O Equador despertou, na segunda-feira (12), com a notícia de que Guillermo Lasso será o novo presidente. Nenhum dos cenários de crise ou disputas sobre os resultados aconteceu: o candidato de direita ganhou com 52,48%, 4.599.003 votos, ou 435.366 votos a mais do que o progressista Andrés Arauz (47,60%). Este último aceitou a derrota, parabenizou Lasso, assim como vários presidentes latino-americanos e mundiais que felicitaram o próximo presidente equatoriano.
O futuro presidente agradeceu por meio de suas redes àqueles que lhe escreveram, como o próprio Arauz e o seu candidato a vice-presidente, Carlos Rabascall, indo no sentido de uma de suas principais ideias de campanha: o Equador do encontro onde todos ganham. “Devemos estar unidos e respeitar nossas diferenças para fazer o Equador avançar, este é um trabalho de todos, que começa hoje”, escreveu Lasso em seu perfil no Twitter. Durante o dia, ele estava em Guayaquil, onde foi visitar o túmulo de seus pais.
Andrés Arauz, por sua vez, apelou, no dia seguinte à eleição, “pela paz e reconciliação baseadas no absoluto respeito aos direitos humanos, a perseguição política deve terminar, devemos tratar uns aos outros como adversários e não como inimigos”.
:: Leia mais: Campo progressista sai fortalecido pós-eleições nos países andinos, apontam analistas ::
O resultado do domingo contradizia o que a maioria das pesquisas de opinião indicava, algo que não é atípico nos processos eleitorais. Candidato da Revolução Cidadã, Arauz tinha números favoráveis após sua vitória no primeiro turno, com quase 13 pontos de diferença sobre Lasso, uma distância que, as pesquisas mostravam, foi se reduzindo à medida que as semanas de campanha para o segundo turno avançavam. As curvas mostraram um aumento a favor de Lasso, uma alta porcentagem de votos nulos e brancos, e o lento crescimento de Arauz. O que poucos anteciparam foi o resultado final.
Várias razões podem ser consideradas para explicar a vitória de Lasso, que havia sido derrotado, em 2017, por Lenín Moreno e, em 2013, por Rafael Correa, razões que têm a ver com as estratégias de cada campanha, as características das forças políticas em enfrentamento, assim como o cenário em que a competição ocorreu. Cada parte, de forma independente, está relacionada à outra.
Em primeiro lugar, a própria candidatura de Arauz foi produto da situação que o correismo estava enfrentando: perseguição política com a sua principal liderança exilada na Bélgica. O movimento político liderado por Rafael Correa entrou na corrida eleitoral depois de vários anos de enfrentamento de processos judiciais, em um profundo processo de lawfare, com dirigentes fora do país, outros sob ameaça de sentenças, na prisão, ou aposentados da atividade política como resultado da artilharia política, judicial e da mídia contra a Revolução Cidadã.
:: Leia também: Eleições na América do Sul: Equador, Peru e Bolívia na ordem do dia ::
Em segundo lugar, o correismo enfrentou uma campanha com estruturas organizacionais escassas. A ausência de um partido político na Revolução Cidadã – não apenas eleitoral – assim como de movimentos sociais, territoriais, operários, feministas ou indígenas é talvez uma de suas características centrais, particularmente quando considerada em perspectiva com outros processos progressistas no continente. Esta situação pode ser explicada por concepções políticas e pela traição do atual presidente Lenín Moreno e seu impacto interno.
Em terceiro lugar, a própria campanha apresentou dificuldades, com um movimento perseguido, pouca estrutura política, e a complexidade na construção da figura de Arauz, em particular na relação – em termos de campanha – com Correa. Como conseguir o voto da base da Revolução Cidadã e, por sua vez, expandir para a maioria da população? Essa foi uma das principais questões, em um cenário político marcado pela divisão correismo versus anti-correaismo e a dificuldade de transferi-lo para outro, como o neoliberalismo versus antineoliberalismo.
:: Relembre: Direitista Lasso vence eleições no Equador; Arauz agradece por votos e militância ::
A clivagem correismo versus anti-correismo foi um dos pontos em torno do qual Lasso conseguiu expandir sua base eleitoral até alcançar a maioria. O anti-correismo, presente na sociedade por vários motivos – entre eles a campanha sistemática de acusações por corrupção – permitiu a Lasso atrair votos daqueles que não votariam a favor da Revolução Cidadã. Foi também um elemento determinante na compreensão do posicionamento das forças políticas, em particular Yaku Pérez e Xavier Hervas, terceiro e quarto, respectivamente, no primeiro turno.
Arauz fez um chamado para a formação de um bloco progressista, plurinacional e social-democrata, ou seja, a Revolução Cidadã, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) e a Esquerda Democrática. Entretanto, a clivagem do anti-correismo reduziu essa possibilidade, e tanto Pérez/Conaie quanto Hervas optaram por não se posicionar diretamente para nenhum dos candidatos. No caso do movimento indígena, com disputas internas sobre alianças, a decisão foi de chamar um “voto nulo ideológico”, que influenciou os 1.739.870 eleitores nulos de um total de 10.675.362 eleitores. O apoio de última hora de Vargas, presidente da Conaie, para Arauz não parece ter mudado esta situação.
Lasso contou, além disso, com dois elementos centrais para sua campanha: o apoio dos principais meios de comunicação do país e uma estratégia de comunicação que acertou sua mensagem, com um financiamento forte e uma distribuição de recursos de campanha suja. Ele construiu, assim, um discurso e uma estética, uma ficção de sua história e uma proposta político-econômica para o país que será exposta aos poucos, à medida que seu governo avançar.
:: Saiba mais: Máquina pública do Equador é usada contra candidato de Rafael Correa, diz analista ::
O horizonte que se abre com sua vitória é o de aprofundamento neoliberal, em particular o domínio do capital financeiro, do qual ele faz parte. A dinâmica de resistência a esta agenda será marcada, em parte, pela forma como o Conaie se posiciona em termos de suas disputas internas – terá uma eleição de autoridades em maio – e como o correismo pensa e planeja sua estratégia para esta nova etapa.
O mapa da América Latina continuará, por enquanto, com o mesmo tabuleiro de xadrez de forças. A vitória da Lasso indica que o continente está em um contexto de disputas entre projetos sem hegemonias claras. As próximas eleições presidenciais, no Peru, no Chile e no Brasil, irão trazer mais conclusões para refletir sobre o momento atual, complexo, com capotamentos, particularidades nacionais determinantes e, sobretudo, aberto.
*Marco Teruggi é jornalista e cobriu as eleições diretamente do Equador.
**Artigo publicado originalmente em Resumen Latinoamericano.