O Ministério Público Federal (MPF) marcou para sexta-feira (19) uma vistoria no Sítio Arqueológico Saracura, no canteiro de obras de uma das futuras estações de metrô da Linha Laranja, na região central de São Paulo. A visita da perita foi informada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) pelo procurador Gustavo Torres Soares como parte das diligências do inquérito que apura possíveis irregularidades na preservação dos vestígios arqueológicos no local.
Na semana passada, o Iphan emitiu um parecer em que recomenda que as escavações arqueológicas na área, onde ficava o Quilombo Saracura, no atual bairro do Bixiga, continuem paralisadas. Foram encontrados, segundo o parecer, vestígios que podem ser de artefatos utilizados em cerimônias e atividades de religiões de matriz africana. Em fevereiro deste ano, após uma inundação durante o período de chuvas, o Iphan recomendou a suspensão dos trabalhos arqueológicos no local.
O sítio arqueológico foi identificado em abril de 2022, quando já haviam sido iniciadas as obras da futura Estação 14 Bis. O instituto também pediu manifestação da Fundação Palmares e dos ministérios da Cultura, da Igualdade Racial e do Direitos Humanos e Cidadania para avaliar o conjunto da materialidade e o contexto histórico e cultural do sítio. Após essas respostas, o Iphan deve decidir se mantém ou revoga a suspensão dos trabalhos arqueológicos.
Riscos Para Luciana Araújo, integrante do movimento Mobiliza Saracura Vai-Vai, a perícia do MPF vai permitir avaliar se não houve danos ao patrimônio arqueológico durante as obras de construção da estação. “Será mesmo que nada foi destruído? Essa é a pergunta que a comunidade está fazendo há quase um ano. A perícia que o Ministério Público Federal vai poder esclarecer isso. Mas é uma preocupação que a comunidade sempre teve”, disse.
A preocupação surge pela forma como foi feito o licenciamento da obra. “É um processo que começou errado, com o licenciamento da obra à revelia da pesquisa arqueológica”, acrescentou.
Sem pesquisa A partir dos documentos de licenciamento ambiental, a reportagem da Agência Brasil mostrou que foi ignorada a história do bairro do Bixiga, que abrigou o Quilombo Saracura. A construção da estação de metrô desalojou a Escola de Samba Vai-Vai, fundada pelos descendentes dos quilombolas. A própria escola era, de acordo com Luciana, um território sagrado, por ter assentamentos consagrados a orixás.
A região do Bixiga e da Liberdade, também com história ligada à população negra da capital paulista, foram os únicos pontos do traçado da Linha Laranja em que não foram feitos estudos arqueológicos prévios. A concessionária Move São Paulo, à época responsável pelas obras, solicitou, em 2020, ao Iphan a dispensa de estudos nesses locais. Assim, a história do Quilombo Saracura só foi mencionada no processo de licenciamento depois da Escola de Samba Vai-Vai ter sido removida do local para o início das obras.
Na avaliação do Mobiliza Saracura Vai-Vai, houve pouco interesse do governo estadual e das empresas privadas envolvidas em preservar a história das populações negras. “Falta de vontade política evidenciada pela concessionária e o governo do estado nesse período de realizar a pesquisa com o rigor que ele deveria ter”, ressaltou Luciana.
Linha Uni Em julho de 2020, a Move São Paulo transferiu o contrato para construção da Linha Laranja para a concessionária Linha Uni, que tem o grupo espanhol Acciona como maior acionista, além do banco de investimentos francês Société Générale e o fundo francês Stoa.
O rompimento do contrato com a Move aconteceu após a concessionária atrasar o cronograma de obras. A concessionária enfrentou dificuldades em captar recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) devido às condenações sofridas pelo grupo controlador da empresa, a Odebrecht, em processos por corrupção a partir da Operação Lava Jato
A Agência Brasil entrou em contato com a Linha Uni e aguarda resposta.