pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Universitários Regulamentados (CNTU), contra a Medida Provisória (MP) 621/2013, que instituiu o programa. Nesse julgamento o ministro Marco Aurélio foi voto vencido ao julgar inconstitucional a dispensa de revalidação do diploma dos médicos estrangeiros, a remuneração menor paga aos médicos cubanos e o caráter discriminatório dispensado a esses profissionais.

De vencido a vencedor

Com convicções firmes, o ministro sempre ouviu com atenção opiniões diferentes da sua e muitas vezes apresentou voto divergente em situações nas quais permaneceu vencido de forma solitária. Mas seu posicionamento divergente trouxe contribuições importantes aos debates, uma vez que muitos de seus votos vencidos posteriormente se converteram em jurisprudência predominante na Corte. A mudança da posição de vencido para vencedor ocorreu, por exemplo, em julgamentos sobre progressão de regime para condenados por crime hediondo (HC 69657) e depósito prévio em processo administrativo (HC 69657).

Amigos ministros

Ministros atuais e aposentados do STF comentam a data e falam um pouco sobre o homenageado. O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli rendeu-lhe as homenagens na abertura da sessão plenária realizada na última quarta-feira (10), ressaltando que o ministro Marco Aurélio é um dos maiores juristas da história do país e responsável “por dar voz aos posicionamentos minoritários da sociedade”. Destacou que com o passar do tempo, vários votos vencidos foram convertidos em teses majoritárias – como a declaração de inconstitucionalidade da proibição da progressão de regime aos condenados por crimes hediondos.

Sobre o “grande e antigo amigo” com quem compartilhou debates na Primeira Turma, o ministro Luiz Fux afirma que “o ministro Marco Aurélio é o símbolo da independência de um magistrado de escol. Sua reverência à Constituição Federal timbra a sua atuação como verdadeiro guardião da ordem jurídica e dos valores nacionais”. 

O ministro Edson Fachin afirmou que está a testemunhar um “digno homem nesta longa e profícua passagem”. Segundo ele, o ministro Marco Aurélio, “com sua sabedoria agregada ao longo dos anos e ancorada na ciência do direito, exprime com a eloquência e cadência de seu falar, o melhor do direito – dá sentido à palavra Justiça”. Fachin acrescentou que “a pessoa do Ministro Marco Aurélio, para além do seu caráter e retidão, assomam-se sincera amizade e respeito”.

O ministro aposentado Eros Grau conta que construiu uma amizade com o ministro Marco Aurélio com quem conviveu durante o período de seis anos em que integrou a Corte. “Aprendi muito com ele no correr daqueles anos”, disse, ao ressaltar que o homenageado é “um homem honrado, extremamente inteligente, que me ensinou, além da serenidade e da prudência, a amizade”.

Para o ministro Alexandre de Moraes, o homenageado “honra nossa Corte e nosso País, engrandece a magistratura e é grande exemplo para todas as novas gerações”. O ministro Alexandre disse ter muita honra de compartilhar com o ministro Marco Aurélio as bancadas do Plenário e da Primeira Turma. “Parabenizo esse grande amigo e professor pelos 30 anos de judicatura constitucional”, ressaltou.

O ministro Gilmar Mendes destacou a dedicação ao ofício jurisdicional e a renovação contínua dos compromissos republicanos assumidos há 30 anos, “símbolos maiores de um jurista que honra a toga”, disse o ministro ao congratular o ministro Marco Aurélio pela importante data.

Para o ministro Celso de Mello, trata-se da celebração de um evento de “significativa importância histórica na vida deste grande Tribunal da República”. A primorosa atuação do ministro Marco Aurélio nos trabalhos do Supremo Tribunal, segundo o decano, “tem sido reconhecida e altamente elogiada por toda a comunidade jurídica nacional, fundamentalmente em razão de sua notável competência técnica, de sua integridade pessoal, de sua independência funcional e de sua indiscutível qualificação intelectual, responsável por luminosos votos que se converteram em diretrizes jurisprudenciais prevalecentes na prática jurisdicional desta Corte Suprema”.

AR,EC/EH,AD

Veja reportagem da TV Justiça:

 

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